Oliveira Andrade, da Hyundai: estratégia agressiva de vendas e anúncios provocantes
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h36.
Nas últimas semanas, duas marcas de automóveis escolheram os dois maiores jornais de São Paulo para lavar roupa suja. As coreanas Hyundai e Kia, empresas que fazem parte do mesmo conglomerado industrial da Coreia do Sul, trocaram ataques mútuos em anúncios publicitários que cresciam de tamanho na mesma proporção em que a temperatura da briga subia. O ponto de partida da pendenga foi um anúncio de primeira página da montadora Hyundai.
Baseada em uma pesquisa de uma consultoria americana, a empresa alardeava o fato de ter encerrado o primeiro semestre de 2009 com 2,15 milhões de automóveis vendidos -- o que a coloca em quarto lugar no ranking mundial de montadoras. A reação da Kia foi imediata: o representante da marca no Brasil publicou um comunicado de página inteira declarando que a peça da concorrente era enganosa e induzia os consumidores ao erro. Segundo a Kia, quem conquistou a posição foi o grupo Hyundai-Kia, que reúne as duas montadoras. A tréplica da Hyundai veio em um anúncio de três páginas, nas quais reafirmava a quarta colocação e ainda alardeava a conquista de um prêmio de qualidade e tratava os carros da Kia como uma versão "barata" dos seus.
O caso foi parar no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). "A Hyundai não tem sido honesta e com isso prejudica a imagem da Kia", diz José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil. "Eu só estou defendendo os interesses da minha marca", diz Carlos Alberto de Oliveira Andrade, dono do grupo Caoa, representante da Hyundai no país.
Apesar da alta temperatura da disputa, a decisão de manter as duas marcas em importadores diferentes é uma estratégia da matriz coreana -- e eles não veem nenhum motivo para mudar esse acerto. "Não há necessidade de intervir, porque a disputa reflete os esforços de marketing das empresas", disse a EXAME Jason Yoon, porta-voz da Hyundai-Kia na Coreia. Embora sejam produzidos das mesmas plataformas, os modelos das duas marcas concorrem entre si.
No exterior, a Kia investe em uma imagem mais jovial e despojada, enquanto a Hyundai se posiciona com modelos sofisticados e com mais recursos tecnológicos. No entanto, no Brasil, as diferenças entre os modelos -- e o preço -- acabam sendo sutis demais para ser percebidas pelo consumidor. Prova disso é o que aconteceu em 2005 quando a Hyundai lançou no país o Tucson. A estratégia da empresa era lançar o veículo como um utilitário esportivo com forte apelo de preço para concorrer com o nacional EcoSport, da Ford. A vítima colateral foi o Sportage, da Kia. Atualmente, as duas marcas têm outros dois modelos em rota de colisão, os recém-lançados i30, da Hyundai, e Soul, da Kia, que disputam o mercado de compactos esportivos.
A situação torna-se ainda mais desconfortável para a Kia quando se levam em conta as agressivas metas acertadas por Gandini com a matriz da marca. Ele precisa fechar o ano com vendas de 25 000 veículos (até agora foram vendidos 10 000). Em 2010, as metas são ainda mais duras: 50 000 unidades. Essa é a condição para que a sede considere a possibilidade de construir uma fábrica no Brasil, onde seriam produzidas 20 000 unidades anuais do Soul. Gandini já comprou um terreno de 560 000 metros quadrados no município paulista de Salto para o projeto -- investimento que ficaria em, no mínimo, 50 milhões de reais.
Desde os anos 90, a Kia sonha com uma unidade no país. Em 1997, a Asia Motors, extinta subsidiária da Kia, chegou a se associar a um grupo de investidores brasileiros e coreanos para construir uma linha em Camaçari, na Bahia. A Asia Motors obteve o equivalente a 1,8 bilhão de reais em isenção de impostos de importação e incentivos fiscais, mas o projeto nunca foi além da pedra fundamental. O fracasso da iniciativa causa dores de cabeça ao grupo Hyundai-Kia até hoje, já que o governo brasileiro cobra na Justiça americana a dívida da matriz coreana, em uma corte especializada em direito internacional. É essa pendência jurídica que torna tão importante a parceria com os importadores para a instalação de fábricas no Brasil.
As marcas Hyundai e Kia estão juntas desde 1998, quando a primeira comprou o controle da segunda. A montadora Hyundai, fundada na década de 60, é parte de um colosso industrial que atua em setores como química, siderurgia e construção naval. Na época da compra, a Kia estava praticamente quebrada em decorrência da crise asiática. Juntas, as duas deram origem a um gigante que fatura 39 bilhões de dólares e produz o dobro de veículos que os coreanos são capazes de comprar. Desde os anos 80, Hyundai e Kia adotaram a estratégia de se tornar potências exportadoras. O problema é que, nos Estados Unidos, mercado preferencial de ambas, os carros coreanos eram motivo de piada, dada sua má qualidade.
A situação só se reverteu na época da fusão entre as duas montadoras quando a empresa abandonou a política de produção de carros de baixo custo e passou a montar modelos de alta tecnologia. Hoje, a Hyundai-Kia é uma das marcas de maior crescimento num mercado americano abalado pela crise. Entre julho de 2008 e julho de 2009, a participação de mercado das duas marcas juntas passou de 5,3% para 7,3%. No Brasil, o reposicionamento das duas coreanas surtiu efeito direto sobre as vendas.
A Hyundai passou de pouco mais de 1 000 carros vendidos em 2003 para 45 344 carros no ano passado. No mesmo período, a Kia passou de 2 000 veículos para 20 900 vendidos. Enquanto a situação se mantiver assim, é provável que os coreanos deixem os brasileiros brigar sozinhos.