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Pará ultrapassa Bahia na produção nacional de azeite de dendê

Em meio à falta de crédito, pequenos produtores tentam salvar o “ouro da Bahia"

 (iStock/Getty Images)

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“Moqueca sem dendê não é moqueca”, diz Miguel Roque Filho, sacerdote de um terreiro na Ilha de Itaparica, próxima a Salvador. “A Bahia só é a Bahia com dendê”, emenda Dadá Jaques, mestre de capoeira e frequentador de um terreiro em Lauro de Freitas. São falas motivadas pela escassez, registrada nos últimos anos, do fruto que gera o óleo de palma, tido como sagrado para as religiões de matriz africana e um dos símbolos da gastronomia do estado.

Em 2017, a Bahia produziu 36.915 toneladas de cachos de dendê, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que corresponde a 2,2% da oferta nacional. Em 2015, porém, foram 204.986 toneladas. É uma cifra irrisória se comparada com a mais recente ostentada pelo Pará. Das 1.676.421 toneladas de cachos colhidos no Brasil, o estado mais ao norte foi responsável por 1.634.476. Enquanto o Pará destinava ao fruto, também em 2017, mais de 100.000 hectares, a área de cultivo na Bahia não passava de 9.000. Nos últimos três anos, mesmo sem números oficiais, os principais envolvidos na produção do dendê na Bahia apontam para um declínio ainda maior da cultura do produto.

Especialista no assunto, o técnico em agropecuária Valdeni Pereira de Oliveira afirma que a produção de dendê do tipo tenera chegou a pouco mais de 2 toneladas de cachos por hectare em 2019. No Pará, segundo ele, a produção ronda as 20 toneladas por hectare ao ano.

Uma amostragem da empresa Pandeba (Palmeiras de Dendê da Bahia), que produz óleo de palmiste, permite perceber a redução de 49,1% na produção entre 2017 e julho de 2020. O declínio ocorre por causa da ausência de boas práticas para o pé de dendê se desenvolver melhor, além de adubação correta e substituição de palmeiras antigas.

A empresa que detém a maior plantação e produção de dendê na Bahia, a Oldesa, também registrou baixa nos últimos anos. Em 2014, a fazenda produziu 20.118 toneladas de cachos. No ano passado, esse número caiu para 7.777 toneladas. Um dos motivos: a empresa decidiu mudar parte de sua produção para o Pará, onde há incentivos e aposta-se na seleção de material genético, em pesquisa e formação de mudas.

Um dos sócios da Oldesa, Marco Aurélio Carvalho Santos criou no Pará a Vila Nova Agroindustrial. “Apesar de a Bahia ser pioneira, a palma encontrou no Pará condições mais favoráveis”, diz Santos. “Faltam linhas de crédito adequadas a esse plantio, que demora oito anos até se viabilizar.” Diz mais: “Enquanto no Pará se tem redução de 95% do ICMS em todos os derivados da palma, na Bahia são somente 80% sobre o óleo de palma, e os demais derivados são taxados 100%”. Resultado: muito do azeite consumido na Bahia é engarrafado e rotulado como se fosse da Costa do Dendê, mas na verdade é do Pará. “Costumo dizer que a Bahia hoje é a representante de vendas do azeite de dendê do Pará”, afirma Oliveira.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) informou que a baixa produção de dendê se deve a fatores climáticos. Oliveira discorda: “Já fizemos diversos experimentos, as condições são ideais”. A resposta financeira é boa, garante, quando a cultura do dendê recebe o tratamento devido. E a resposta de produção não é longa. Com três anos, quando se dá a primeira colheita, até o final do quarto ano, o dendezeiro pode produzir de 6 a 8 toneladas de cachos por hectare. Do sétimo ao oitavo ano, a planta atinge o ápice e segue produzindo bem, por 25 ou 30 anos.

O problema, segundo Oliveira, tem a ver com o método de cultivo original — o dendê surgiu espontaneamente no solo local e a forma de extração na Bahia teria continuado artesanal.

E olha que falta dendê no Brasil. Em 2011, foram consumidas 500.000 toneladas de óleo por hectare e produziram-se 200.000 toneladas a menos. Países dos quais importamos, como Indonésia e Malásia, explicam a diferença. Para atender o mercado interno, calcula-se ser necessário o plantio de 3 milhões de hectares de palma até o final deste ano.

Cogitou-se que a destinação do dendê para o biodiesel teria ampliado a crise, mas o fato é que, em 2020, pouco foi destinado à Petrobras ou às outras empresas do ramo. Pelo sim, pelo não, o biodiesel tornou-se outra aplicação para o óleo de palma, concorrendo com o setor alimentício.

Depois que a reportagem expôs a crise do dendê no estado, a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural, anunciou que vai destinar ao setor 2,2 milhões de reais. Enquanto o dinheiro não dá frutos, iniciativas de pequenos produtores tentam salvar o “ouro da Bahia”. Um grupo da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia, por exemplo, mantém um projeto de 18.000 reais com o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) para capacitar mulheres produtoras da região. O objetivo é estimular a produção de pão delícia e sequilhos à base de dendê.

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