Marianna Jorge de Moraes, da Natura; Paulo Baraúna, da White Martins; Fernando Cunha, da SAP; e Mafoane Odara, da Avon: empresas que se destacam por práticas nos quatro pilares de diversidade analisados pelo Guia EXAME de Diversidade (Montagem de Julio Gomes sobre fotos de Germano Lüders/Exame)
Marina Filippe
Publicado em 28 de março de 2019 às 05h58.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 15h46.
Quando ficou paraplégico depois de ter sido baleado em 2000, aos 19 anos, o paulistano Ricardo Carvalho Silva recebeu do médico o conselho de se aposentar por invalidez, já que, segundo o profissional, o jovem nunca mais conseguiria trabalhar. Mas Silva não desistiu de ter uma carreira. Trabalhou em diferentes setores, formou-se em direito e gestão de recursos humanos e, há 12 anos, foi contratado pelo banco Santander como assistente administrativo. Na instituição financeira, ele participa ativamente de dois grupos de discussão com os quais se identifica, o de negros e o de pessoas com deficiência (PCD), criados para promover a diversidade.
Ao fazer uma radiografia das PCDs ao longo de 2017 e 2018, o Santander descobriu que esses funcionários levam mais tempo do que a média para receber uma promoção — problema que o banco pretende atacar neste ano oferecendo mais oportunidades às pessoas com deficiência. “Ainda há muito a ser feito, mas vejo de perto a evolução”, afirma Silva, que hoje é assistente jurídico no banco.
Silva é um exemplo de funcionário que se engajou nas políticas de diversidade lançadas pelo Santander há dois anos, quando o banco percebeu a necessidade de ter práticas afirmativas e se tornar um reflexo da sociedade. “A diversidade é uma das bases de fomento à inovação e deve alimentar o propósito das empresas”, diz Sergio Rial, presidente do Santander. Promover a inclusão de negros e mulheres tornou-se meta para os 150 principais executivos. Muitas vezes, os profissionais que o banco gostaria de atrair já estavam no radar, mas não havia um acompanhamento próximo para que ocorressem a inclusão e o salto na carreira.
Um exemplo são os 620 jovens aprendizes de 2018, entre os quais 70% eram meninas e 55% negras. “Passamos a pensar em formas de reter esses talentos”, diz Fátima Gouveia, superintendente de recursos humanos e responsável pelas ações de diversidade no Santander. Para a diversidade sexual, as iniciativas começaram em 2018, mas o tema já era abordado de forma natural. Rial, inclusive, demitiu um diretor que fez um comentário homofóbico durante uma reunião. “Não vemos nessa discussão nenhum fundo ideológico, mas humanista e respeitoso”, afirma Rial. “Buscamos criar um ambiente em que cada um possa encontrar e desenvolver a melhor versão de si mesmo.”
Com essas práticas e bons indicadores quantitativos, o Santander desponta como a Empresa do Ano na primeira edição do Guia EXAME de Diversidade. Apesar de serem recentes, as iniciativas estão estruturadas nos quatro pilares de diversidade e equidade — étnico-racial, LGBTI+, mulheres e pessoas com deficiência — analisados por este guia. Trata-se de uma iniciativa em parceria com o Instituto Ethos, que há 20 anos ajuda empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável. “Essa parceria traz para o processo as mais importantes redes de atuação em diversidade nas empresas. O objetivo é fortalecer a agenda da diversidade e da inclusão social no meio empresarial”, diz Caio Magri, presidente do Ethos.
Para elaborar a lista das melhores empresas por setor e por pilar, foi criada uma metodologia própria com base na adaptação de uma série de guias temáticos desenvolvidos pelo Ethos e seus parceiros: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero, Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Movimento Mulher 360 e Rede Empresarial de Inclusão. A avaliação considerou algumas etapas, que são explicadas no quadro da página 22. As melhores empresas são as que mais se aproximaram da equidade e da inclusão nos quatro temas avaliados.
As empresas que promovem a diversidade e a inclusão não o fazem por mero bom-mocismo. Uma pesquisa da consultoria McKinsey, realizada globalmente com 1.000 companhias e divulgada no ano passado, revelou que empresas com diversidade de gênero no time executivo obtêm, em média, lucros 21% maiores do que as demais. Entre as que valorizam a diversidade racial, essa diferença sobe para 33%. “Não é mágica. É uma relação de causa e consequência”, diz Heloísa Callegaro, sócia e líder em diversidade da McKinsey. “Empresas com mais diversidade tomam decisões melhores para públicos mais amplos.”
