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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h02.
"Os fatos narrados na presente (petição) relatam os mais graves eventos já ocorridos na história do mercado de valores mobiliários brasileiro"
O trecho acima -- carregado de dramaticidade -- foi retirado de uma ação movida pelos administradores dos fundos Previ, BNDESPar e Dynamo, acionistas minoritários da Bombril, contra a empresa italiana Cirio Finanziaria, sua controladora. A ação, motivada pelo que essas empresas consideraram como "um desrespeito aos interesses dos minoritários", teve início em 2001 -- e é apenas um dos capítulos de uma novela corporativa enroladíssima protagonizada pela Bombril, um dos maiores fabricantes de produtos de limpeza do país.
Nos últimos tempos, a situação da empresa vem beirando o surrealismo. O cenário na fábrica e nos escritórios de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, sede da companhia, é de caos e indefinição. Durante praticamente todo o mês de junho, ninguém sabia responder quem era o presidente da Bombril. Embora a própria empresa tenha divulgado em 2 de junho a troca do executivo italiano Gianni Grisendi por Joamir Alves -- que já esteve à frente da Bombril entre novembro de 2000 e junho de 2002 --, Grisendi deu expediente no cargo até o dia 26 de junho, quase um mês após o anúncio de sua saída. Nesse mesmo dia, Alves participava de reuniões na Companhia Energética Santa Elisa, sediada em Sertãozinho, no interior de São Paulo, no posto de diretor-superintendente. (Procurados por EXAME, nem Grisendi nem Alves concordaram em falar.)
A um amigo, Alves teria dito que ficou surpreso ao ler nos jornais a notícia de que assumiria novamente a Bombril. Ele teria sido consultado por Celso Paes de Barros, presidente do conselho de administração da Bombril, mas não havia dado sua resposta na época em que a notícia foi ventilada. Segundo esse amigo, Alves também teria dito que não havia participado da assembléia que o teria eleito, nem assinado a ata em que se registra a assunção ao cargo -- procedimentos obrigatórios em uma empresa de capital aberto.
Durante todo esse período, a informação oficial da empresa era que a troca de executivos já havia ocorrido. Mas a substituição de Grisendi por Alves só aconteceria de fato na sexta-feira, 27 de junho. Nesse dia, os jornais publicaram que a Bombril fechara um contrato com o Trend Bank, instituição financeira com sedes em Londres e presidida pelo brasileiro Adolpho Mello. No contrato, cujo valor não foi revelado, está previsto que o banco assumirá a reestruturação da Bombril, um trabalho que deverá durar um ano e meio. "O objetivo é colocá-la em boas condições de venda", afirma Mello.
Tais mudanças não significam necessariamente o fim do caos na empresa. É possível que venha mais encrenca por aí. "Tecnicamente, nem a substituição de Grisendi por Alves nem o contrato fechado com o Trend Bank são válidos", afirma Antônio Augusto Coelho, advogado de Ronaldo Sampaio Ferreira, um dos três herdeiros de Roberto Sampaio Ferreira, o fundador da Bombril. Ronaldo Ferreira vendeu suas ações ao empresário italiano Sergio Cragnotti, controlador da Cirio italiana, em 1995 -- mas só recebeu parte do dinheiro. Na 12a tentativa de acordo na Justiça, em 2001, Cragnotti reconheceu a dívida e se propôs a pagar 121 milhões de dólares a Ferreira. Na época, caminhavam as negociações de venda da Bombril para a americana Clorox. A operação não foi concretizada, e Ferreira deixou de receber a maior parte do pagamento. Até agora, Cragnotti pagou apenas 5 milhões de dólares -- e o prazo acordado nos tribunais já expirou.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nomeou o administrador de empresas José Paulo de Sousa para fiscalizar tudo o que acontece na Bombril. O objetivo é resguardar o patrimônio de Ferreira, que nessa ocasião conseguiu na Justiça o usufruto das ações da Bombril que pertencem a Cragnotti. Sousa afirma não ter sido comunicado nem da mudança de presidente nem do contrato com o Trend Bank. "Se isso for verdade, a situação vai esquentar", afirmou Sousa a EXAME.
Para entender os motivos que levaram a Bombril ao caos, é necessário voltar um pouco mais no tempo. Em 1997, Cragnotti deu início a uma série de malabarismos financeiros envolvendo a empresa. Em julho daquele ano, determinou que a Bombril comprasse a Cirio, uma de suas empresas na Itália. Na ocasião, a Bombril pagou 380 milhões de dólares à vista para se tornar uma multinacional. Os recursos para a aquisição foram obtidos com o aumento do capital da Bombril na bolsa brasileira. Quem colocou dinheiro, na prática, foram o Previ, o BNDESPar e a Dynamo.
Em dezembro de 1998, Cragnotti fez uma nova operação. Desta vez, a Bombril vendeu a Cirio -- a mesma empresa comprada um ano e meio antes -- para outra companhia de Cragnotti. O negócio saiu pelos mesmos 380 milhões de dólares. Detalhe: a Bombril receberia esse dinheiro a prazo. "Esse capital nunca voltou para a Bombril", diz um representante dos sócios minoritários.
Dessa forma, Cragnotti beneficiou suas empresas no exterior por meio da Bombril, com dinheiro dos investidores que haviam apostado na expansão da empresa brasileira. "Eles não contavam que Cragnotti revendesse a companhia e, principalmente, com uma condição de pagamento que claramente desfavoreceu a Bombril", afirma o analista financeiro de uma corretora de valores. Dois meses mais tarde, Cragnotti vendeu a endividada área de enlatados da Cirio, na Itália, para a Parmalat. A compradora assumiu a dívida da empresa e ainda pagou 188 milhões de dólares à vista para Cragnotti, numa operação que custou à Parmalat 410 milhões de dólares.
