Motoristas do Uber em São Paulo: carros bons e serviço executivo (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 8 de abril de 2015 às 18h07.
São Francisco -- Amor, esperança, carro, tempo, dinheiro, passado, futuro. Cada língua tem nomes únicos para objetos, ideias e sentimentos universais. “Táxi” é uma das poucas palavras que funcionam em qualquer língua.
Em turco a grafia é taksi. Em japonês, os caracteres são uma representação fonética que, pronunciada, soa como “takushi”. Em português a palavra é paroxítona; em francês, oxítona. Até mesmo na China, quem disser “táxi” em vez de chu zu che provavelmente será entendido, nem que seja só nas grandes metrópoles.
Em Istambul, Tóquio, Paris, São Paulo ou Xangai, com ou sem sotaque, “táxi” significa a mesma coisa: um carro com motorista, pago de acordo com o tempo de uso e o trajeto percorrido. Mas em algumas cidades quem precisa de transporte tem usado uma nova palavra: Uber.
Não é preciso saber pronunciá-la (“úber”) nem conversar com o motorista, a menos que ele faça questão de puxar papo. Chamar o carro, indicar o destino e pagar pela corrida: no Uber, tudo é feito por um aplicativo do celular.
Em menos de cinco anos de operação, a empresa já está presente em 56 países e 300 cidades — quatro no Brasil —, levantou 5,9 bilhões de dólares de investidores de risco e é avaliada em 41 bilhões de dólares, um valor de mercado que supera o da Delta Airlines. Para 1 milhão de passageiros que usam o serviço diariamente, o Uber é o futuro do transporte nas grandes cidades.
Para taxistas e prefeituras mundo afora, porém, o Uber é um serviço ilegal e deve ser combatido. Em várias cidades europeias, motoristas de táxi fizeram protestos contra o lançamento do serviço. O presidente do sindicato dos taxistas de São Paulo, Natalício Bezerra, afirma que o Uber é um serviço clandestino.
Por mais contorcionismos verbais que façam os executivos da empresa, o Uber faz exatamente o mesmo que um táxi. Mas existem diferenças fundamentais no “como”, e são elas que fazem do Uber um negócio diferente, disruptivo e controverso, para dizer o mínimo.
O Uber não tem uma frota de carros próprios nem motoristas contratados. A empresa faz somente a intermediação entre passageiros e motoristas, chamados de parceiros. Eles dirigem veículos próprios, que precisam ser relativamente novos e de certos modelos.
Alguns já trabalhavam como motoristas executivos e agora também pegam corridas do serviço Uber Black, que oferece carros luxuosos (o único disponível no Brasil, por enquanto). No serviço Uber X, que oferece carros mais simples e tem preços competitivos com o do táxi, os motoristas costumam ser pessoas que usam a plataforma para complementar sua renda trabalhando apenas algumas horas por semana.
Depois de cadastrados, os motoristas recebem um treinamento que dura algumas horas e estão prontos para aceitar corridas. Tudo gira em torno do smartphone. O passageiro abre o aplicativo e requisita um carro. Com a localização do GPS, o Uber aciona o motorista mais próximo, que também está usando um programa em seu smartphone.
As informações do cartão de crédito do passageiro já estão armazenadas no software, e a cobrança é feita automaticamente. Do valor da corrida, 80% ficam com o motorista; e os outros 20%, com o Uber.
A empresa não revela seus dados de faturamento, mas anunciou ter repassado 650 milhões de dólares aos motoristas parceiros nos últimos três meses do ano passado, o que corresponderia a uma receita de 162,5 milhões de dólares nesse período. O número de cidades em que a empresa opera triplicou nos últimos 12 meses, e em Nova York o número de carros do Uber acaba de superar o de táxis.
Com um crescimento tão acelerado, não é exagero imaginar que a receita supere 1 bilhão de dólares em 2015. “Com carros sem motorista (como o do Google) e empresas como o Uber aperfeiçoando o casamento entre consumidores e frotas, com certeza dá para imaginar um dia daqui a dez ou 15 anos em que a ideia de um táxi será dramaticamente diferente”, diz Scott Anthony, sócio-diretor da Innosight, consultoria especializada em inovação, fundada por Clayton Christensen, um dos grandes oráculos das tecnologias de ruptura.
Hoje, o Uber está instalado em um escritório moderno, que ocupa um andar inteiro de um prédio na Market Street, uma das principais vias de São Francisco. Os sinais típicos de uma startup de sucesso estão por toda parte: espaços para reunião sem portas nem paredes e mesas em que os funcionários podem erguer o monitor e o teclado para trabalhar em pé — ficar sentado é o “novo fumar”, como dizem no Vale do Silício.
