Fábrica da Fiat, em Minas Gerais: o mapa do investimento está mudando. Agora a montadora se prepara para construir uma unidade em Pernambuco (Germando Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
Poucos períodos na história foram tão férteis para o fortalecimento da economia nacional como os últimos 15 anos. Para citar apenas algumas transformações mais visíveis, o Brasil deixou de ser o país que trocava de moeda a cada cinco anos. Viu as taxas de juro caírem para níveis quase aceitáveis, acumulou reservas e ganhou selo de grau de investimento. Reduziu a pobreza, criou uma nova classe média e ampliou a oferta de crédito. Mesmo com percalços no caminho, essas mudanças colaboraram para o surgimento de um mercado doméstico robusto e crescente, ávido por comprar geladeiras, casas, sabonetes, roupas, biscoitos, telefones, automóveis, pacotes de viagens — em uma palavra, consumir. Junto com isso, o Brasil expandiu o fluxo de comércio exterior de 89 bilhões de dólares em 1994 para 347 bilhões atualmente.
A soma de fatores positivos e, mais que isso, a perspectiva de que o crescimento continue estão agora criando as condições para que o país, nos próximos anos, venha a assistir o que pode se tornar uma espécie de “espetáculo do investimento”, parafraseando a expressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O otimismo é sustentado por pesquisas e estudos. Projeções feitas pelo banco Itaú BBA, por exemplo, mostram que o nível de investimento produtivo — destinado à modernização e ampliação de fábricas, minas e fazendas, desenvolvimento de produtos, construção de imóveis e obras de infraestrutura — deve triplicar ao longo da próxima década. A previsão é sair do atual patamar anual de 600 bilhões de reais para 1,8 trilhão em 2020, em valores de 2010.
O fenômeno é diferente do que ocorreu nos anos 70 e 80, quando o investimento produtivo ultrapassou 20% do produto interno bruto, com participação quase exclusiva do governo em grandes obras de infraestrutura. Desta vez, a taxa também deve passar de 20%, mas a maior parte do capital será investida em projetos tocados por companhias privadas e estatais de capital misto, como a Petrobras. “O investimento exclusivamente do Estado será marginal”, diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. As projeções otimistas se baseiam numa combinação promissora de elementos. O já pujante mercado imobiliário, as atividades de exploração de petróleo no pré-sal e todas as encomendas de bens e serviços que irão demandar se somam aos negócios gerados pela realização da Copa do Mundo em 2014 e da Olimpíada em 2016. Além disso, a competitividade das commodities brasileiras e a expansão do mercado interno também deverão puxar a nova onda de investimentos. Se tudo ocorrer como indicam os estudos, a taxa de investimento anual deve passar da média de 16,5% do PIB na década atual para 22% do PIB nos próximos dez anos. É um índice considerado suficiente para sustentar o crescimento da economia em 5% ao ano.
“O Brasil passa por um momento histórico, com muitas oportunidades. E vamos aproveitá-las”, diz Eike Batista, o homem mais rico do Brasil e dono do grupo EBX, com participações em empresas de petróleo, mineração, energia, estaleiros e siderurgia. Eike já anunciou investimentos de 13 bilhões de reais para 2011 e avisa que não vai parar por aí. “O mercado cresce muito. A produção anual de automóveis, por exemplo, vai saltar de 3,5 milhões de unidades para 10 milhões em dez anos. Vivemos uma fase de pleno emprego e vai ser preciso investir para aproveitar esse cenário.” O otimismo de Eike é compartilhado por diversos empresários, tanto brasileiros quanto estrangeiros.
A chinesa Sinopec anunciou investimento de 12 bilhões de reais para comprar 40% das operações da espanhola Repsol no Brasil. Juntas, vão explorar campos na área do pré-sal. A americana General Electric, que já havia anunciado investimentos de 500 milhões de dólares num centro de pesquisa e em suas unidades de energia e de aviação, negociava em dezembro os detalhes para comprar, por 1,3 bilhão de dólares, a empresa de equipamentos para exploração de petróleo Wellstream, cuja principal fábrica fica no Rio de Janeiro (até o fechamento desta edição, o negócio não havia sido finalizado). O que move os negócios e os planos de expansão é a confiança. “O cenário é muito positivo no longo prazo. É preciso cometer um erro muito grave e insistir nele por muito tempo para que o quadro piore significativamente”, diz Fernando Martins, vice-presidente de Óleo e Gás da GE para a América Latina. “Não acredito que isso vá acontecer.”
Novo mapa
Além de colocar a atividade produtiva em outro patamar, os novos investimentos também ajudam a mudar o mapa econômico brasileiro, ainda muito concentrado no Sudeste do país. Em dezembro, foram anunciados dois investimentos importantes junto ao porto de Suape, em Pernambuco. A Fiat, líder no mercado brasileiro de automóveis e que desde a década de 70 produz apenas em Minas Gerais, vai construir uma fábrica com capacidade para produzir 200 000 veículos por ano no local, um investimento de 3 bilhões de reais. (O investimento foi antecipado pelo site EXAME.com em 9 de dezembro e confirmado pela Fiat cinco dias depois.) Lá também, um grupo de empresas formado pela pernambucana Moura Dubeux Engenharia, pela Trasteel, de Luxemburgo, e pela Fábrica, de ex-executivos da Vale e do grupo EBX, anunciou a construção da Companhia Siderúrgica do Suape (CSS), com investimento de 1,5 bilhão de reais. Será a primeira fábrica de aços planos do Nordeste.
A usina deverá contribuir para o aumento da produção de bens duráveis, como automóveis e geladeiras. Atualmente, o consumo de aço plano no Nordeste é de 30 quilos por habitante por ano. A média brasileira é de 140, mas em países como a Coreia do Sul, supera 1 tonelada. “O Brasil precisa chegar a uma média de 200 a 300 quilos per capita para crescer 5% ao ano nos próximos dez anos”, diz Ricardo Antunes, presidente da CSS. “Para nós, a diferença é uma oportunidade.”
Para colocar tantos projetos bilionários em pé será necessário um significativo aumento na capacidade de financiamento do país. O BNDES, que atualmente responde por cerca de 30% dos créditos a empresas, com 146 bilhões de reais desembolsados em 2010, avisou que não pretende elevar o nível de empréstimos. Boa parte dos financiamentos futuros deve vir do exterior e do caixa próprio das empresas. Além disso, em dezembro o governo divulgou um pacote que isenta do imposto de renda algumas aplicações de longo prazo para investidores estrangeiros e para brasileiros na pessoa física. Para as empresas brasileiras, a alíquota cairá de 34% para 15% sobre o lucro. A expectativa do governo é, com os incentivos, injetar 350 bilhões de reais privados na economia. Se a oferta de dinheiro tem uma perspectiva de ampliação, falta atacar uma série de problemas que atrapalham os investimentos, como os nós da infraestrutura. Mas até isso pode ser visto de um ângulo positivo. “No tempo da inflação, ninguém se preocupava com estrada ruim”, diz Cândido Bracher, presidente do Itaú BBA. “No melhor momento da economia em 30 anos, as queixas refletem um país que quer investir e crescer.”