Não há uma pesquisa similar sobre o Brasil, mas o Guia EXAME de Diversidade mapeou os principais interesses das companhias que atuam no país. Os dados mostram que as empresas começam a ganhar consciência do poder da diversidade em seus negócios. Entre as 109 empresas inscritas, 95% acreditam que a diversidade gere resultados positivos nos negócios. Dessas empresas, 93% citam como benefícios da diversidade a melhoria no clima organizacional, 87% a retenção de talentos, 84% o aumento da produtividade e 58% a melhoria do desenvolvimento de produtos ou serviços. “As empresas sabem que a diversidade trará resultados positivos, mas a maioria delas ainda percebe isso de maneira inicial”, diz Ana Lucia de Melo Custodio, diretora adjunta do Ethos.
No Brasil, as empresas que dão atenção à questão da diversidade se encontram em diferentes graus de maturidade. Nesta primeira edição do guia, nenhuma das 109 inscritas obteve pontuação acima da média nos quatro pilares analisados. Contudo, é possível perceber algumas tendências entre as melhores empresas. O tema em que elas estão mais avançadas é o das mulheres, no que diz respeito à sua presença na força de trabalho e em programas de desenvolvimento de carreira e liderança.
O segundo tema em que as companhias inscritas estão em estágio mais adiantado é o de pessoas com deficiência — a lei prevê, no mínimo, 5% de PCDs em empresas com mais de 1.000 funcionários. Segue-se o de diversidade étnico-racial, em que também há cotas — neste caso, para a admissão de jovens pretos e pardos em universidades. Por fim, há a promoção dos direitos do grupo LGBTI+. Nesse pilar, apenas 15 das 36 empresas destacadas neste guia obtiveram notas acima da média. Esse tema apresenta uma complexidade adicional, já que os funcionários não são obrigados a declarar sua orientação sexual e, portanto, as empresas não têm uma radiografia detalhada desse público.
O que está claro é que as oportunidades são ainda mais restritas para travestis e transexuais, que vivem à margem da sociedade: grande parte deles está na prostituição, segundo estimativas. “O fim da discriminação está na agenda das empresas. O próximo passo é a promoção dos direitos”, diz Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.
A análise das empresas que mais se destacam por promover a diversidade no Brasil revela diferenças significativas entre os setores de atividade. Naqueles conhecidos por ambientes predominantemente masculinos — geralmente fabris —, é menor o número de empresas que se classificaram entre as melhores. Os setores de agronegócio, autoindústria, bens de capital, construção civil, eletroeletrônico, siderurgia e mineração tiveram, cada um, apenas uma representante entre as melhores. Uma delas é a empresa de alimentos Cargill, onde ações afirmativas, como a inclusão de funcionários negros e trans no programa de jovens aprendizes, começam a gerar efeitos positivos, especialmente após a criação do comitê de diversidade em 2016. “Uma pesquisa de clima revelou que 85% dos funcionários sentem que podem ser eles mesmos na Cargill Brasil. Com isso, o engajamento tende a melhorar e os negócios também”, afirma Simone Beier, diretora de recursos humanos da Cargill.
Outro exemplo é a Schneider Electric, do setor eletroeletrônico. Em 2011, com o apoio da então presidente Tania Cosentino, a subsidiária da multinacional francesa criou um grupo para ampliar as oportunidades de carreira para mulheres. O movimento ganhou força em 2014, quando a companhia assumiu compromissos globais junto à ONU Mulheres, braço das Nações Unidas focado na promoção da igualdade de gênero. Estabeleceu a meta de que, até 2020, 30% dos cargos de liderança sejam ocupados por mulheres. Em busca do objetivo, a empresa criou ações para envolver líderes e suas equipes. Em uma delas, adotou a regra de que, em todo processo seletivo, pelo menos uma mulher deve estar entre os candidatos finalistas para qualquer vaga. “Para ser uma empresa disruptiva, precisamos de pessoas diferentes e com ideias distintas”, diz Maristella Iannuzzi, diretora global da experiência digital e responsável pela área de diversidade e inclusão da Schneider Electric.
Entre as companhias que se destacam por suas práticas de diversidade, é possível identificar um caminho em comum. O primeiro passo para a maioria das empresas é realizar a coleta de informações para traçar o retrato social que existe internamente. O próximo passo é envolver os funcionários nos processos e ouvir suas necessidades. Nessa etapa, muitas companhias criam os grupos de afinidade — uma equipe de funcionários, geralmente coordenada por até uma dezena de pessoas, que discutem e compartilham as ações.