Café, bebidas saudáveis e barras de cereais estão à disposição de todos os funcionários na cozinha. O almoço é servido gratuitamente e uma torneira de chope (a Uber Beer) embala a happy hour. Mas a história do Uber começou do outro lado do Atlântico, numa noite de nevasca em Paris, em 2008 — ou pelo menos é o que diz o mito de sua fundação.
Travis Kalanick acabara de vender uma empresa por 20 milhões de dólares e participava de um evento de tecnologia na cidade. Como não conseguiam encontrar um táxi, Kalanick e um amigo, Garrett Camp (que havia vendido uma startup para o eBay por 75 milhões de dólares), imaginaram um serviço com o qual pudessem chamar um carro com apenas um toque na tela do celular.
De volta à Califórnia, ambos refinaram a ideia, que se tornaria o Uber. O plano inicial era oferecer carros executivos. A questão era convencer os motoristas que já ofereciam esse serviço (em geral, em parceria com hotéis) a adotar o aplicativo. Era o verão de 2010. Aí entram em cena os brasileiros.
Não existem estatísticas oficiais, mas há um contingente considerável de motoristas executivos e taxistas brasileiros em São Francisco. “A maior parte de nossos primeiros motoristas parceiros era de brasileiros”, disse Kalanick a EXAME. Essa rede de contatos da comunidade brasileira foi essencial para a decolagem do Uber — do lado dos motoristas.
Do lado dos passageiros, um impulso importante veio quando a secretaria de transportes de São Francisco implicou com o nome da empresa — UberCab, na época — e com o serviço. A pendenga colocou a empresa na imprensa e no radar dos fundos de capital de risco, marcando assim o início da expansão do Uber nos Estados Unidos e no mundo. Polêmica, controvérsia, brigas: eis a tônica da história da empresa até agora.
Facebook e Google já compraram muitas brigas por causa de suas políticas de privacidade. Empresas como Amazon e Apple já foram processadas por práticas anticompetitivas pelas autoridades de defesa do direito econômico. O Uber testa os limites da legislação que regulamenta os serviços de transporte.
As prefeituras das quatro cidades brasileiras em que a empresa opera — Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília — afirmam que o serviço viola a legislação existente. Para dirigir um táxi em São Paulo, o motorista precisa de uma licença da prefeitura, chamada Condutáxi, e de um alvará para o carro. Em Belo Horizonte, são cinco os documentos necessários.
Para cadastrar motoristas, o Uber faz uma checagem de antecedentes criminais nas esferas federal e estadual e exige uma carteira de motorista com licença para exercer atividade remunerada, mas não há necessidade de cadastro nas prefeituras ou de licenças semelhantes às de um taxista.
“Uma vez que o serviço não é regulamentado e não é licitado, como ocorre com os táxis regulares que circulam em Belo Horizonte, ele é exercido irregularmente. É ilegal”, diz a assessoria de comunicação da BHTrans, responsável pela regulamentação dos transportes públicos na capital mineira.
A posição das outras cidades é parecida. A Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro apresentou uma denúncia contra o serviço à Delegacia de Repressão de Crimes de Informática no ano passado, e o órgão já encaminhou seu parecer ao Ministério Público. Por enquanto, os carros do Uber continuam circulando, sem ser incomodados, pelas quatro cidades brasileiras.
Em sua defesa, o Uber diz que o serviço é legal e que não se enquadra na legislação que regula os serviços de táxi no Brasil. “O Uber não é táxi. O que fazemos é transporte privado de passageiros”, diz Guilherme Telles, responsável pela operação do serviço na cidade de São Paulo.
“Existe, sim, a necessidade de uma regulamentação específica, o que é muito diferente de dizer que o Uber é ilegal.” Na opinião de Telles, a legislação precisa se adequar ao fenômeno emergente da economia do compartilhamento. Ele cita como exemplo o Airbnb, serviço de aluguel de imóveis que também cresce em todo o mundo e bate de frente com o negócio dos hotéis.
Para coordenar esse esforço político, o Uber contratou um nome de peso. David Plouffe, responsável pela campanha que levou Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos, que agora tem o cargo de vice-presidente sênior para políticas e estratégia.
“Um ano atrás, não havia cidade no mundo cuja legislação contemplasse os serviços de compartilhamento de carros”, disse Plouffe a EXAME na principal sala de reuniões da companhia, batizada de War Room (“sala de guerra”), “Hoje, são 26. Vinte e cinco nos Estados Unidos, e Calcutá, na Índia.”
