Revista Exame

Aquisições, sopapos e cerveja

A Femsa negocia a compra da Petrópolis -- um passo vital para enfrentar a poderosa Ambev

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h25.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h40.

Nos dez meses que se seguiram à compra da Kaiser, a estratégia da mexicana Femsa surpreendeu o mercado pela discrição. Nesse período, a companhia gastou suas energias cortando custos, demitindo centenas de funcionários e tentando entender o mercado local de cervejas, amplamente dominado pela Ambev. Em outubro, como que num estalo, a estratégia da Femsa se transformou -- e, desta vez, surpreendeu a t odos pela agressividade.

Em poucas semanas, os mexicanos lançaram a Sol, marca que tem a missão de disputar o mercado com as líderes Skol e Brahma, e voltaram (com estardalhaço) a investir em marketing. Seu passo mais ousado, porém, ainda não havia sido divulgado. Segundo EXAME apurou, a Femsa contratou o banco de investimentos Goldman Sachs para estudar novas aquisições no Brasil -- e o grande objetivo dos mexicanos seria a compra da Petrópolis, dona das marcas Itaipava e Crystal e responsável por 7% do mercado nacional de cervejas. Com a compra, a Femsa, presidida pelo argentino Miguel Peirano, dobraria de tamanho e passaria à segunda posição no mercado local, no lugar da Schincariol. "É quase impossível crescer de forma orgânica na velocidade que queremos no Brasil", diz Paulo Macedo, diretor de relações externas da Femsa no Mercosul. "Portanto, comprar outras empresas faz parte de nossos planos."

A estratégia dos mexicanos
Os principais planos da Femsa para o mercado brasileiro
Criar uma marca forte
Depois dos seguidos fracassos da marca Kaiser, a empresa lançou a Sol para concorrer com Skol e Brahma
Comprar empresas
A companhia precisa de musculatura para enfrentar a Ambev - e seu principal alvo é a Petrópolis
Investir em marketing
Após anos sem grandes campanhas, a empresa investirá 250 milhões de reais no lançamento da Sol
Apostar em produtos rentáveis
A Femsa vai lançar a marca Dos Equis para crescer no mercado superpremium, hoje dominado pela Bohemia

Entre os possíveis alvos do mercado brasileiro de cerveja, a Petrópolis é vista pelos executivos da Femsa como o objetivo ideal. Em boa parte, por causa da força da marca Itaipava, hoje em franca expansão. Impulsionada pelo sucesso da Itaipava, a Petrópolis viu sua participação de mercado sair de 2% para 7% em cerca de dois anos. Enquanto isso, a Schincariol, outra empresa que poderia atrair o interesse da Femsa, ficou estagnada. "Hoje, o grande ativo da Schincariol são suas fábricas", diz um executivo do setor que não quis ser identificado. "Mas não é disso que a Femsa precisa."

As fábricas da Femsa, projetadas numa época em que a Kaiser detinha 18% do mercado local, operam com 50% de sua capacidade de produção ociosa -- índice considerado alto demais e inaceitável pelo quartel-general da empresa mexicana. Ao acoplar à sua linha de produtos uma marca em crescimento, como a Itaipava, a Femsa poderia diminuir a ociosidade das fábricas e tornar sua operação mais rentável. Oficialmente, a empresa nega que esteja negociando especificamente com a Petrópolis. (Procurados, representantes da Petrópolis também negam que a empresa esteja à venda.)

Mas executivos que acompanham de perto as conversas dizem que só falta saber o tamanho do passivo tributário da empresa para que a compra siga adiante. Nos últimos anos, a Petrópolis viu seus problemas com a Justiça e a Receita Federal crescerem na mesma proporção que sua participação de mercado. Esse levantamento ainda está em sua fase inicial e, se o negócio evoluir, só deve ser concluído no próximo ano.

A ânsia por aumentar sua participação no mercado nacional tem dois motivos. O primeiro deles é a necessidade de ganhar escala. Com o aumento de tamanho, a Femsa terá condições de diminuir custos, adquirir musculatura e -- para delírio dos mexicanos -- finalmente incomodar a Ambev. O segundo motivo é a expectativa de que a sul-africana SAB Miller, depois de anos de especulações e tentativas fracassadas, desembarque no Brasil com a compra da Schincariol. Se as fábricas da Schin trariam pouco valor para a Femsa, são as melhores opções disponíveis para quem quer entrar no Brasil -- pois o novo dono já chegaria com 12% das vendas no país e a vice-liderança do setor.


"O Brasil é um mercado muito importante para nós e estamos estudando oportunidades", diz um executivo que trabalha na sede da SAB Miller, em Londres. Nos últimos anos, a empresa vem reforçando sua presença na América Latina e já é líder do mercado colombiano. A SAB, porém, pode não ser a única gigante global que planeja entrar no Brasil nos próximos meses. Recentemente, a americana Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser e líder mundial, também mostrou interesse na aquisição da Schincariol. A Schincariol não se pronuncia sobre o assunto, mas na companhia comenta-se que o novo dono assumirá a cervejaria já no primeiro semestre do próximo ano.

