Revista Exame

É a hora de fazer as reformas

Para Agustín Carstens, diretor do BIS, é preciso que os governos deixem de depender apenas dos bancos centrais para enfrentar a desaceleração da economia

Agustín Carstens, diretor do Banco de Compensações Internacionais (BIS, em inglês): “A eficácia da política monetária tem se tornado mais limitada” |  (Susana Gonzalez/Bloomberg/Getty Images)

Agustín Carstens, diretor do Banco de Compensações Internacionais (BIS, em inglês): “A eficácia da política monetária tem se tornado mais limitada” | (Susana Gonzalez/Bloomberg/Getty Images)

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Filipe Serrano

Publicado em 24 de outubro de 2019 às 05h32.

Última atualização em 24 de outubro de 2019 às 11h38.

Desde a crise de 2008, os bancos centrais têm sido os principais responsáveis por manter a economia girando nos países ricos. Mas agora, com as taxas de juro baixíssimas, ou até negativas, a margem de manobra deles está cada vez menor. Para Agustín Carstens, diretor-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) — uma das mais respeitadas instituições financeiras do mundo, que reúne 60 bancos centrais —, o momento exige que os governos assumam o controle e façam reformas estruturais ou adotem novas medidas de estímulo.

“É a hora de a responsabilidade recair sobre outros instrumentos de política econômica”, diz Carstens, que foi presidente do Banco Central (2010-2017) e ministro da Fazenda do México (2006-2009). Em entrevista por telefone, da sede do BIS, em Basileia, na Suíça, ele falou a EXAME sobre os desafios da desaceleração da economia mundial.

Há uma preocupação crescente com a desaceleração da economia mundial. Como o senhor vê esses temores?

Já no fim de 2018 e começo de 2019, ficou claro que esta é uma desaceleração mais prolongada. Parte disso tem a ver com as consequências da crise financeira de 2008 que não foram totalmente resolvidas. Mas a característica mais importante dos últimos dois anos são as disputas comerciais. Elas têm causado muita distorção. Impactam diretamente alguns países, provocando queda nas exportações.

O volume de comércio está estagnado, e há um impacto indireto nas cadeias de valor globais e nos planos de investimentos. As disputas comerciais provocam muita incerteza, e as empresas têm adiado os investimentos. Isso produz um efeito considerável no crescimento.

O senhor vê risco de recessão global?

O mundo vem caminhando rumo a baixas taxas de crescimento há algum tempo. Eu diria que ainda é muito cedo para prever uma recessão. Mas, conforme o tempo passa e mais resultados negativos aparecem, o risco de uma recessão aumenta. Se houvesse um choque suficientemente grande, a economia global não teria tanta resiliência. Um choque muito negativo, junto de outras fragilidades na economia, poderia gerar uma recessão.

O temor de desaceleração nos países ricos fez os bancos centrais adotar medidas de estímulo que estavam sendo retiradas gradualmente nos últimos anos. Como o senhor avalia a mudança de direção?

Em 2017 havia espaço para uma normalização das políticas monetárias. Mas, como a recuperação se enfraqueceu, a mudança de curso da política monetária se fez necessária. Com isso, alguma acomodação [redução de juros] adicional foi introduzida.

A questão-chave aqui é: os bancos centrais continuam afrouxando suas políticas para sustentar o crescimento econômico, mas a eficácia da política monetária tem se tornado mais limitada. Se olharmos para o futuro, o escopo de ação da política monetária é reduzido.

Por que os países ricos chegaram ao ponto de depender tanto das ações dos bancos centrais?

O regime institucional é tal que os bancos centrais podem agir rapidamente. Eles são ágeis. As demais políticas precisam passar pelos processos legislativos  e seu tempo de resposta é diferente. Mas eu diria que, de alguma maneira, o fato de a política monetária ser tão ágil fez com que algumas autoridades pegassem carona nela.

Agora é a hora de a responsabilidade recair sobre outros instrumentos de política econômica. -Para voltar a ter crescimento forte e sustentável, o trabalho pesado precisa ser feito pela política fiscal e por meio de reformas estruturais.

Que reformas seriam essas?

Depende do país, mas há muitas reformas que poderiam induzir o crescimento. Em alguns países, determinadas reformas poderiam melhorar a eficiência do mercado de trabalho. Outros países poderiam aprimorar os arranjos institucionais para promover mais investimentos. Mas uma reforma estrutural importante seria estabelecer uma política justa e transparente para o comércio mundial.

Se houvesse mais transparência e confiança no regime do comércio mundial, isso ajudaria tremendamente a economia global.

Neste ambiente mundial turbulento, quais são os maiores desafios para os países emergentes, como o Brasil?

Nos últimos anos, os fluxos de capitais tornaram-se mais voláteis. Então é importante que os países emergentes estejam preparados para cenários potenciais de súbita saída de dólares. Podemos dizer que o Brasil, em geral, está muito bem preparado. Possui um grande volume de reservas internacionais, conta com políticas monetária e fiscal prudentes. Além de ter um sistema financeiro bastante saudável. Porém, é preciso ser cuidadoso em relação aos riscos financeiros.

Foi o que ocorreu com a Argentina e com a Turquia, que sofreram com a desvalorização de suas moedas?

Sim. Mas colocaria a Argentina e a Turquia numa categoria diferente. A Turquia e a Argentina têm problemas que não estão presentes no Brasil.

A desaceleração mundial é também uma preocupação para os emergentes?

Certamente. A desaceleração do crescimento nas economias avançadas está afetando os países emergentes. O volume de comércio tem sido reduzido, e os preços de commodities caíram. Isso implica uma pressão adicional sobre as economias. Para mercados emergentes e países em desenvolvimento em geral, seria positivo que as disputas comerciais se dissipassem. n

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