Enquanto a legislação não acomoda esse novo tipo de serviço de transporte, o Uber tem de comprar briga com as autoridades das cidades em que está presente. O maior desafio está na Europa. A empresa já foi contestada em tribunais belgas, franceses, alemães, holandeses e espanhóis.
Diante dessas dificuldades, entrou recentemente com uma reclamação na Comissão Europeia, um órgão executivo do bloco europeu, contra as proibições impostas por França, Alemanha e Espanha. O ponto central dos protestos dos taxistas europeus é que, por não se adequar às leis vigentes, o Uber tem uma vantagem competitiva injusta. A Comissão Europeia prometeu um estudo para analisar a questão e, eventualmente, tomar medidas para regularizar o serviço.
Uma das estratégias de convencimento do Uber é falar dos benefícios que a empresa pode trazer não só para os passageiros mas também para o sistema de transportes e para a própria economia das cidades em que está presente. Plouffe diz que o Uber tem 22 000 motoristas trabalhando em Los Angeles. “Alguma outra empresa faz cair do céu tantos empregos?”, pergunta.
Ele também aponta dados de um estudo realizado em Chicago: 40% dos parceiros da empresa na cidade estavam procurando emprego antes de começar a trabalhar como motoristas. O Uber aponta uma correlação direta entre os chamados de carros e a localização de bares e restaurantes que servem álcool.
As prisões de motoristas embriagados em Chicago diminuíram 10% de 2012 a 2013, e a mesma redução foi observada em Seattle. Segundo Plouffe, o Uber é mais um elemento na rede de transportes e muitas vezes supre lacunas não atendidas pelas cidades. Na Cidade do México, por exemplo, muitas das corridas levam as pessoas de casa até um terminal de ônibus ou a uma estação de metrô.
Do lado dos usuários, a empresa deve estar fazendo algo certo, como mostram 1 milhão de pessoas que chamam um Uber todos os dias. O controle de qualidade é realizado pelos próprios usuários — que não precisam perder tempo tentando reclamar com a prefeitura de um taxista apressado ou de um veículo sujo.
Depois de cada corrida num carro do serviço Uber, o passageiro pode dar uma nota que vai de uma a cinco estrelas. Se a avaliação do motorista ficar abaixo de 4,6, ele receberá um alerta. Se não melhorar sua nota, poderá ser retirado do serviço. A atratividade do Uber também varia de cidade para cidade. Em Manhattan ou na zona sul do Rio de Janeiro, onde é fácil erguer a mão e conseguir um táxi, o apelo é menor do que em cidades como Los Angeles ou São Paulo.
O Uber não divulga números de usuários ou motoristas parceiros em cada cidade. No Brasil, a empresa diz apenas que o tempo médio de espera por um carro é inferior a 5 minutos (mas em São Paulo a espera costuma ser bem maior do que a divulgada pela empresa). “O que me cobram diariamente são os indicadores de satisfação”, diz Telles. Isso vale tanto para os passageiros, que querem andar num carro limpo e novo, quanto para os parceiros, que querem ganhar dinheiro.
Há quem diga que o Uber não cresceu só por causa dos benefícios trazidos para as cidades ou por ser um serviço de boa qualidade. A empresa ganhou notoriedade por dar cotoveladas para tirar os concorrentes do caminho. A Lyft, empresa americana que presta um serviço semelhante, diz que funcionários do Uber chamaram e depois cancelaram mais de 5 000 de seus motoristas, supostamente para tirá-los de circulação.
Um dos altos executivos do Uber disse recentemente que a empresa deveria separar 1 milhão de dólares para descobrir podres de jornalistas críticos. Além de lidar com as autoridades, Plouffe tem o papel de transformar o Uber em uma empresa mais, digamos assim, apresentável.
A Amazon começou vendendo livros e hoje vende de tudo — de produtos a serviços de tecnologia. O Uber tem o potencial de fazer o mesmo com a logística. Uma das grandes inovações da empresa é o preço dinâmico. Em horários de muito movimento, chamar um carro do Uber custa mais caro (às vezes, muito mais caro: o preço já chegou a ficar oito vezes mais alto durante nevascas nos Estados Unidos).
A ideia é estimular os motoristas a ir para a rua. As informações acumuladas nos servidores da companhia — sobre horários de pico, padrões de tráfego e de demanda, e assim por diante — poderiam servir para a empresa oferecer serviços de logística.
O Uber fez uma parceria com a Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, para criar veículos autônomos. Se os taxistas já estão reclamando agora, imagine a gritaria quando o Uber colocar nas ruas um carro que não precisa de motorista. n