Revista Exame

O rúgbi vira diversão de gente grande no Brasil

Como o rúgbi, uma modalidade de nicho por aqui, conseguiu mais patrocinadores do que a seleção brasileira de futebol

Os temíveis All Blacks em ação: o time da Nova Zelândia visita o Brasil para ajudar a popularizar o rúgbi entre nós | Stefano Scaldaferri/AGB PHOTO /

Os temíveis All Blacks em ação: o time da Nova Zelândia visita o Brasil para ajudar a popularizar o rúgbi entre nós | Stefano Scaldaferri/AGB PHOTO /

DR

Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2018 às 05h34.

Última atualização em 18 de novembro de 2018 às 20h19.

Eles intimidam — e é exatamente essa a intenção. Vestidos com uniformes pretos, cara de poucos amigos, os 22 jogadores da seleção neozelandesa de rúgbi, entre titulares e suplentes, organizam-se em três fileiras e, sob um comando de voz, fazem o haka, olhando fixamente para os adversários. A dança de origem maori é usada há um século pela equipe como demonstração de força e integração racial e cultural dos atletas, mesmo de diferentes origens. De tão tradicional, é conhecida por muita gente que nem acompanha o esporte. No dia 10 de novembro, um público esperado de 25.000 pessoas poderá ver, de pertinho, o haka original no Estádio do Morumbi, em São Paulo, quando os All Blacks, apelido do time polinésio, fazem uma partida amistosa contra a seleção brasileira de rúgbi.

O que já é o maior evento do esporte no país vem sendo costurado pela Confederação Brasileira de Rugby (CBRu ou Brasil Rugby) há mais de um ano e faz parte da estratégia de popularizar a modalidade. Embora ainda nichado, o rúgbi nacional é um caso de sucesso e virou modelo de governança esportiva. O orçamento da confederação passa dos 20 milhões de reais anuais e o esporte venceu o fantasma pós-Rio 2016: mesmo depois dos Jogos, quando quase todas as entidades olímpicas perderam orçamento, o rúgbi ficou estável e conta com 12 patrocinadores e sete fornecedores e apoiadores, mais (em números absolutos) do que a seleção brasileira de futebol, com nove patrocinadores e três parceiros. Como isso aconteceu?

Para entender o fenômeno, é preciso voltar no tempo. Mais precisamente para as vésperas de uma partida das eliminatórias para a Copa do Mundo de Rúgbi contra Trinidad e Tobago, em outubro de 2008. Nessa época, o então capitão da seleção brasileira, Fernando Portugal, escreveu um post-desabafo para um site especializado em que dizia que a modalidade precisava de ajuda financeira. “Cada atleta pagava cerca de 700 reais por mês para jogar pela seleção e arcar com as despesas de preparador físico, uniforme, alimentação, logística e viagens”, lembra Portugal.

O empresário Eduardo Mufarej, sócio do fundo de investimento Tarpon e jogador de rúgbi na época da escola, leu o desabafo. Entusiasta do esporte, fez uma contribuição de 500 reais. E recebeu mensagens de agradecimento dos 30 atletas da seleção. “Ele viu que, se com 500 reais todo mundo ficou daquele jeito, é porque o negócio estava feio mesmo”, afirma Portugal. “E decidiu ajudar mais: marcamos uma reunião e daí nasceu a participação efetiva do Mufarej no rúgbi.”

Eduardo Mufarej, sócio do fundo de investimento Tarpon: experiência do mercado financeiro levada para o esporte | Keiny Andrade/Folhapress

A primeira ação foi criar o Grupo de Apoio ao Rugby Brasileiro (Grab) para angariar fundos para as seleções brasileiras (hoje há três: XV masculino, a mais tradicional, com 15 atletas em campo; e Sevens masculino e feminino, modalidades olímpicas, com sete integrantes cada time). Faziam parte do Grab nomes como Werner Grau Neto, da Pinheiro Neto Advogados, Martin Jaco, da BR Properties, Jean-Marc Etlin, da CVC Capital Partners, e o advogado Sami Arap Sobrinho. Depois, o grupo mudou o estatuto da então Associação Brasileira de Rugby e a transformou em confederação. O momento era propício: o esporte acabara de ser incluído na Olimpíada. “Mufarej levou para o rúgbi a experiência que adquiriu no mercado. Organizou a CBRu, fez reuniões, traçou metas, estabeleceu planejamentos, profissionalizou a gestão, contratou pessoas para dirigir os departamentos e, no médio prazo, criou o conselho de administração”, diz Portugal.