Para engajar o maior número possível de funcionários, os grupos costumam ser abertos. “Se não houver membros diferentes e que se respeitem mutuamente, a diversidade perde sentido. Quando se discute a questão de gênero, por exemplo, é necessário ter o auxílio também dos homens”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva da organização Movimento Mulher 360. Quando essas equipes começam a dar resultados, 54% das empresas inscritas realizam um censo interno para análise do perfil e da trajetória dos empregados, obtendo os recortes de diversidade.
Outra ação adotada por muitas empresas é o engajamento da liderança e o treinamento de “vieses inconscientes”. Esses vieses ocorrem quando uma pessoa toma, sem perceber, uma decisão tendenciosa. Por exemplo, quando um gestor contrata um estagiário que estuda na mesma universidade em que ele se formou, por acreditar ser essa a melhor opção. Segundo estudos, os funcionários que percebem esse tipo de preferência ou preconceito de seus superiores têm quase três vezes mais probabilidade de pedir demissão.
A consultoria Gallup estima que o desligamento de funcionários custa cerca de 500 bilhões de dólares por ano às empresas nos Estados Unidos. “As empresas gostam de abordar o tema de vieses inconscientes porque é um modo de tornar o ambiente mais inclusivo sem apontar o dedo para ninguém. Afinal, todo mundo tem vieses e pode trabalhar para diminuí-los”, diz Regina Madalozzo, professora na escola de negócios Insper, de São Paulo.
É um trabalho árduo e contínuo — e sujeito a escorregões. O Grupo Carrefour, que tem cerca de 40.000 empregados no Brasil, aparece neste guia como destaque nos temas de diversidade étnico-racial e mulheres. Ainda assim, a rede varejista se viu envolvida em um episódio ocorrido em outubro de 2018 em uma loja em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Um cliente com deficiência física alegou ter sido vítima de racismo depois de ser agredido por um segurança por ter aberto uma lata de bebida dentro da loja. O Carrefour afastou o segurança. “O funcionário havia passado por treinamentos contra racismo, mas lidamos com muitas pessoas e temos a variável incontrolável dos sentimentos humanos”, diz Karina Chaves, gerente de diversidade do Carrefour. “Entendemos que o melhor a fazer seria desligá-lo e reforçar aos empregados os nossos valores.”
A companhia também já passou por episódios em que precisou ensinar aos funcionários como explicar ao cliente por que uma pessoa trans estava usando um banheiro para determinado gênero. “As empresas precisam preparar os funcionários para lidar com o público sem discriminação. Com a conscientização da sociedade sobre seus direitos, temos um aumento no número de denúncias e a judicialização do tema”, diz Daniel Teixeira, diretor de projetos do Ceert, ONG que atua pela equidade racial e de gênero.
Entre as 109 empresas inscritas no guia, 25 são de médio e três de pequeno porte. Nessas, assim como nas grandes companhias, o tema em estágio mais avançado é o da equidade entre homens e mulheres. No escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe — que teve a melhor avaliação entre as PMEs —, as mulheres são 53% dos sócios. A existência de mulheres nessa posição é uma prática iniciada no escritório na década de 80. Mas ganhou impulso em 2016, quando foi criado um comitê de diversidade, que passou a estabelecer ações como a construção de uma sala para amamentação nos escritórios.
Pequena ou grande empresa, o mapeamento feito nesta primeira edição do Guia EXAME de Diversidade mostra que esse é um assunto incipiente no Brasil e ainda há muito o que avançar. Por sorte, em muitas empresas, a promoção da diversidade tem sido impulsionada por suas matrizes em outros países, que estão mais avançados nessa seara. Nos Estados Unidos, questões de gênero e raça são tratadas há décadas.
Na Europa, há países como a Noruega, onde, desde 2008, é obrigatório que as mulheres ocupem no mínimo 40% das cadeiras do conselho executivo das empresas, medida que está sendo copiada por países vizinhos. “Alguns pilares da diversidade estão mais bem resolvidos em alguns países, enquanto em outros, como o Brasil, ainda há um caminho a ser percorrido”, afirma a economista Sylvia Ann Hewllet, especialista em diversidade e professora na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos (leia a entrevista abaixo). Mas ela ressalta um ponto positivo: “Quando o tema se torna uma preocupação das empresas, os indicadores começam a mudar e os resultados efetivos a aparecer”. A conferir no próximo ano.
ÉTNICO-RACIAL
A definição de metas e a criação de grupos de afinidade ajudam a promover a equidade étnico-racial e o desenvolvimento profissional dos negros | Marina Filippe
Em 2017, a fabricante de gases industriais White Martins passou a oferecer em seu programa de estágio dez vagas exclusivas para jovens negros, além das 40 regulares. A medida faz parte do programa de diversidade étnico-racial, que existe desde 2014. A companhia buscou jovens negros nas mais diversas universidades e eliminou critérios até então imprescindíveis, como o conhecimento de um segundo idioma. “Percebemos que podíamos oferecer isso a eles e ao mesmo tempo ganhar talentos”, diz Cristina Fernandes, diretora de talentos e comunicação da White Martins.
