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Ameaça ao Made in Italy

O selo de qualidade, costurado em peças artesanais e nas etiquetas das grifes de luxo, pode não resistir à atual pandemia

Bolsa: ateliês italianos sofrem com o isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus  (Divulgação/Divulgação)

Bolsa: ateliês italianos sofrem com o isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus (Divulgação/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2020 às 05h15.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 13h09.

O ativo mais caro de uma grife de luxo não é o logo nem as lojas opulentas ou os desfiles ostentosos. É a mão de obra artesanal, o ponto de partida para a geração de valores da marca. A Itália é o país que concentra os ateliês mais tradicionais do mercado — e também onde a pandemia da ­covid-19 tem se mostrado mais letal. Em meio aos milhares de obituários locais estão nomes proeminentes da moda italiana que, da base ao topo, formam essa cadeia produtiva que abastece conglomerados, butiques e varejistas do segmento de alto consumo.

Ao nome do medalhão dos sapatos finos Sergio Rossi, morto no mês passado aos 85 anos, somam-se o do empresário Luciano Mercalli, aos 78, fundador da empresa de maquinário calçadista Cerim, e o do mestre artesão Luigi Miatto, aos 81 — famosos ou anônimos fundamentais para entender os alicerces do selo de qualidade Made in Italy. Essa marca está estampada nos calçados, nas peças de alfaiataria, nos tecidos de lã e nos acessórios de couro. Não só nas etiquetas italianas mas também nas francesas, como Dior, Hermès e Louis Vuitton, abastecidas por empresas com sede entre o norte e o centro do país.

O ponto nevrálgico do problema é que, segundo o Instituto Nacional de Estatística da Itália, equivalente ao IBGE brasileiro, das 80.000 empresas vinculadas à produção de moda no país, 95% têm até dez funcionários, ou seja, dependem de pedidos para sobreviver, e não raramente são geridas por pessoas com mais de 60 anos. Além de estarem no grupo de risco da doença, esses empresários muitas vezes não formaram sucessores por causa da falta de interesse dos jovens da família no negócio.

Falta de sucessão, idade elevada e pedidos escassos formam o tripé que potencializa a maior crise da indústria manufatureira de luxo desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o economista e CEO da consultoria Diomedea, Enrico Cietta, o número de pedidos das marcas e dos varejistas aos fornecedores italianos diminuiu cerca de 60% no último mês, pondo em xeque toda a produção até o início de 2021.

“A maior preocupação do setor é que esta não é uma guerra com data definida para acabar em todos os países ao mesmo tempo”, diz Cietta. Para ele, a pandemia não tem o poder de extirpar o Made in Italy do mercado, mas é certo que, se a situação não se normalizar até o segundo semestre, as pequenas empresas não suportarão o esvaziamento da produção. “A maior parte dos ateliês não vai sobreviver se a situação se estender até dezembro.”

Diretora comercial da marca florentina Stefano Ricci e ex-designer de acessórios da Prada, Briza Datti analisa a situação sob o espectro do dia a dia da produção artesanal italiana, que precisa de muitas pessoas trabalhando ao mesmo tempo para, por exemplo, confeccionar uma única bolsa. “Às vezes são quatro pessoas finalizando juntas uma peça. Mesmo quando voltarmos à normalidade, não sabemos como isso vai acontecer. Numa confecção é quase impossível manter distância um do outro”, explica.

Segundo Datti, as grandes empresas não dependem de um único artesão para manter a produção, mas os pequenos negócios, sim. A maior parte da produção italiana gira por meio dos chamados laboratórios, estúdios de garagem chefiados por artesãos, a maioria idosos, que buscam o couro e acabam partes da peça para enviar às marcas. “Sem poder se movimentar e com o risco de contrair a doença, como eles poderiam trabalhar?”

Se hoje há mais perguntas do que respostas, também há a certeza de que sairá menos arranhado quem percebeu antes da pandemia a necessidade de ensinar aos mais jovens, como fez a grife de sapatos René Caovilla. Segundo Edoardo Caovilla, CEO e filho do fundador, a marca não havia perdido nenhum funcionário até o mês passado. A média de idade dos quase 200 empregados do complexo fabril localizado em Fiesso d’Artico, próximo a Veneza, é menor do que os 44 anos do chefe. “Infelizmente, o Made in Italy é formado por vários negócios que vivem dia por dia, produzindo para outras marcas. Muitos não são donos do próprio futuro”, afirma.

Mesmo tendo fechado temporariamente 17 das 18 lojas da marca espalhadas pelo mundo, Caovilla diz manter o salário integral dos funcionários, sem precisar recorrer ao mecanismo do governo italiano de permitir aos empresários diminuir até 60% do ­custo da folha. “Essas famílias dependem exclusivamente do trabalho manual e não têm outra fonte. A companhia é sólida e podemos passar pela crise, não diria por dois anos, mas por ora temos todo o controle da situação.”

O que ele nem ninguém podem controlar é o impacto no sistema da moda, principalmente no lançamento de coleções, que agora devem ser embaralhadas não só por causa da falta de demanda mas também pela confusão no calendário de eventos. Além da semana de moda organizada pela Câmara da Moda Italiana, o país tem em sua programação a semana de moda masculina Pitti Uomo, que teve sua edição de junho postergada para setembro, a de calçados Micam e a Expo Riva Schuh, esta última cancelada e sem data para voltar neste ano.

A Itália também sediaria os desfiles de resort das grifes Christian Dior e Chanel, cancelados e que, agora, não têm data para acontecer. A Ermenegildo Zegna já anunciou que não fará mais desfiles neste ano. “Temos de aprender alguma coisa com esse vírus”, diz Caovilla. “Não acho que quero apresentar mais coleções duas vezes por ano nem lançar produtos sazonais. O luxo não comporta mais esse modelo.”

A estilista da Dior, Maria Grazia Chriuri, também compartilha a ideia de que a moda já enfrenta uma saturação de seu calendário, “não do ponto de vista da criatividade, mas do negócio”. Durante a última temporada de moda, enquanto o vírus fechava as fronteiras do norte da Itália, em Paris ela já apontava que a nova geração não estaria tão interessada no segmento quanto a de seus pais. “Tudo ficou acessível demais”, diz. A covid-19, nesse sentido, precisa ser vista como um problema global, não da China ou da Itália, como se apontava na época. “Devemos nos preocupar com nosso jardim. O ponto é que, hoje, nosso jardim é o mundo todo.”

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