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Devagar e sempre: o jeito argentino de chegar ao topo

O Mercado Livre tornou-se a empresa mais valiosa da América Latina olhando para o longo prazo, segundo Hernan Kazah, um dos fundadores

O argentino Hernan Kazah, hoje sócio da empresa de capital de risco Kaszek Ventures: “É preciso criar valor” (Divul/Divulgação)

O argentino Hernan Kazah, hoje sócio da empresa de capital de risco Kaszek Ventures: “É preciso criar valor” (Divul/Divulgação)

TL

Thiago Lavado

Publicado em 27 de agosto de 2020 às 05h56.

Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 11h16.

Há alguns anos era impensável que uma empresa de comércio eletrônico — ainda mais nascida em um país em crise, como a Argentina — pudesse superar gigantes como Petrobras, Vale e PDVSA e virar a companhia mais valiosa da América Latina. Mas foi o que aconteceu. Avaliado em 60 bilhões de dólares, o Mercado Livre tornou-se no início de agosto a empresa com o maior valor de mercado da região, 20 anos após a primeira captação de fundos. O argentino Hernan Kazah ajudou a fundar e a traçar a estratégia da companhia onde atuou por 12 anos. No início de setembro, ele participa do Fórum Liberdade e Democracia, cujo tema é pioneirismo. Hoje, Kazah é sócio da Kaszek Ventures, maior empresa de capital de risco da América Latina e, nesta entrevista, fala sobre a estratégia de sucesso do Mercado Livre — olhar para o longo prazo e apostar em tecnologia.

O Mercado Livre é hoje a empresa mais valiosa da América Latina. Nos Estados Unidos, as empresas mais valiosas também são de tecnologia. Você anteviu esse movimento?

Percebemos a grande oportunidade que havia no mundo da tecnologia, em particular com a internet. Eu estudava em Stanford, onde todo mundo falava em plano de negócios e na próxima grande companhia. Era evidente que grandes empresas emergiriam desse processo e que, sem dúvida, muitas surgiriam no Vale do Silício e em outras partes dos Estados Unidos. Também acreditávamos que era uma oportunidade global e que essa onda chegaria à América Latina. A penetração da internet era ainda muito baixa na época, com uma velocidade ridiculamente lenta, mas o processo aconteceria.

E aconteceu como foi imaginado?

A companhia acabou sendo muito maior do que imaginávamos no melhor dos cenários. Em 2000, fizemos uma rodada de 45 milhões de dólares, o que era algo maluco, porque pegamos esse dinheiro sem ainda gerar receita. Nossos concorrentes haviam captado mais do que nós, mas eles investiram muito rápido, num momento em que a penetração da internet na região era de 2% a 3%. Tomamos um caminho mais conservador em comparação a eles. Nossa estratégia era mais lógica, de longo prazo.

Essa visão de longo prazo é o que procura nas empresas em que investe hoje com a Kaszek Ventures?

Sem dúvida. A filosofia continua sendo a mesma, de longo prazo. Criar valor, e não capturar valor. Buscamos empresas que geram valor por meio da tecnologia porque acreditamos que essa seja a única maneira de criar valor no longo prazo, sustentável e defensável.

O que mudou nesse mercado desde seus tempos de Mercado Livre?

Três coisas mudaram. A primeira é que hoje temos usuários. Quando iniciamos, parte da motivação para ir devagar é que não fazia sentido ir rápido: era preciso esperar o desenvolvimento do mercado. Hoje há massa crítica em quase todos os mercados da América Latina — no Brasil, sem dúvida. A segunda é que, antes, o uso da internet era no computador, enquanto hoje é no celular. A conexão com o usuá-rio era de 4 a 8 horas por dia. Agora, são 24 horas por dia. O terceiro ponto é que hoje no mercado há histórias de sucesso e um ecossistema mais rico. É mais fácil para o empreendedor conseguir capital e alguém que acredite nele. No Mercado Livre, aproveitamos a janela da bolha [da internet], mas depois o mercado sumiu. Da metade do ano 2000 a 2006, a possibilidade de uma companhia obter financiamento era quase zero.

Como a pandemia de covid-19 impactou os investimentos?

Nossa visão é que aquilo que ia acontecer em 2030 ou 2035 não mudou. O que mudou foi a velocidade. Alguns setores que eram muito mais conservadores, como educação e saúde. Todos acreditavam que uma mudança ocorreria, que o futuro seria muito digital. Mas a realidade era que isso não acontecia. De um dia para o outro, escolas e universidades tiveram de ir para o remoto e viram que funciona. Na saúde é a mesma coisa. Falamos de telemedicina há dez anos e os médicos diziam que não era possível. Hoje todos estão fazendo isso.

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