A empresa também promove mentoria para jovens estudantes em vulnerabilidade social. A primeira turma contou com 23 orientados e, antes do término, oito deles já estavam empregados. Mudar a realidade desses jovens é uma iniciativa recente no Brasil. Quando Paulo Baraúna, hoje com 58 anos e diretor de negócios medicinais da companhia, tornou-se o primeiro negro em sua classe de engenharia civil na Universidade Católica de Salvador, em 1980, mal se pensava em iniciativas semelhantes. A exemplo de Baraúna, a maioria dos negros que ingressam hoje na White Martins é o primeiro de sua família a chegar à universidade. “Tive amigos que poderiam ter seguido os estudos se tivessem mais oportunidades”, diz Baraúna. “Agora há novas opções para que esses jovens se desenvolvam e as empresas façam parte de uma nova realidade.”
A diversidade étnico-racial no meio corporativo é afetada por um problema social do Brasil. Os negros — denominação que inclui pretos e pardos — são 54% da população, pelo Censo oficial. Entre eles, 67% recebem até 1,5 salário mínimo por mês. A pobreza gera outros problemas, como a baixa escolaridade e, consequentemente, a dificuldade de entrar ou permanecer nas empresas. “Mais do que contratar, é preciso saber como suprir as necessidades educacionais e sociais para que esse profissional mostre suas competências”, diz Daniel Teixeira, diretor de projetos do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades.
O tema também é tratado há menos tempo do que outros pilares da diversidade. Enquanto a Lei de Cotas para pessoas com deficiência em empresas existe desde 1991, foi só em 2001 que entrou em vigor a cota para pretos e pardos em universidades do Rio de Janeiro. E somente nesta década os negros começaram a conquistar cargos executivos com mais força. “É importante mostrar que eles podem ocupar esse espaço”, afirma Thiago de Souza Amparo, professor de discriminação e diversidade na Fundação Getulio Vargas. O aumento da presença de negros em programas de ingresso nas empresas é um primeiro passo, mas já é possível praticar ações afirmativas também no quadro funcional médio. “Até que os estagiários cheguem a posições de tomada de decisão, será um longo caminho de mudanças, que podem ocorrer no médio prazo se houver diversidade em todos os níveis hierárquicos”, afirma Amparo.
Na rede varejista Carrefour, o grupo de afinidade racial, existente desde 2015, influenciou o estabelecimento da meta de aumento de negros na companhia. A meta varia conforme a área de negócios e é atrelada ao bônus dos executivos. “É um trabalho de conscientização. Não precisamos contratar alguém apenas pela cor de sua pele, mas precisamos encontrar talentos de diferentes identificações étnico-raciais para concorrer às vagas”, afirma Karina Chaves, gerente de diversidade do Carrefour. Quanto mais madura for essa prática, melhor será o resultado financeiro da empresa, como aponta uma pesquisa global da consultoria McKinsey: empresas com equipes executivas que apresentem maior diversidade étnica têm probabilidade 33% maior de superar seus concorrentes em lucratividade.
Em algumas empresas, a diversidade étnico-racial é um tema que passou a ser abordado só depois de atingida a maturidade em outros temas, como gênero. Em 2016, após um mapeamento, a empresa de cosméticos Avon percebeu que os negros tinham baixa representatividade na equipe de vendas. Iniciou, então, um trabalho de atração com a ajuda de uma consultoria, além de ações de engajamento da liderança. Em 2018, 32% das contratações para as posições de gerente e gerente adjunto do setor eram ocupadas por negros — superando a meta inicial de 20%. “A criação de um ambiente plural aumenta a conexão de nossa marca com o público diverso”, diz Mafoane Odara, coordenadora do Instituto Avon. Com metas objetivas, as mudanças acontecem.
