Revista Exame

CSA com o pé na lama

A construção da siderúrgica CSA, no Rio de Janeiro, começou a dar errado já na escolha do terreno, um manguezal na zona oeste da cidade. Hoje, a empresa está à venda

Siderúrgica CSA, no Rio: escolhas erradas e a crise econômica nos países ricos minaram o projeto alemão (Germano Lüders/EXAME.com)

Siderúrgica CSA, no Rio: escolhas erradas e a crise econômica nos países ricos minaram o projeto alemão (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de agosto de 2012 às 09h41.

São Paulo - Uma área de manguezal tem diversas finalidades econômicas. A pesca do caranguejo, crustáceo típico desse ecossistema, é a mais famosa delas. O cultivo de plantas ornamentais, a criação de abelhas ou o turismo são outras formas aconselháveis de desfrutar as características únicas de um mangue (tudo de forma sustentável, claro).

Há sete anos, o conglomerado alemão ThyssenKrupp e a mineradora brasileira Vale decidiram que era hora de tratar esse ecossistema de maneira um pouco mais inovadora: escolheram um terreno pantanoso, ao lado de um manguezal, na zona oeste do Rio de Janeiro, para construir a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA).

Se viver é perigoso, inovar é arriscado. E, no caso da CSA, logo se viu que a ideia de levantar uma usina com centenas de milhares de toneladas sobre aquele lamaçal todo não era nada boa. Fazer as fundações foi tão tortuoso que, em determinado momento, um quarto dos bate-estacas disponíveis no país estava sendo usado para estabilizar o solo do mangue carioca. Eis o resumo da história da CSA — a siderúrgica nasceu na lama; em seguida, veio o caos.

A estranha escolha do terreno foi, hoje se sabe, apenas a primeira das trombadas que culminaram na recente decisão da Thyssen de passar o negócio adiante.

A empresa alemã contratou os bancos Goldman Sachs e Morgan Stanley para encontrar um interessado disposto a pagar estimados 2,7 bilhões de euros por sua participação de 73% na empresa (o resto é da Vale, que admitiu que também pode vender sua parte). É um fim melancólico para um projeto que nasceu repleto, em 2005, de atrativos tidos como óbvios na época.

A parceria com a Vale garantiria minério de ferro de qualidade e baixo custo. A construção de uma laminadora do grupo alemão no estado americano do Alabama permitiria transformar as placas brasileiras em chapas de aço para abastecer clientes como montadoras de automóveis, que tinham as vendas em alta naquele momento.

A instalação às margens da baía de Sepetiba eliminaria gargalos logísticos com a construção de um porto para despachar as placas para o Alabama. A operação ainda neutralizaria o protecionismo dos Estados Unidos ao aço acabado brasileiro — as placas sofrem menos taxação do que as chapas. Daria tudo certo, não tivesse dado tudo errado. 

Muito em função do “efeito mangue”, a CSA foi inaugurada com um ano e meio de atraso, no fim de 2010, e custou 70% mais do que o previsto (5,2 bilhões de euros). A usina funciona parcialmente até hoje. E dá prejuízo.


A fábrica carioca e a laminadora do Alabama fecharam o último ano fiscal com mais de 1 bilhão de euros no vermelho (a Thyssen divulga os resultados das duas somados). A CSA vem sendo acionada por 40 fornecedores que dizem não receber desde a fase de construção. Procuradas, Thyssen e Vale não quiseram dar entrevista.

O barato saiu caro

Como uma multinacional que fatura quase 50 bilhões de euros conseguiu errar tanto? Parte da resposta está no fato de que a Thyssen não erguia uma siderúrgica do zero havia seis décadas. Ainda na fase do arranjo societário, a Thyssen deixou claro que pretendia mandar sozinha na CSA.

A ideia original era que os alemães tivessem 70% das ações, mas, no fim, acabaram com 90%. A Thyssen enviou ao Brasil duas dezenas de executivos europeus para tocar o projeto no mangue.

O plano inicial era contratar apenas uma empresa para fazer o pacote completo — da construção civil à instalação dos equipamentos. Quando os orçamentos chegaram, os alemães acharam caro demais e decidiram assumir a administração do canteiro de obras. O primeiro problema apareceu na fase de fundação, em razão da instabilidade do solo.

“A área era como areia movediça e o alicerce custou várias vezes mais que o projetado”, diz um ex-executivo da empresa. Apesar de o próprio grupo Thyssen ter uma fabricante de coquerias (parte da usina que produz coque, o carvão fundido, um dos principais insumos do aço), a Uhde, os alemães decidiram comprar uma coqueria da chinesa Citic. 

A ideia, de novo, era economizar. A coqueria sairia pelo preço desejado se fosse montada por 4 000 chineses, mas o governo brasileiro só permitiu a entrada de 600 deles, desde que seguissem as leis locais, com descanso semanal e hora extra remunerada. No final, a coqueria não só atrasou como deu defeito, e a Uhde foi chamada para consertá-la.

A coqueria só deve operar plenamente a partir de agora. Enquanto isso, a CSA seguiu importando coque. Em 2009, abatida pela crise, a Thyssen ameaçou interromper a construção.

O então presidente da Vale, Roger Agnelli, liberou 2,1 bilhões de reais para manter a obra — e a mineradora, a contragosto, elevou a participação de 10% para 27% na sociedade. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a siderúrgica em 2010.


Quando a CSA finalmente começou a operar, em agosto de 2010, deu origem a um episódio daqueles que poderiam ter sido imaginados por seguidores do realismo mágico latino-americano. O bairro onde fica a usina, Santa Cruz, na zona oeste do Rio, foi coberto várias vezes por uma espessa nuvem de poeira metálica.

Apesar de a poeira não ser tóxica, o incidente provocou medo e manifestações de moradores que repercutiram até no Parlamento alemão. A CSA foi multada em 18,6 milhões de reais e obrigada a investir outros 100 milhões em equipamentos para conter a poluição.

Se cometeu tantas barbeiragens naquilo que estava sob seu controle, diga-se, em defesa da Thyssen, que o mercado também não ajudou. O preço do aço caiu quase à metade depois da crise de 2008 e ainda não se recuperou totalmente. Em 2005, o custo de produção de placas no país era de 232 dólares por tonelada, ante 307 dólares da média mundial.

No ano passado, a relação era de 520 dólares no Brasil, ante 573 no mundo. Houve até espaço para uma tragédia no meio do caminho: o executivo sul-africano Erich Heine, enviado ao país para arrumar o que estava dando errado com a CSA, foi uma das vítimas do voo da Air France que caiu no Atlântico em 2009.

O novo presidente mundial da Thyssen, Heinrich Hiesinger, decidiu que chegou a hora de se livrar da CSA, mesmo que barato. O processo de venda está em sua fase inicial — Morgan Stanley e Goldman Sachs estão pedindo propostas de potenciais interessados, sobretudo na Ásia, continente em que a demanda por aço segue aquecida.

As coreanas Posco e Dongkuk estão entre as mais cotadas. Entre as nacionais, apenas a CSN, de Benjamin Steinbruch, admitiu interesse. Steinbruch está capitalizado, mas há alguns pontos que o atrapalham, como resistências no 

BNDES (credor da CSA que terá de aprovar a venda) e na Vale (ter um sócio autossuficiente em minério, como é o caso da CSN, não faria muito sentido). Para a Thyssen, só um ponto interessa — o ponto final.

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