Revista Exame

Choque de realidade na Karsten

Por mais de um século, a catarinense Karsten foi administrada como se os anos não tivessem passado e o mercado mudado. Agora, busca o tempo perdido

Reis,da Karsten: o gerente para o Nordeste agora fala "oxente"

Reis,da Karsten: o gerente para o Nordeste agora fala "oxente"

DR

Da Redação

Publicado em 9 de julho de 2012 às 13h53.

Um caminho breve mas tortuoso separa o centro de Blumenau, em Santa Catarina, da sede da Karsten, terceira maior fabricante de produtos de cama, mesa e banho do país. Quase não há placas ao longo do trajeto cheio de curvas de cerca de 20 quilômetros até o bairro de Testo Salto, que mais parece uma bucólica vila européia perdida no sul do país com seus riachos e casas de arquitetura típica.

Ali, há 125 anos, o imigrante alemão Johann Karsten fundou a tecelagem que faturou cerca de 320 milhões de reais em 2007. "Vamos instalar placas para que os visitantes não se percam mais", diz o administrador pernambucano Luciano Eric Reis, de 55 anos de idade, o primeiro executivo de fora da família a ocupar a presidência da Karsten.

A colocação das placas - uma tentativa de fazer com que a tecelagem possa ser encontrada por qualquer um e não apenas por quem conhece bem a região - é simbólica de uma mudança mais ampla pela qual a Karsten vem passando.

Desde que chegou à tecelagem, no final de 2006, para suceder Carlos Odebrecht, bisneto do fundador (e também descendente da família Odebrecht), Reis vem tentando fazer com que a empresa centenária abra o ambiente restrito dessa espécie de colônia e se aproxime dos clientes país afora "A calma daqui não combina com a agressividade que existe lá fora. Tenho de trazer um pouco da atitude de competição para cá", diz ele.

Fluente em alemão - por décadas ele trabalhou em multinacionais com matriz na Alemanha, como a antiga fabricante de eletrônicos Telefunken e a Bosch -, Reis tornou-se uma espécie de intérprete dessa agressividade para o mundo até há pouco tempo fechado da Karsten.

A revisão foi desencadeada por uma crise que fez a companhia registrar o maior prejuízo de sua história: 23 milhões de reais em 2006. A valorização do real acertou em cheio a Karsten, que tirava do mercado externo mais da metade de sua receita. Após uma secular trajetória de sucessão familiar no comando operacional, a família decidiu que era hora de procurar, pela primeira vez, ajuda de fora.


Para auxiliá-los na busca, os controladores contrataram a consultoria Keseberg & Partners. Assim que Reis chegou à empresa, começou a derrubar velhos dogmas que os donos tinham dificuldade de desobedecer. Para isso, ganhou carta-branca da família, que deixou o dia-a-dia da operação e passou para o conselho.

(Três herdeiros deixaram simultaneamente a diretoria executiva - o presidente, Carlos Odebrecht, o diretor comercial, João Karsten Neto, e o diretor de operações, Gil Karsten.) Uma das medidas mais drásticas foi a demissão de 450 funcionários, algo especialmente difícil quando se fala de uma companhia tradicional localizada numa comunidade com aproximadamente 15 000 habitantes.

"A profissionalização vai permitir a perpetuação da empresa face à realidade da competição atual", diz João Karsten Neto, presidente do conselho de administração e neto do fundador, que mora em frente à sede da companhia. Todas as manhãs, João atravessa a rua para dar expediente em sua sala na Karsten.

Reis, que trabalha numa sala localizada no mesmo andar da de João Karsten Neto, raramente é visto no escritório. Além da presidência, ele acumula a diretoria comercial e assumiu pessoalmente uma série de visitas a clientes - o que o obriga a passar metade de seu tempo fora de Blumenau.

"Esse corpo-a-corpo é necessário para que o mercado perceba que a cultura fechada da companhia se abriu", diz. Até aquele momento, nenhum outro presidente ou diretor da empresa jamais tinha visitado os clientes de regiões mais distantes, como as cidades do Nordeste.

No começo do ano passado, Reis acabou com o isolamento da área comercial ao tirar da matriz gerentes que ficavam instalados na sede, distantes dos principais clientes. O executivo que atendia o Nordeste, por exemplo, era catarinense e passava a maior parte do tempo no bucólico bairro de Testo Salto.

"O atual fala ';oxente'; e conhece toda a região", diz Reis. A mudança foi fundamental para a nova fase da companhia, que teve de voltar-se para o mercado interno como muitas de suas concorrentes. Neste ano, o mercado brasileiro deve representar 75% de suas vendas - ante 62% em 2006.


Em fevereiro do ano passado, a área de marketing também saiu da matriz e foi transferida para São Paulo, junto com parte da equipe que cria as coleções. Até então os produtos eram concebidos de forma intuitiva e sua aprovação dependia mais do gosto do presidente do que das tendências de mercado.

"Agora, nenhum produto é lançado sem que o consumidor seja ouvido", diz Reis. Muitas dessas pesquisas são conduzidas pela Leo Burnett, de São Paulo, que substituiu uma pequena agência de propaganda catarinense. A Karsten aumentou a verba destinada à comunicação, de 1,5% para 3,5% do faturamento.

Segundo Reis, uma das tarefas que mais têm tomado seu tempo é levar aos principais clientes a segunda marca da Karsten, a Casa In, lançada em abril de 2007 e com um portfólio de produtos em média 40% mais baratos que a linha principal. Com essa segunda marca, a empresa pretende conquistar a classe C, em franca expansão no Brasil. 

Os primeiros resultados desse esforço começaram a aparecer no ano passado. A Karsten terminou 2007, um dos piores anos para o setor têxtil, com lucro de 11 milhões de reais. Embora modestos, seus números foram muitos melhores que os da concorrência.

A líder Coteminas teve prejuízo de 257 milhões de reais e a Teka, segunda entre as maiores do setor, de 89,7 milhões de reais. Nos últimos 12 meses, as ações da Karsten foram as que mais valorizaram entre as três maiores - 94,13% (as da Coteminas tiveram queda de 52,91% no período, e as da Teka valorizaram apenas 9,72%). "O novo presidente conseguiu entregar bons resultados e isso reflete no humor do investidor", diz o analista Renato Prado, da corretora do banco Fator. E no dos controladores também - que finalmente podem ficar mais tranqüilos. Pelo menos por enquanto.

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