LGBTI+
Um jeito de promover a inclusão de funcionários que se identificam como LGBTI+ é ajudá-los a superar os desafios práticos do dia a dia | Marina Filippe
Promover um ambiente sem discriminação para a população LGBTI+ (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transgênero, travestis, transexuais, intersexuais e outros tipos de orientação sexual) é um dos objetivos da empresa de tecnologia SAP Brasil desde 2012. Na época, por ser um tema novo por aqui, a subsidiária começou a seguir as políticas iniciadas na matriz alemã 11 anos antes. Atualmente, 25% dos funcionários no Brasil pertencem ao grupo ou são “aliados”, como são chamados os que vão aos eventos, participam de treinamentos e divulgam as iniciativas em prol do grupo LGBTI+. A ideia é que os empregados que se identificam com a sigla se sintam confortáveis para — se assim desejarem — “sair do armário”. Um exemplo é o especialista em soluções Fernando Cunha, que está há 13 anos na empresa e compartilha seu plano de saúde com seu companheiro. O casal recebeu o apoio da companhia quando adotou uma criança em 2016. “Quanto mais à vontade o funcionário se sente, mais ele se engaja no trabalho”, afirma Niarchos Pombo, diretor de diversidade e inclusão da SAP.
Diferentemente dos outros três pilares abordados nesta publicação, cujos integrantes são identificados no censo demográfico, a diversidade sexual é um desafio para as empresas porque os funcionários não são obrigados a se declarar LGBTI+. No Brasil, estima-se que apenas 35% dos LGBTI+ das empresas se assumem como tais, de acordo com a consultoria holandesa OutNow. Nem por isso, as políticas para esse público devem ser frágeis. Segundo Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, é possível medir indicadores com base nas análises de planos de saúde e pesquisas de clima que não pedem a identificação dos funcionários. “Para promover uma ação efetiva, é preciso entender seu público e lhe dar visibilidade”, diz Bulgarelli. Na SAP, a pesquisa de clima conta com um indicador de diversidade, com questões como: “Me sentir tratado de forma justa independe de gênero, raça e orientação sexual?” Nesse aspecto, a filial brasileira tem uma pontuação +93, numa escala de -100 a +100.
A diversidade sexual também tem pautado campanhas de marketing de produtos e serviços considerando essa comunidade bastante ativa, especialmente nas mídias sociais. Não são raros os casos de polêmicas envolvendo marcas que cometeram deslizes e depois tiveram de mostrar que não tinham intenção homofóbica. Por sua vez, as que apoiam a diversidade são exaltadas. Em uma pesquisa da consultoria Croma, 73% dos LGBTI+ recomendam uma marca que se posiciona a favor da diversidade — entre heterossexuais, esse índice é de 48%. “Uma empresa mais diversa toma melhores decisões e pode atender mais camadas sociais de forma genuína”, diz Heloísa Callegaro, sócia da consultoria McKinsey responsável pela área de diversidade.
A sigla LGBTI+ é complexa. No Facebook, por exemplo, é possível escolher um entre mais de 50 gêneros para o perfil. Alguns são marginalizados na sociedade e nas empresas, como trans e travestis, que no Brasil têm expectativa de vida média de 35 anos — menos da metade do conjunto da população. Das 109 empresas que responderam ao questionário do Guia EXAME de Diversidade, apenas 14% têm iniciativa específica para a contratação de trans e travestis.
Por vezes, a empresa se vê obrigada a iniciar esse processo ao encarar a transição de alguém já contratado, como aconteceu na consultoria Accenture em 2010. “Começamos a enfrentar questões novas, como qual banheiro a pessoa usaria”, diz Beatriz Sairafi, diretora de RH da Accenture. Desde então, treinamentos foram realizados para explicar aos demais funcionários como respeitar a transição do colega e como aceitar que ele use o banheiro do gênero no qual se identifica. Outra medida é a instalação de banheiros “sem gênero” nas 12 localidades em que a empresa atua no Brasil. Hoje, são sete trans e 1.600 funcionários aliados ao tema. “Muitas pautas surgem com a necessidade prática”, diz Beatriz. Outro exemplo aconteceu quando um homem trans engravidou e pôde usufruir da licença parental durante seis meses.
Na empresa química Dow houve um processo semelhante no chão de fábrica em 2018. O grupo de afinidade LGBTI+ prontificou-se a treinar todos os funcionários da fábrica para evitar qualquer discriminação. O grupo de trabalho, criado em 2012, obteve outros resultados, como incluir trans no programa de jovem aprendiz e mudar a identificação nos sistemas e crachás para funcionários que utilizam o nome social em vez do nome de registro. “O tema, especialmente de trans, é recente na agenda das empresas e, de modo geral, tem muito a ser trabalhado”, diz Bulgarelli. Para as empresas que ainda não deram o primeiro passo, nunca é tarde para começar.
MULHERES
As empresas mais antenadas trabalham para combater estereótipos relacionados a gênero e promover a ascensão feminina na carreira | Marina Filippe
Avon, Grupo Boticário e Carrefour são empresas em que as mulheres representam cerca de 60% do quadro. Mas, para estar na linha de frente nas discussões sobre a representatividade de gênero, não basta ter volume. Ciente disso, a fabricante de cosméticos Avon criou, em 2015, a rede pela diversidade, um grupo de funcionários de diferentes áreas que discutem o tema, incluindo como promover a ascensão de mulheres na carreira.
