Silvia Massruhá, presidente da Embrapa: em seu mandato na estatal, ela pretende aumentar recursos em pesquisa e a capacidade de predição de tendências (Divulgação/Divulgação)
Repórter de Agro
Publicado em 14 de junho de 2023 às 06h00.
Última atualização em 28 de junho de 2023 às 17h08.
Quando o agronegócio ainda não atentava à revolução digital, a pesquisadora Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá estava à frente de seu tempo e começou a dedicar a vida acadêmica à digitalização da agricultura. Mestre em automação pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em computação aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ela está na Embrapa há 33 anos. Destes, 20 são dedicados a modelos de inteligência artificial para diagnósticos de doenças de plantas e como a geração de dados pode contribuir para tornar o agronegócio mais inteligente. Não por acaso, Silvia Massruhá é a nova — e primeira mulher — presidente da Embrapa.
Anteriormente chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Agricultura Digital — antiga Embrapa Informática Agropecuária —, a pesquisadora, natural de Passos, em Minas Gerais, chega à liderança da estatal e defende ampliar os recursos para a pesquisa agropecuária. O orçamento da Embrapa para 2023 é de 3,6 bilhões de reais, e a estatal terá 345 milhões de reais discricionários — para gastar como achar melhor —, um crescimento de 46,5% em relação a 2022.
Em entrevista à EXAME, a presidente da Embrapa já deu sinais sobre a revolução que pretende implementar. Um primeiro passo é melhorar a infraestrutura dos laboratórios nas 43 unidades da estatal pelo país, com mais uso de sensores e softwares mais modernos. Ela defende o reforço orçamentário para a parte digital, pois “a agricultura precisa ser mais preditiva”, a fim de se antecipar a cenários como a crise dos fertilizantes ou fenômenos climáticos. Também projeta a ampliação de acordos com entes privados para que a P&D chegue ao campo. Segundo ela, embora 25% dos projetos da Embrapa aconteçam por meio de parcerias público-privadas, o volume de recursos oriundo delas fica entre 5% e 10%. “Hoje já somos reconhecidos internacionalmente pela pesquisa, daí a importância da parceria público-privada para que ela chegue ao mercado, assim como acontece nos Estados Unidos”, diz.
Silvia, você inicia sua gestão à frente da Embrapa no mesmo ano em que a empresa completa 50 anos. Qual futuro você vislumbra?
Temos trabalhado nos pilares de revolução digital e sustentabilidade. Até pouco tempo atrás não tínhamos dados no agro. Agora temos imagens de satélite, mapas de clima, e você consegue tomar decisões que antes não poderia. Agora, nosso desafio é entender qual será o perfil da agricultura do futuro, como pensar em sustentabilidade, comportamento de consumo e até no turismo rural. Outro desafio é a questão da transição nutricional, com novos modelos de dieta e o interesse crescente nas proteínas de base vegetal. Temos de pensar o alimento nessa ótica, incluindo a transição energética. Com base nos dados, é possível a prospecção de genes resistentes ao estresse hídrico. O digital permite o rápido sequenciamento de DNA, o que está proporcionando essa revolução, na pesquisa e no campo.
Para além do aumento de produtividade, aonde se quer chegar com tantos dados?
A agricultura precisa ser mais preditiva. Para isso, é preciso usar dados e modelos. Por exemplo, numa crise de fertilizantes, é preciso ser preditivo sobre qual decisão tomar. Neste ano, a cada 1 real investido na Embrapa houve um retorno social de 34,70 reais, maior número da história. Isso porque, com a crise dos fertilizantes, as tecnologias da Embrapa sobre fixação de nitrogênio no solo foram mais aderidas. Os produtores precisaram de solução no meio de uma crise, e a Embrapa já tinha ciência para isso. A chave é como fazer um trabalho mais preditivo, com mais inteligência mesmo. Hoje já somos reconhecidos internacionalmente pela pesquisa, daí a importância da parceria público-privada para que ela chegue ao mercado.
Você inicia a sua gestão na Embrapa lançando a primeira calculadora de pegada de carbono na soja em clima tropical. Qual é a relevância disso para a pesquisa brasileira?
É a primeira — e com respaldo científico, revisão e publicação internacionais. Existe esse questionamento sobre a agropecuária brasileira não ser sustentável. Mas somos. Onde no mundo se tem duas safras? Sistema consorciado, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio são práticas que adotamos há muitos anos, mas não tínhamos mostrado com indicadores oficiais e com base científica. Hoje, é possível fazer análise de cenários futuros. Há 20 anos se dizia que isso demoraria muito tempo para virar realidade. A gente [da Embrapa Digital] insistiu e mostrou que os dados são importantes até mesmo no momento de subsidiar políticas públicas. Então, se a Embrapa não tivesse visto isso lá trás, hoje estaria fora desse mercado. Internet das coisas, blockchain e inteligência artificial são para dar transparência ao processo de produção. Por exemplo, essa ideia [da nova calculadora] nasceu há três anos, a convite da Bayer, para discutir essa mensuração da pegada de carbono com base em dados. A Embrapa, sendo uma empresa de pesquisa pública, traz a neutralidade necessária. Estamos começando com soja e milho, mas queremos chegar a mais culturas, criando escala e atestando a metodologia.
O Brasil já possui outros projetos piloto de fixação e cálculo de carbono no solo. O que falta para criar essa escala desejada?
A pesquisa tem a parte de teoria e experimentação. Nos experimentos é preciso base científica de acordo com o calendário de safra, fazendo histórico ano a ano. Daí a importância de digitalizar a agricultura, porque ela dá essa série histórica, permite comparativos com mais agilidade. A calculadora para a soja foi adaptada no ano passado, então foi um processo rápido, incluindo a validação dos pares internacionais. A Embrapa participa da pesquisa, mas não tem papel go-to-market, então precisa de parceiros para levar isso a campo, inclusive pensando projetos estruturantes para os pequenos e médios produtores. Temos conversado com o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário sobre como utilizar esses pacotes tecnológicos da Embrapa para otimizar a relação entre pesquisa, campo e produção de alimentos. De 3.600 tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, 50% são voltadas para a agricultura familiar. Desde os anos 1970 temos esse importante papel de reduzir a fome, e com a inteligência de dados é possível fazer mais.