Enquanto se prepara para disputar o segundo lugar com um conglomerado internacional repleto de dinheiro para investir no Brasil, a Femsa já começa a enfrentar as agruras da duríssima competição com a Ambev, dona de 68% das vendas de cerveja no país. Em versões anteriores dessa batalha, os executivos da Kaiser se contentavam em choramingar contra a guerra de preços e acusavam a Ambev de práticas monopolistas e desleais.

Desta vez, a Femsa resolveu mudar de estratégia -- em vez das tradicionais lamentações, a empresa partiu para o ataque. O resultado é que, poucas semanas depois da volta da Femsa ao mercado, essa disputa já chegou, inclusive, às vias de fato. Em outubro, representantes das cervejarias trocaram sopapos em um bar em Moema, zona sul de São Paulo, na tentativa de ter mais espaço para seu material de propaganda. Um funcionário da Femsa registrou boletim de ocorrência para verificar a prática de crime de concorrência desleal. Na mesma semana, a Ambev ofereceu 350 000 reais para que o bar Dona Flor, onde foi lançada a Sol, abandonasse a parceria com a Femsa e voltasse a vender o chope Brahma.

E, dias depois, a Femsa teria pago 3,5 milhões de reais para que um dos maiores distribuidores de chope Brahma no país, o empresário Robério Paiva, passasse a trabalhar exclusivamente com a marca Sol. A Ambev, como era de esperar, não assistiu passivamente à traição: a companhia conseguiu uma liminar impedindo Paiva de vender produtos da Femsa. A disputa, que inclui acusações de ameaça de morte registradas em delegacia por um representante da Ambev contra Paiva, continua nos tribunais.


A guerra travada com a Ambev é uma das conseqüências visíveis da luta por espaço que a cervejaria mexicana vem implementando. A outra é sua agressiva campanha de marketing -- que incluiu o lançamento da marca Sol e a volta do baixinho da Kaiser à televisão. Para impulsionar as vendas, o investimento em propaganda será de 250 milhões de reais anuais. Há, no entanto, movimentos que são tratados com discrição pelos executivos da Femsa. Um deles é o reposicionamento da marca Kaiser, agora situada numa faixa de preço inferior.

O objetivo dos mexicanos é repetir uma estratégia desenvolvida com sucesso pela Ambev. Há anos, a cervejaria brasileira usa a marca Antarctica para abater os concorrentes, deixando o caminho livre para Skol e Brahma dominarem o mercado em faixas de preço mais rentáveis. Com a Femsa, acontecerá a mesma coisa. A Kaiser brigará pelas posições de menor preço, deixando à marca Sol a missão de competir com Skol e Brahma. Os primeiros resultados dessa estratégia foram positivos.

Em uma das maiores redes de supermercados do país, o preço da Kaiser foi reduzido de 89 centavos para 79 centavos, enquanto a Sol era vendida por cerca de 1 real, mesmo preço de Skol e Brahma. As vendas de Kaiser cresceram de 70 000 para 300 000 unidades. A Ambev reagiu e fez promoções, mas declara que não vai entrar em guerra de preços.

Além de eventuais trocas de pancadas em pontos-de-venda, a Ambev pretende contra-atacar num flanco que será aberto pela entrada da Femsa na guerra das cervejas: o mercado nacional de refrigerantes. A empresa mexicana é a principal engarrafadora da Coca-Cola no Brasil, e o objetivo de seus executivos é usar a força de venda e distribuição da Coca para aumentar as vendas de cerveja. No passado, esse foi um dos fatores que levaram a Kaiser a ter 18% do mercado nacional.

A Ambev, que é dona no Brasil das marcas Pepsi, Guaraná e Soda Antarctica e Sukita, vai fazer um esforço de vendas para impedir que essa união de forças planejada pelos mexicanos atinja seus objetivos. "A empresa avaliou que há uma oportunidade no mercado de refrigerantes e vai aproveitá-la", diz Alexandre Loures, porta-voz da Ambev. Traduzindo: a empresa vai baixar preços para criar atritos entre a Coca-Cola e a Femsa. Segundo EXAME apurou, a idéia é fazer com que os mexicanos sejam forçados a voltar sua atenção aos refrigerantes, deixando o mercado de cerveja desguarnecido. "Isso não nos preocupa. O portfólio da Coca-Cola é imbatível e temos como vencer essa disputa", diz Macedo, diretor da Femsa. Na nova guerra das cervejas, vale tudo -- até dedo no olho.

Duelo desigual
A distância que separa a Femsa da Ambev ainda é grande
AmbevFemsa
Participação de mercado68%8%
Marcas no Brasil2512
Faturamento (em reais)16 bilhões3 bilhões
Investimento em marketing (em reais)450 milhões250 milhões
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