Após um mapeamento da situação, as lideranças identificaram, entre outras questões, a baixa representatividade feminina em cargos operacionais que pareciam reservados ao gênero masculino. Um exemplo ocorreu em São Paulo em 2017, quando várias empregadas manifestaram interesse em se tornar operadoras de empilhadeira. Um treinamento, antes exclusivo dos homens, foi oferecido a um grupo de 40 mulheres, e 12 delas passaram a ocupar a posição. “Precisávamos escutá-las e oferecer capacitação para que conquistassem novos espaços”, diz Ana Costa, vice-presidente jurídica e de relações governamentais da Avon.
A equidade de gênero é o tema sobre diversidade mais debatido nas empresas, especialmente quando impulsionado por matrizes de fora. Entre as 109 empresas que responderam ao questionário do Guia EXAME- de Diversidade, 72% têm indicadores para promover a equidade de gênero e 59% têm metas para reduzir o desequilíbrio entre homens e mulheres em cargos executivos. Ambos os gêneros ocupam proporcionalmente a mesma fatia em cargos de início de carreira, mas, em níveis de vice-presidência, as mulheres representam apenas 20%, segundo uma pesquisa feita pela consultoria McKinsey em 2018. “As empresas estão em processo de convencimento de que a falta de mulheres na liderança é um problema”, diz Regina Madalozzo, professora na escola de negócios Insper.
Nesse aspecto, o Grupo Boticário está um passo à frente da maioria. Entre seus quatro vice-presidentes, há duas mulheres. A estrutura foi formada em 2015, quando a empresa assinou compromissos com a ONU Mulheres — um braço da organização para a valorização feminina — e passou a acompanhar os indicadores para promover a equidade de gênero. Com um orçamento dedicado à diversidade, realizou treinamentos para equiparar homens e mulheres nos programas de admissão e procurou analisar se a saída de funcionários tem relação com o gênero — por exemplo, após a licença-maternidade. Desde então, a empresa aborda a importância da diversidade nos encontros com fornecedores e franqueados. “A maioria das franquias é comandada por mulheres. Então, não basta olharmos da porta para dentro. Precisamos envolver os parceiros”, diz Lia Azevedo, vice-presidente de desenvolvimento humano e organizacional do Boticário.
Uma forma importante de avançar em temas de diversidade é estabelecendo metas. Foi assim que a rede varejista Carrefour conseguiu melhorar internamente a posição das mulheres. Em 2015, ano da criação da rede Carrefour por Elas, um grupo formado inicialmente por líderes, a empresa definiu algumas metas, alcançadas em 2017. Nesse período, a proporção de mulheres diretoras de hipermercados subiu de 12% para 18%; de gerentes de supermercados, de 12,5% para 25%; e de diretoras na matriz, de 21% para 29%. “Percebemos que estávamos perdendo talentos e oportunidades de negócios”, diz Karina Chaves, gerente de diversidade e inclusão do Carrefour. Para obter esses resultados, a empresa adotou medidas como ter pelo menos uma mulher na última etapa de seleção em novas vagas e ampliar a licença-maternidade de 120 para 180 dias — a cada ano, cerca de 1 000 mulheres usufruem o benefício no grupo.
Apesar dos resultados positivos, o esforço deve ser contínuo. “Traçar metas é importante para enxergar o que precisa ser melhorado e o que pode ser corrigido ao longo do tempo”, diz Margareth Goldenberg, gestora da organização Movimento Mulher 360. Para especialistas, um próximo passo é olhar a intersecção entre diferentes recortes de gênero. Exemplo: se hoje a disparidade salarial entre homens e mulheres brancos é de 24%, entre homens brancos e mulheres negras chega a 63%, segundo o Instituto Locomotiva. Ainda há muito trabalho a ser feito.
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Mais do que cumprir uma lei, as empresas com boas práticas para pessoas com deficiência sabem que é preciso ouvir os funcionários | Marina Filippe
Marianna Jorge de Moraes, uma das personagens que aparecem na capa desta edição, é gerente de marcas na Natura, fabricante de cosméticos onde trabalha desde 2007. Ela é uma entre os funcionários que possuem alguma deficiência — física ou intelectual — e representam 6,5% do total. “No primeiro dia de trabalho, fizemos uma roda e me pegaram pelo braço, sem ressalva por eu não ter uma das mãos”, diz Marianna. Atitudes do dia a dia como essa são reflexo de um trabalho das lideranças e da área de recursos humanos na Natura, que há décadas se preocupa com a inclusão de pessoas com deficiência (PCD).
