Revista Exame

Os jovens não querem só dinheiro

Uma pesquisa mostra que, para os jovens de 18 a 24 anos, satisfação pessoal e relevância social já são aspectos mais importantes no trabalho do que altos salários

Thiago Silva, do Banco União Sampaio, Bertoldo, da IBM, e Araujo, da Echo Music: em busca de propósitos (Germano Lüders/EXAME.com)

Thiago Silva, do Banco União Sampaio, Bertoldo, da IBM, e Araujo, da Echo Music: em busca de propósitos (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2011 às 15h11.

São Paulo - Os três jovens paulistas da foto acima compartilham o mesmo sonho. Patrick de Queiroz Bertoldo tem 20 anos, estuda comércio exterior no Senac, em São Paulo, e faz estágio na IBM. Bruno Barbosa de Araujo, de 23 anos, é presidente da fabricante de instrumentos musicais Echo Music.

Aos 22, Thiago Vinícius da Silva é fundador e analista de crédito do Banco Comunitário União Sampaio, no Jardim Maria Sampaio, na extrema zona sul da capital. São histórias de vida diferentes, mas os três dizem desejar, por meio do trabalho, fazer do Brasil um país melhor.

Jovens costumam ser sonhadores, às vezes utópicos, e coletivistas — um comportamento que tende a mudar tão logo as responsabilidades da maturidade e do mercado de trabalho se impõem. Mas, ao que tudo indica, a nova geração que começa agora a entrar nas empresas tem algo diferente.

Um estudo feito pela agência de pesquisas Box1824 e pelo Datafolha revela que Patricks, Brunos e Thiagos podem ser encontrados em todos os cantos do país. Depois de entrevistar mais de 3 000 pessoas de 18 a 24 anos em bares, parques e universidades, os pesquisadores descobriram que 90% dos jovens brasileiros querem um trabalho que contribua com a sociedade.

Além disso, apenas quatro em cada dez entrevistados apontam o salário como fator principal na hora de escolher um emprego. Ascender rapidamente e ganhar muito dinheiro já não é prioridade para uma enorme fatia da chamada geração Y, formada pelos nascidos a partir da década de 80.

“A pesquisa reflete um momento de otimismo inédito no país”, diz Carla Mayumi, sócia da Box1824. “Os jovens querem fazer sua parte para melhorar a sociedade e já não têm tanta pressa em ficar ricos, como era a regra há pouco tempo.”

Para essa garotada, o tamanho ou a história das organizações não faz diferença na hora de escolher um trabalho. “Essa é a primeira geração que prefere avaliar os valores das companhias”, afirmam as psicólogas americanas April Perrymore e Nicole Lipkin, no livro A Geração Y no Trabalho.


“Eles já agem assim na hora de escolher produtos num supermercado. Imagine para decidir onde querem trabalhar!”  Para a maioria das empresas, essa visão “paz e amor” é um tremendo desafio, já que instrumentos de atração e manutenção de talentos utilizados até agora têm pouco — ou nenhum — efeito sobre os jovens.

“As empresas que não conseguirem mostrar sua contribuição à sociedade terão muita dificuldade para atrair gente boa”, afirma Paulo Mendes, sócio da empresa de recrutamento 2Get.

Voluntariado

Uma das formas mais simples de engajar e motivar essa geração é dar espaço para que participe de trabalhos voluntários. Em 2008, a IBM criou um projeto global de voluntariado, batizado de Corporate Service Corps. Em três anos, 117 estrangeiros vieram ao Brasil para trabalhar em 36 ONGs locais — e 59 brasileiros embarcaram para países como África do Sul, Gana e Vietnã.

Lá fora, os brasileiros desenvolveram projetos em que aproveitavam sua experiência profissional para ajudar a organizar a administração e os sistemas de tecnologia de ONGs­. Neste ano, para comemorar seu centenário, a IBM convidou todos os seus funcionários no Brasil a se engajar em projetos sociais.

Bertoldo, há um mês na empresa, candidatou-se para liderar um projeto que vai selecionar 35 jovens de baixa renda no Brasil para viajar a Washington e se encontrar com a primeira-dama americana, Michelle Obama, em 2012.

