Vista dos vinhedos e instalações da Bodega Garzón (Bodegas Garzón/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2019 às 05h13.
Última atualização em 27 de junho de 2019 às 16h19.
As notas são perceptíveis em toda parte da Bodega Garzón. Não as notas sensoriais de que se ouve falar nas degustações de vinho e que ajudam a explicar por que o Balasto, por exemplo, um dos tintos mais conhecidos da vinícola uruguaia, é vendido no Brasil por 1.100 reais, enquanto o Garzón Reserva Tannat custa 110. É de notas de dinheiro que falamos. Pilhas delas. Que foram despendidas sem a menor parcimônia para fazer da vinícola uma das melhores do mundo.
Fincada nas encostas de Pueblo Garzón, a 75 quilômetros de Punta del Este, a Garzón começou a brotar em 2007, quando a região era tão associada a vinhos quanto Salvador é vinculada aos esportes de neve. Um cenário bem diferente do atual. Cercada por vinhedos que se espalham por 240 hectares, o equivalente a um Parque do Ibirapuera e meio, foi eleita pela prestigiosa revista Wine Enthusiast a vinícola de 2018 do Novo Mundo. Pertence a Alejandro Bulgheroni, o homem mais rico da Argentina, que já enterrou nela 250 milhões de dólares.
A meta de Bulgheroni é fazer de Pueblo Garzón não só uma respeitável região viticultora mas também um sofisticado polo turístico. “Um de meus objetivos é garantir que Punta del Este e seus arredores deixem de ser só um destino sazonal”, disse ele a EXAME VIP. É por isso que a vinícola é ladeada por um campo de golfe com 18 buracos e a chancela da PGA Tours, associação profissional do esporte nos Estados Unidos, e terá uma pousada de luxo em meio aos vinhedos e outra, com direito a spa, em José Ignácio, o requintado balneário vizinho — a inauguração de ambas está prevista para daqui a dois anos. As futuras instalações são voltadas para os turistas normais e também para os associados do chamado Garzón Club, que terão vantagens como vinhos e tarifas mais em conta. Os títulos deverão ser vendidos a partir do fim do ano; valores e condições não foram divulgados. Por ora, o bilionário nascido há 76 anos em Rufino, a 500 quilômetros de Buenos Aires, está atrás de nomes para compor o quadro de fundadores da agremiação, que terá no máximo 30 membros e poderá ser considerada a mais seleta confraria de vinhos de que se tem notícia.
Pré-requisitos para entrar no clube? Pagar uma taxa inicial de 200.000 dólares, além de outras despesas recorrentes, não divulgadas, ter grande interesse por taninos e companhia e fazer parte do círculo de Bulgheroni, de quem partem os convites. Dizer que é uma confraria restrita a bilionários, portanto, não chega a ser um exagero. Tirando o dono da vinícola, não se divulga nada sobre os demais participantes. Um dos fundadores do banco Nubank, o colombiano David Vélez, conheceu as instalações exclusivas dos fundadores no mesmo dia que a reportagem.
Uma adega recheada com os vinhos de Bulgheroni, outras para os fundadores acomodarem suas preciosidades e salas de degustação cinematográficas, além de espaços para jantares e eventos, compõem a área exclusiva. A principal atração parece ser a possibilidade de produzir os próprios vinhos sem nenhuma dor de cabeça em qualquer uma das vinícolas do magnata — as outras ficam na Argentina (Mendoza), na Austrália (Barossa), nos Estados Unidos (Napa Valley), na França (Bordeaux) e na Itália (Toscana). “Não existe nada parecido com isso”, diz o chileno Christian Wylie, presidente da Bodega Garzón. A sofisticação impressa em cada detalhe da vinícola, como os espelhos-d’água que magnetizam os olhares na entrada ou os 20 tanques ovais de cimento para fermentação, trazidos de navio da Itália por 50.000 euros cada um, leva a crer que Bulgheroni jamais verá a cor do dinheiro investido novamente. Ou que, na hora de se aventurar no mundo dos vinhos, conceitos como break even nem sequer passaram pela cabeça do empresário, cuja fortuna, de 3,2 bilhões de dólares, se deve aos negócios da família no ramo do petróleo.
Bulgheroni conversou com EXAME VIP no restaurante El Garzón, no centro de Pueblo Garzón, comandado pelo renomado chef argentino Francis Mallmann. Era uma festa em homenagem ao fim da colheita das uvas, para 300 pessoas, na maioria pagantes. Começou com um passeio pelos vinhedos e terminou com um churrasco capitaneado por Mallmann, responsável também pelo restaurante da vinícola. “Tenho como princípio que tudo que faço precisa ter um fim econômico. Porque é isso que garante a sustentabilidade no longo prazo”, disse Bulgheroni, que vestia jeans escuro e camisa de linho com listras. “Investir em vinhos não é muito diferente de investir em petróleo: o retorno é demorado. Mas em dois, três anos o caixa da Garzón já deve entrar no azul.”
E pensar que tudo nasceu do vago interesse de Bulgheroni em achar um uso para suas terras na região, do tamanho de 25 Parques do Ibirapuera, que abrigam sua casa de veraneio. A ideia inicial era plantar ali um parque eólico, igual ao que ele inaugurara antes no município de Rocha, a 100 quilômetros. Dizem que o projeto só foi abortado porque Bettina, a segunda mulher do empresário, não admitiu a hipótese de ter o horizonte de sua casa de veraneio maculado pelas gigantescas pás em movimento.
Por sugestão de Carlos Pulenta, um dos grandes viticultores argentinos, encomendou-se então ao festejado enólogo italiano Alberto Antonini um estudo para saber se a região escondia um terroir palatável. Entusiasmado, ele propôs ao bilionário: “Podemos plantar 4,5 hectares, esperamos uns seis anos para ver como sai o vinho e daí podemos começar”. Ao que o argentino, então com 63 anos, respondeu: “Quantos anos imagina que ainda tenho? Não posso esperar 20 anos. Se você acha que dá para fazer bons vinhos, não se preocupe, que os riscos eu assumo”. E decidiu plantar 40 hectares de uvas por ano, de variedades como tannat, alvarinho, petit verdot e cabernet franc (no Brasil, os vinhos da Garzón são vendidos pela WorldWine, a mesma importadora da vinícola Philippe Pacalet, da Borgonha, e dos champanhes Pierre Moncuit).
“No início, ninguém acreditava no projeto”, disse o bilionário, que também montou uma fábrica de azeites na propriedade. “Depois, quando começou a vingar, passaram a dizer: ‘Deram sorte, foi um ano bom’. Quando a sorte se repetiu pela terceira ou quarta vez, passaram a surgir outras vinícolas na região.” Terminada a entrevista, Bulgheroni agradeceu e se espalhou na festa, aparentemente sem seguranças por perto. Para qualquer desavisado, parecia só mais um aficionado de vinhos.