Em 2000, durante a construção da fábrica da empresa em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, especialistas avaliaram as necessidades dos funcionários e projetaram instalações que fossem acessíveis para todos. Já no centro de distribuição em São Paulo as PCDs ocupam hoje 15% dos postos. O local está preparado para receber o dobro disso. Entre os empregados no estado de São Paulo, há 30 que, voluntariamente, aprenderam a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e podem auxiliar pessoas com deficiência na fala e na audição. “Quando se promovem práticas afirmativas contínuas, os funcionários se tornam proativos em seus temas de interesse”, diz Flavio Pesiguelo, vice-presidente de pessoas e cultura da Natura.
A empresa de cosméticos, porém, ainda é uma exceção. Desde 1999, a Lei de Cotas obriga as companhias com mais de 100 empregados a destinar parte das vagas a pessoas com deficiência — no mínimo, de 2% a 5% dos postos, dependendo do quadro total. Embora a lei esteja em vigor há duas décadas, apenas 35% das 109 empresas que responderam ao questionário do Guia EXAME de Diversidade cumprem a cota. As demais pagam multas ao Ministério do Trabalho ou assinaram termos de ajustamento de conduta, ou seja, fizeram um acordo de reparação para evitar a ação judicial. Um dos motivos apontados pelas empresas para não cumprir a cota é a falta de escolaridade dessa parcela da população.
Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 61% dos brasileiros com deficiência e acima de 15 anos não concluíram o ensino fundamental. “As empresas dizem que não há pessoas com deficiência qualificadas para ocupar os postos, como se o problema fosse somente externo. Há também o despreparo do empregador para incluí-las”, diz Ivone Santana, fundadora do Instituto Modo Parités, que atua na inclusão de pessoas com deficiência no mercado, e secretária executiva da Rede Empresarial de Inclusão Social.
Em todo o Brasil, estima-se que haja 441.000 PCDs com carteira assinada, número que tem crescido lentamente. As empresas que avançaram no tema vão além do cumprimento da cota e da criação de um ambiente adequado, que inclui desde rampas de acesso até programas para leituras de telas em caso de deficiência visual. As ações efetivas devem envolver os demais funcionários. A John Deere, fabricante de tratores e equipamentos pesados, cumpre a cota — tem 257 funcionários com deficiência, cerca de 5% de seu efetivo no país.
Mas foi somente em 2017 que a John Deere começou a estruturar um programa específico para a valorização desses profissionais. A empresa criou peças de comunicação e incentivou a inscrição das PCDs nos programas de desenvolvimento. “Percebemos uma falta de autoestima dos funcionários e iniciamos uma conversa para encorajá-los”, diz Wellington Silverio, diretor de RH da John Deere. A meta é que, até 2022, 50% dos beneficiados em programas de bolsa-auxílio educacional sejam pessoas com deficiência. Outro passo foi a contratação de um tradutor da língua de sinais em todas as unidades da companhia.
No banco Santander, o mapeamento da situação também foi importante. Em 2017, a instituição criou um aplicativo para os então 1.800 (hoje são 2.100) funcionários com deficiência. A iniciativa deu oportunidade a eles para que contassem quem são, quais são suas necessidades e a área em que desejavam progredir. O questionário foi preenchido por 53% das PCDs. Além disso, o banco descobriu que as pessoas com deficiência ficam cerca de cinco anos na mesma função, ante à média de três anos dos demais funcionários. Por isso, está estruturando planos de desenvolvimento de carreira para esse público. “Era preciso acompanhar os indicadores para mudar o cenário e promover a inclusão”, diz Fátima Gouveia, superintendente de sustentabilidade do Santander. “Não bastava cumprir a cota. Precisávamos promover o desenvolvimento dessas pessoas.”
Para a economista Sylvia Ann Hewlett, da Universidade Colúmbia, as empresas têm o poder de mudar a sociedade e cabe a elas, independentemente do governo, trabalhar pela inclusão de pessoas | Marina Filippe
Provar que a diversidade deve ser um imperativo no ambiente das empresas é a missão, há mais de uma década, da economista Sylvia Ann Hewlett, especialista no tema e professora na Universidade Colúmbia, em Nova York. Em sua consultoria Center for Talent Inovation, ela mapeia indicadores das companhias e ajuda a promover mudanças para que seja alcançada a equidade de gênero, orientação sexual e étnico-racial. Em suas pesquisas, demonstrou como a presença de mulheres na liderança das empresas contribui para a lucratividade do negócio — e como o preconceito é financeiramente ruim para os empregadores. Em um estudo de 2017, mostrou como os funcionários americanos que percebem preconceitos de seus gestores têm 2,6 vezes mais probabilidade de reter ideias para si mesmo e não compartilhar possíveis soluções dos problemas.