“Faço trabalho voluntário desde os 12 anos e acho ótimo poder continuar a ajudar dentro de uma grande empresa. Além disso, se o projeto for bem-sucedido, posso ganhar reconhecimento e dar impulso à minha carreira”, diz Bertoldo.

Entregar projetos inteiros — com começo, meio e fim — para essa garotada aparece cada vez mais como uma das maneiras de mantê-la motivada. O levantamento da Box1824 e do Datafolha revela que, para 41% dos jovens, satisfação é o item mais importante do trabalho — e não há nada mais excitante para eles do que ser donos do próprio nariz.

“Os jovens não dão muita bola para cargo ou salário, mas, se você oferecer um projeto em que  acreditem, eles darão o sangue”, diz Maria Tereza Fleury, professora da Fundação Getulio Vargas. Em 2010, a Kimberly-Clark fez uma pesquisa com seus funcionários, trainees e estagiários de até 25 anos.


Descobriu que 46% deles haviam saído do emprego anterior por falta de desafios. Para tentar evitar uma debandada, a Kimberly definiu neste ano que cada estagiário seria responsável por tocar um projeto. O paulistano Rafael de Alencar, por exemplo, tem 22 anos e já soma dois projetos finalizados.

No primeiro, ainda durante o estágio, encontrou um novo material para substituir a madeira nos pallets da fábrica de Mogi das Cruzes, em São Paulo, que diminuiu os custos com material em 25%.

Recentemente, entregou um programa que calcula o mix ideal de produtos a ser vendidos, por região. “Quero chegar à presidência um dia, e a melhor forma de mostrar meu potencial é liderando meus projetos”, diz ele.

Para essa nova geração, que não busca a segurança das grandes empresas e quer ser dona do próprio nariz, o empreendedorismo surge como uma opção às carreiras tradicionais. A FGV de São Paulo, por exemplo, calcula que hoje pelo menos 30% de seus alunos querem abrir um negócio — um percentual recorde em sua história.

“Empreender é a forma mais lógica de liderar um projeto realmente desafiador”, diz Amisha Miller, gerente de pesquisa da Endeavor, ONG de apoio ao em­preendedorismo. O paulistano Bruno Barbosa de Araujo é um exemplo desse novo perfil. Filho do fundador de uma fábrica de dobradiças, aos 23 anos ele já criou três negócios.

O mais recente é uma fábrica de instrumentos musicais de madeira certificada e componentes reciclados, a Echo Music. Criada com o colega de faculdade e músico Eduardo Medeiros, a Echo Music vende pela internet guitarras, baixos e violões que custam até 6 000 reais — a previsão é que até 2012 o faturamento alcance quase 7 milhões de reais.

Evidentemente, para os jovens das classes C, D e E é mais difícil pensar em ajudar a sociedade ou liderar projetos pessoais quando a maior preocupação ainda é com o próprio sustento. Mas a pesquisa da Box1824 e do Datafolha revela que mesmo nesse universo apenas um terço dos jovens acha que salário é prioridade.

O que importa mesmo é a relevância do trabalho. Veja o exemplo de Thiago Vinícius da Silva. Aos 18 anos, ele desistiu de uma bolsa para cursar administração na PUC para se dedicar a trabalhos voluntários no Jardim Maria Sampaio, na periferia de São Paulo, onde mora.

Em 2009, ajudou a fundar o Banco Comunitário União Sampaio, que oferece crédito a moradores da região. Os empréstimos podem ser em reais, ou em “sampaios”, uma espécie de moeda aceita por 30 comerciantes do bairro. A inspiração, segundo Thiago, veio do Grameen Bank, fundado por Muhammad Yunus em 1983.

“Esses jovens têm um número muito maior de possibilidades do que seus pais”, diz Mendes, da 2Get. “E, para continuar atraentes, as empresas terão de descobrir o que é capaz de satisfazê-los.”

Acompanhe tudo sobre:carreira-e-salariosClasse CClasse DClasse EEdição 0994Jovens

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025