Quando foi criada, a Brasil Rugby era deficitária. “O orçamento era de 30.000 reais negativos”, diz Eduardo Mufarej. “O esporte tinha uma boa base de fãs, mas estava muito aquém do que seria ideal. E passava por uma transição de modelo: estava deixando de ser elite e virando mais massificado, jogado principalmente em cidades do interior. Foi olhando para o atleta que iniciamos essa jornada. Ele não era mais um cara da classe A e não podia manter a cultura de que era preciso pagar para jogar pela seleção.” Segundo o executivo, o projeto da CBRu todo foi orientado com base em três pilares: governança, prestação de contas e transparência.

Jogos de seleções brasileiras masculina e feminina: estima-se que o rúgbi já tenha mais de 3 milhões de fãs no Brasil | Jales Valquer/Fotoarena

A gestão profissional começou a atrair patrocinadores. O Bradesco foi um dos primeiros. “Apoiamos e acreditamos no rúgbi já há oito anos”, afirma Márcio Parizotto, diretor de marketing do banco. “A CBRu sempre apresentou um planejamento consistente e bem estruturado, o que faz toda a diferença no momento de decidir por um patrocínio ou não.” O mais recente patrocínio veio da AccorHotels, fechado em 2017. “Somos uma das assinantes do Pacto pelo Esporte e temos como missão contribuir para a construção de um ambiente íntegro entre empresas e entidades esportivas por meio da governança, integridade e transparência no setor. E a CBRu faz parte das entidades esportivas validadas pelo Pacto”, diz Roberta Vernaglia, vice-presidente de marketing da rede hoteleira.

“Em 2013, a confederação já tinha boa governança e orçamento relevante, mas não possuía um CEO para tocar a gestão. Cheguei para isso”, afirma o argentino Agustín Danza, ex-jogador de rúgbi em seu país, que deixou um cargo de executivo da consultoria de gestão Bain & Company. “A CBRu tinha um planejamento de longo prazo, para 2030. Dentro de campo, os resultados ainda não eram expressivos. Minha primeira medida foi traçar uma meta mais tangível: ter resultado com a seleção feminina na Rio 2016 e classificar a masculina para a Copa do Mundo de 2023, que é importante porque é responsável por 25% dos recursos do rúgbi mundial. Trouxe pessoas, mudamos os times, criamos as Academias Top 100 — centros de treinamento que trabalham preparação física, força, nutrição e técnicas individuais dos jogadores — e passamos de três jogos realizados por ano para 11.”

Com 7 milhões de jogadores registrados, o rúgbi é o segundo esporte coletivo do mundo. No Brasil, apesar de o Ibope Repucom apontar que existem 3,2 milhões de fãs da modalidade, o número de praticantes ainda é modesto: são cerca de 60.000. E o rúgbi é semiprofissional: os cerca de 300 clubes são em grande parte amadores, e só os atletas que participam das Academias Top 100 e com potencial para convocações em partidas oficiais recebem salários e benefícios. Mas o esporte está no rumo certo. As academias ampliaram a base de jogadores com potencial para a seleção de 30, em 2014, para mais de 200 hoje. Os resultados em campo começaram a aparecer. De 46o no ranking mundial, estamos em 26o e já vencemos times top 20. Em 2017, a World Rugby, a federação internacional, escolheu o Brasil como um país de prioridade estratégica de investimento.

“Por uma questão de prazo e de busca por resultados, trabalhamos muito na ponta da pirâmide nos últimos anos”, diz Danza. “Tínhamos de demonstrar que poderíamos jogar uma Copa do Mundo. Agora que fizemos isso e ganhamos fôlego, a prioridade é trabalhar com federações e clubes para o fortalecimento da base. Até porque, se nos classificarmos mesmo, as bases têm de estar prontas para absorver o aumento de interesse que vai existir por parte da população.” O jogo contra os All Blacks, com transmissão pela SporTV e pelo Twitter da Brasil Rugby, deve ajudar a consolidar a pavimentação desse caminho. 

Acompanhe tudo sobre:EsportesNova ZelândiaSetor de esportes

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda