Marcha em Barcelona: piorou a briga entre Madri e as regiões autônomas (Demotix/Corbis/Latinstock)
Da Redação
Publicado em 11 de outubro de 2012 às 13h35.
São Paulo - Em novembro, os eleitores dos estados americanos de Oregon e Rhode Island irão às urnas para decidir se a legislação local deve ou não permitir a abertura de cassinos. A contar pelo histórico recente, o “sim” tem boas chances de vitória. No ano passado, Massachusetts deu o sinal verde para as casas de apostas.
Em 2009, tinha sido a vez de Ohio, e um ano antes, de Maryland. Por anos, os donos de cassinos tentaram, em vão, mudar as regras nessas regiões com base na defesa do livre-arbítrio. Quando os estados americanos começaram a sentir os efeitos nefastos da crise econômica, a argumentação ficou, digamos, mais palatável.
Em tempos de arrecadação em baixa e custos em alta, as empresas de apostas se transformam em preciosas fontes de receita — muito mais tolerável que o aumento de impostos e a eliminação de serviços básicos. Jerry Brown, governador da Califórnia, a nona maior economia do mundo caso fosse um país, é um dos que têm tentado um caminho diferente.
Em novembro, os eleitores do estado vão votar uma nova rodada de elevação de impostos. Mas, se a proposta for vetada, Brown já declarou que vai autorizar as escolas a reduzir o ano letivo de 175 para 160 dias.
A expansão econômica que antecedeu a crise de 2008 habituou os governos regionais a receitas crescentes — e a uma falsa sensação de segurança que os fez gastar mais e mais. Na maioria dos estados hoje em apuros, ninguém dava a menor importância para políticas anticíclicas, segundo as quais é importante guardar nos tempos bons para gastar quando a situação aperta.
Veio a recessão e acertou em cheio algumas das maiores fontes de tributação: os imóveis e a circulação de bens. A arrecadação parou de aumentar justamente quando o esfriamento da economia exigiu dos estados gastos extras em estímulos.
Nos Estados Unidos, as despesas regionais cresceram 8% desde 2007, mas a coleta de impostos só voltou ao patamar pré-crise no ano passado — o descasamento só não foi pior por causa dos repasses do governo federal.
“O aperto é tão grande que os estados estão enxugando o orçamento em áreas críticas para o crescimento, como a educação”, diz Donald Boyd, diretor da força-tarefa da crise de orçamento estadual, uma iniciativa de Paul Volcker, ex-presidente do banco central americano.
Com diferentes graus de gravidade, a situação das finanças de estados e municípios é um tema que anda tirando o sono de governos — e mercados — também na Europa e na Ásia. Há um ano, 30% dos mais de 300 governos regionais avaliados pela agência de risco Standard & Poor’s em 29 países tinham nota de crédito abaixo de A, que representa maior risco de calote.
Hoje, já são 50%. A maior onda de rebaixamentos aconteceu na Espanha, onde todos os 14 estados e municípios avaliados tiveram a nota reduzida. Com a autonomia conquistada após o retorno da democracia no final da década de 70, as regiões espanholas passaram a ter o direito de gerir os próprios sistemas de educação e saúde, além de estabelecer quanto gastar.
Como a arrecadação dos impostos continuou nas mãos do poder central, os governos locais decidiram emitir dívida para aumentar o orçamento. O que começou assim resultou, três décadas depois, em descontrole total nas contas.
“O entusiasmo com a descentralização foi diminuindo à medida que estados e municípios começaram a ter problemas com indisciplina fiscal”, afirma Jonathan Rodden, professor de ciência política da Universidade Stanford. No ano passado, quase todas as regiões espanholas ultrapassaram o limite de déficit estabelecido pelo governo central.
O mais provável é que isso se repita neste ano, impedindo o próprio país de cumprir sua meta. Diante desse quadro, aumentam as conversas sobre a necessidade de concentrar o poder em Madri, uma ideia que já despertou protestos em várias partes do país.
“Uma recentralização fiscal está vinculada a uma recentralização política, o que é uma missão impossível não só na Espanha”, diz o economista brasileiro Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial.
Dívida asiática
Quando o assunto é descontrole fiscal, até a China tem seus problemas. Em 2008, as províncias chinesas foram responsáveis por colocar de pé o pacote de estímulo de quase 600 bilhões de dólares. Por meio de empresas públicas, os governos se endividaram, dando terrenos e outras propriedades como garantia.
Estima-se que dívidas nessa situação cheguem a 1,7 bilhão de dólares, o equivalente a um quarto do PIB chinês. Com o preço dos imóveis em queda, a capacidade das províncias de honrar seus compromissos começou a ser questionada.
“Já vemos províncias tomando novos empréstimos para rolar os antigos, em vez de usá-los para investir, o que ameaça o crescimento”, diz Patrick Chovanec, professor de economia da Universidade de Tsinghua.
No livro Oito Séculos de Delírios Financeiros, Kenneth Rogoff, professor de economia na Universidade Harvard, e Carmen Reinhart, professora de economia da Universidade de Maryland, fazem uma extensa análise das principais crises financeiras mundiais. A conclusão é que políticos sempre ficam cegamente otimistas em tempos de alta liquidez. Acreditam que “desta vez será diferente”. Como vários governos locais estão vendo agora, nunca é.