Nada disso impediu que o Grupo Cirio fosse à bancarrota na Itália. Recentemente, uma comissão formada por seus bancos credores assumiu a gestão do grupo na tentativa de reestruturá-lo. Os credores -- que já conseguiram na Justiça o afastamento de Cragnotti do comando de suas empresas -- também estão tentando destituí-lo da propriedade das ações. A reestruturação da Cirio italiana tem impacto direto na Bombril. Os interventores da Cirio Finanziaria já anunciaram que pretendem vender a empresa para minimizar as dívidas do grupo .
Durante seis anos, Cragnotti reali zou várias outras operações de empréstimo entre suas empresas. De acordo com o inquérito administrativo já julgado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Bombril emprestou mais de 1,3 bilhão de reais às empresas estrangeiras de Cragnotti entre 1995 e 2001. Em um trecho do inquérito, a relatora da CVM afirma: "... não se justifica o fato de a Bombril ter sido utilizada como um banco que financiava e financia continuamente o grupo controlador ignorando a existência de acionistas minoritários e, ao mesmo tempo, ser obrigada a recorrer a empréstimos de terceiros".
A confusão teve um custo pesado para a Bombril. Os papéis da empresa, listada em bolsa desde 1984, caíram no limbo. "Deixamos de acompanhar a Bombril porque não é mais possível avaliá-la", afirma Ricardo Tadeu Martins, analista de investimentos da Souza Barros, uma das maiores corretoras paulistas. "É um negócio que se tornou caso de Justiça. Ninguém sabe nem quem é seu dono atualmente." Hoje, o lote com 1 000 ações da Bombril é vendido por cerca de 5 reais. Em agosto de 1996, valia o triplo.
Em meio à confusão -- e como era de se esperar --, a saúde da empresa sofreu sucessivos abalos. No ano passado, suas receitas foram 494 milhões de reais, pouco mais de um quarto do faturamento de cinco anos atrás. Nesse período, o lucro caiu de 129 milhões para 25 milhões de reais. Em junho deste ano, houve atraso de cinco dias no pagamento dos funcionários. "É a primeira vez que uma coisa dessas acontece", afirmou a EXAME um empregado que trabalha na empresa há 20 anos. Nos últimos seis meses, as linhas de produção da Bombril pararam em diversas ocasiões por falta de matéria-prima. "Tivemos de suspender o embarque de mercadoria algumas vezes", diz Luiz Alberto Chaves, gerente de marketing da Belgo-Bekaert, do grupo Belgo-Mineira, fabricante de arame de aço, matéria-prima utilizada na produção da lã de aço Bombril, carro-chefe da empresa. A conseqüência das paralisações nas fábricas geraram outro problema grave: o atraso na entrega dos produtos ao varejo. "É uma situação delicada, porque temos de tirar o foco deles e comprar de outros fornecedores", afirma o diretor de operações de uma das maiores redes de supermercados do país.
Abriu-se, assim, espaço para a concorrência. Ela vem principalmente da Assolan, lã de aço lançada em meados dos anos 90 pela antiga Arisco. A marca ficou estagnada em menos de 10% de participação de mercado no período de dois anos em que pertenceu à anglo-holandesa Unilever, que adquiriu todas as operações da Arisco. Desde janeiro de 2002, a Assolan voltou a ser de João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, antigo dono da Arisco, e se tornou a ponta-de-lança de um novo negócio na área de produtos de limpeza. "Nosso projeto é construir em cinco anos uma marca que seja reconhecida pela dona-de-casa brasileira", diz Nelson Mello, presidente da Assolan. Para isso, o grupo de Júnior investiu até agora 86 milhões de reais em publicidade, na expansão da fábrica localizada em Goiânia, na distribuição e no lançamento de uma família de produtos com a marca. Com o investimento intensivo, Mello conseguiu elevar a participação da Assolan de 9,5% para 21% do mercado de um ano e meio para cá, segundo dados do instituto ACNielsen.
Por enquanto, a Bombril permanece na liderança absoluta desse segmento, com 72% do mercado. Seu principal produto é um dos casos raros que conseguiram se transformar em sinônimo de categoria. "É uma empresa extremamente bem posicionada em termos mercadológicos", diz Eugênio Foganholo, da Mixxer, consultoria paulista especializada em varejo. "É triste vê-la em uma situação tão difícil." A opinião é compartilhada por um dos sócios de uma grande rede varejista. "A crise na Bombril também nos afeta, porque seus produtos são muito fortes e o consumidor se ressente quando não os encontra na prateleira", diz ele.
Dono que não manda, ex-dono que quer mandar, acionistas minoritários escanteados, fornecedores, clientes e concorrentes esperam uma solução rápida para os problemas da Bombril. E onde está agora Cragnotti, pivô de toda a história? Aproveitando o verão italiano. Nascido em Roma e conhecido como um gentleman, Cragnotti não aparece há um ano e meio no apartamento da Alameda Casa Branca, na região dos Jardins, em São Paulo, onde residia em suas temporadas no Brasil. "Cragnotti é um sobrevivente", diz o sócio de uma das mais importantes consultorias de estratégia do país. "Ele tem uma criatividade enorme, quase diabólica. A Cirio vai acabar e ele ainda deve conseguir se sair bem."
Colaborou José Roberto Caetano