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A geração Z quer mais que um emprego

Atrás da geração Z — formada por jovens nascidos nos anos 90 e 2000 —, grandes empresas reformulam os programas de estágio e trainee

Escritório da Nestlé: empresa lidera grupo de estágio compartilhado (Germano Lüders/Exame)

Escritório da Nestlé: empresa lidera grupo de estágio compartilhado (Germano Lüders/Exame)

paulistana Graziele Gomes da Silva, de 24 anos, cursou o ensino médio numa das escolas mais conceituadas de São Paulo. Em seguida, ingressou no curso de direito do Mackenzie. Em seus estágios, experimentou pequenos e médios escritórios de advocacia. Depois de formada, conseguiu uma vaga no aclamado escritório Pinheiro Neto. Meses depois, com um pé-de-meia suficiente para passar um tempo sem trabalhar, Graziele decidiu pedir demissão em busca de algo diferente. Passou a frequentar eventos de empreendedorismo social. O movimento a levou a uma aceleradora de startups, onde trabalha desde janeiro. “Voltei ao salário de estagiária, mas sinto que meu trabalho faz todo o sentido do mundo”, diz ela.

Esse certo destemor em relação a grandes mudanças na trajetória profissional é uma das características da geração Z, a dos jovens nascidos de meados dos anos 90 a 2010, segundo pesquisa feita pelo grupo Cia de Talentos e obtida com exclusividade por EXAME. O estudo mergulhou nas ambições profissionais de 80 jovens de 17 a 27 anos de várias partes do país e na avaliação de dez empresas que contratam essa geração. O resultado: eles não têm apego por instituições e cargos, querem autonomia e variedade de experiências, desejam encontrar um trabalho com flexibilidade e harmonia com seu estilo de vida e buscam um propósito na carreira.

Não são ambições consonantes com a realidade de boa parte das grandes empresas. Pelo menos no imaginário de uma parcela relevante dos jovens, aspirações assim são mais compatíveis com o ambiente empreendedor das startups. Segundo um levantamento da empresa de pesquisa na área de recursos humanos Spry, 37% dos universitários de instituições reconhecidas no Brasil querem trabalhar numa startup ou fundar a própria empresa. Segundo a Associação Brasileira de Startups, de 2017 para cá o número de organizações desse tipo cresceu 146%. Hoje, mais de 12.000 são mapeadas. Em 2018 e 2019, dez delas viraram unicórnios, ou seja, passaram a valer mais de 1 bilhão de dólares.

Não à toa, na edição 2019 da pesquisa Empresa dos Sonhos, também realizada pela Cia de Talentos, pela primeira vez uma startup brasileira, o Nubank, figura entre as dez empresas dos sonhos de jovens e líderes de média gestão. A lista vem sendo liderada, desde 2014, pelo Google, também visto como uma alternativa ao ambiente corporativo tradicional. “Hoje temos muito mais possibilidades de carreira atraente fora das grandes empresas do que tínhamos no passado”, diz Danilca Galdini, diretora de pesquisa da Cia de Talentos.

“Algumas empresas ainda associam os jovens aos millennials, mas eles envelheceram”, diz Paula Englert, presidente da Box1824, empresa de pesquisa e desenvolvimento de jovens profissionais que fez uma investigação sobre a geração Z em parceria com a consultoria de estratégia McKinsey. “A atual geração trabalha mais com projetos pontuais e precisa entender os valores das empresas com as quais se engaja.” A marca dos millennials, ou integrantes da geração Y, nascidos nos anos 80 e 90, era de certo individualismo e uma postura de enfrentamento.

Em contraste, os jovens de hoje têm menos apego a uma identidade, além de uma visão mais coletiva e inclusiva. O dilema das empresas não seria tão grande se elas não precisassem atrair justamente esse perfil de jovens para seus quadros. É desses profissionais, com espírito empreendedor, que elas precisam para mudar os negócios na velocidade que o mercado exige.

Escritório do Google: no topo das empresas dos sonhos dos jovens brasileiros desde 2014 | Brooks Kraft/Getty Images

Diante da nova realidade, algumas empresas desconstroem o que era até pouco tempo atrás a essência dos programas de entrada, como trainee e estágio. A Nestlé derrubou um pressuposto básico de qualquer sistema de estágio tradicional: o de que, uma vez dentro do programa, o jovem deveria ser protegido contra a concorrência de outras empresas. A líder do ramo de alimentos capitaneou a Aliança pelos Jovens, uma associação de 24 organizações.

Nos primeiros dias de junho, o grupo abriu inscrições para um programa de estágio compartilhado: além da própria Nestlé, participam da primeira rodada a fabricante de papel Klabin, a siderúrgica CSN, a empresa de energia EDP, a operadora de telefonia Vivo e a CIEE, entidade que conecta empresas a estagiários. A ideia é que, ao fim do processo, depois de experimentar a rotina de empresas e áreas diferentes, o estagiário tenha liberdade para ser efetivado em uma das companhias ou apenas deixar seu currículo num banco compartilhado. O grupo iniciará o programa em agosto.

Outra novidade, que vale para os programas de trainee e outros cargos de entrada: o perfil dos candidatos procurados passou a ser mais flexível. “Buscamos gente mão na massa, que faz acontecer”, diz José Pereira Júnior, gerente de inovação da Nestlé. A seleção passou a dar mais peso a habilidades comportamentais em vez de considerar apenas a formação. Na equipe de Pereira, trabalham um designer e um engenheiro eletricista.

Para atrair gente com desejo de empreender, a fabricante de cosméticos Natura acabou com o programa de trainee nos moldes tradicionais. No lugar, criou o Coragen (com “n”, em referência ao nome da empresa), um programa de intraempreendedorismo. Os selecionados identificam problemas e têm de resolvê-los. A primeira turma do programa, com duração prevista de 20 meses, começou a colocar a mão na massa em novembro de 2018. Ao término, espera-se que os caminhos sejam múltiplos: desde ficar na Natura até abrir um negócio próprio e atuar como fornecedor da fabricante de cosméticos.

Recentemente, o grupo apresentou aos principais executivos da companhia os resultados atingidos até agora. “O programa de trainee estava muito ligado à formação de pessoas para funções dentro da organização”, diz Fabiana Nakazone, gerente de experiência do funcionário da Natura. “O programa atual impulsiona novas soluções e formas de trabalho.”

Para a nova geração, trabalhar com um propósito é outra aspiração. A Votorantim Cimentos segue a linha: desde o ano passado, aderiu à ideia do impacto social já no processo seletivo. Numa das etapas finais do programa de trainee, os participantes passaram um dia reformando casas na periferia paulistana, em parceria com a Moradigna, empresa que reforma casas por preços acessíveis. “A ideia era mostrar nosso propósito de mudar realidades”, diz Cristiano Brasil, diretor global de gente e gestão. A escolha não foi de oportunidade: as duas organizações mantêm diversas parcerias desde 2017. Eis um detalhe que não teria passado despercebido pela engajada geração Z.

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