Segundo Sylvia, gênero foi o primeiro tema de diversidade a entrar no foco do mundo corporativo, mas há outros aspectos latentes para que a inovação aconteça. Além disso, as leis de cada país influenciam na maturidade do assunto. E o momento político também contribui para que as empresas assumam o papel de promotoras da equidade social.
A diversidade é moda ou um tema que realmente preocupa as empresas?
Grande parte das empresas na lista das 500 maiores ao redor do mundo está realmente preocupada com a diversidade em seu quadro funcional, especialmente porque há razões econômicas importantes. Por exemplo, as mulheres ganharam poder de compra e, se uma empresa quiser atrair as consumidoras, precisará de mulheres para tomar melhores decisões. Elas terão uma compreensão mais visceral do que os homens em relação a esse mercado. Ter mulheres nos cargos executivos traz grande impacto financeiro e na inovação. Além disso, equipes com indivíduos diversos tendem a ser mais inovadoras e ter ideias diferentes. Ter um padrão entre os executivos não é uma boa ideia em termos de criatividade e, consequentemente, de participação em novos mercados, produtos e serviços.
Essa é uma percepção recente?
Há projetos e pesquisas substanciais que mostram esses bons resultados de empresas americanas nos últimos 15 anos. Fundei uma organização em Nova York porque entendia o interesse das corporações por pesquisas sobre o poder da diversidade e os caminhos para ter vantagens nisso. Temos 90 empresas globais associadas que investem nessas pesquisas. Assim, mapeamos 400 práticas recomendadas para gerar resultados. É um longo caminho a ser percorrido, mas que explica como os executivos estão compreendendo, há mais de uma década, por que investir em diversidade faz sentido.
Há algum grupo de diversidade que se destaca nas práticas das empresas?
Gênero tem sido o foco dessas companhias, mas com diferente grau de maturidade em cada país. É diferente, por exemplo, a percepção sobre o tema em países como Estados Unidos e Alemanha versus Índia e Brasil. Nos Estados Unidos, nos últimos dois anos, há mais urgência em torno da diversidade étnico-racial, especialmente no tratamento de afro-americanos e latinos. Esses grupos estão impulsionando suas políticas e ganhando representatividade. Nesse cenário, empresas progressistas entendem o racismo como uma das grandes dores do povo americano e passam a se importar com formas de enfatizar a inclusão corporativa e, consequentemente, econômica dessas pessoas.
Mas qual o impacto disso?
No ano passado, realizamos um estudo que apontou que 8% dos negros percebem o preconceito no ambiente de trabalho. Há também latinos, asiá-ticos e pessoas com deficiência, cujos índices chegam a 14%. Os números podem não parecer particularmente altos, mas, quando consideramos o impacto do preconceito na dinâmica da carreira, esse viés custa bilhões para as companhias americanas. E ninguém quer perder talentos por causa de preconceito. Latinos e afrodescendentes estão galgando cargos executivos e seus mercados crescem rápido. É papel das empresas — independentemente do governo — incluí-los de fato.
As empresas são responsáveis por melhorias sociais?
As empresas têm o poder de mudar a sociedade. Eu não acho que isso seja filantropia. É apenas o crescimento de novos mercados, a reflexão de para onde estamos indo e de quais inovações precisamos.
LGBTI+ e pessoas com deficiência também encontram respeito e inclusão nas empresas?
Depende de onde a companhia está situada. Nos Estados Unidos, a comunidade LGBTI+ é muito importante e mobilizadora. Ela está nas propagandas e, cada vez mais, há pessoas se identificando como pertencentes a esse grupo. A questão LGBTI+, porém, é complexa globalmente porque há legislações que fazem de alguns países uma zona livre, com apoio a direitos como união de pessoas do mesmo sexo, e outros onde se declarar como LGBTI+ é crime. Porém, nos Estados Unidos, estamos atrás de iniciativas para pessoas com deficiência, enquanto países europeus têm políticas consistentes há muito tempo.
Qual a importância do envolvimento do presidente e de executivos como chefes de diversidade e inclusão?
É um fator crítico e necessário para dar certo. O presidente tem voz na empresa para mobilizar os subordinados nessa jornada. Não se pode abrir mão de sua participação, pois, quando o líder se envolve com a equipe, o impacto é muito maior. A criação de um cargo específico também é muito importante, pois ter uma pessoa 100% do tempo focada dá mais visibilidade e importância ao tema.