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Empresas de capital fechado devem publicar balanços?

Três estados obrigam as grandes companhias de capital fechado a publicar os balanços. Mas empresas que se opõem à medida tentam derrubar a exigência

Posto da Shell: a multinacional anglo-holandesa passou a publicar seu balanço no Brasil por ter sede no  Rio de Janeiro (André Lessa / EXAME)

Posto da Shell: a multinacional anglo-holandesa passou a publicar seu balanço no Brasil por ter sede no Rio de Janeiro (André Lessa / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 26 de agosto de 2015 às 11h33.

São Paulo - A partir deste ano, todas as empresas de grande porte — assim consideradas as que têm patrimônio superior a 240 milhões de reais ou receita bruta anual acima de 300 milhões de reais — com sede no estado de São Paulo passaram a ter de publicar o balanço anual e as demonstrações financeiras no Diário Oficial e também em um jornal comercial de grande circulação.

A exigência é da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) e entrou em vigor em abril. O órgão estendeu essa obrigatoriedade a cooperativas e sociedades de capital fechado. Até então, apenas as empresas de capital aberto tinham de cumprir essa formalidade. Com isso, São Paulo uniu-se a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro, onde a determinação vigora desde 2013.

Da mesma forma que ocorrera nos dois outros estados, a deliberação da Jucesp foi motivada por desdobramentos de uma disputa na Justiça que remonta à aprovação, em 2007, da Lei no 11.638, que alterou a Lei das Sociedades por Ações, de 1976. A nova lei introduziu uma série de mudanças com o objetivo de dar maior transparência às demonstrações contábeis e adequar as práticas brasileiras às normas internacionais, conhecidas pela sigla IFRS (International Financial Reporting Standards).

A disputa judicial deve-se a diferentes interpretações dadas ao texto no que diz respeito à publicação do balanço e das demonstrações financeiras das empresas de grande porte de capital fechado.

Enquanto as companhias atingidas pela norma defendem a ideia de que a publicação deve ser facultativa, a obrigatoriedade tem o apoio da Associação Nacional das Imprensas Oficiais (Abio), diretamente interessada na questão, pelo potencial de arrecadação que as publicações representam. A deliberação da Jucesp resulta de uma decisão a favor da Abio, mas novas reviravoltas ainda podem ocorrer até o julgamento definitivo da questão — algo sem data prevista para acontecer.

Diante da polêmica, empresas procuradas por EXAME para comentar a obrigatoriedade da publicação dos balanços preferiram o silêncio. Outras limitaram-se a emitir comunicados lacônicos. A anglo-holandesa Shell, por exemplo, que cumpre a determinação desde 2013 por ter sua sede brasileira no Rio de Janeiro, declarou que “tem por princípio o cumprimento das leis e regulamentações nos lugares onde opera”.

Nos bastidores, contudo, a determinação tem causado polêmica. Orientadas por seus escritórios de advocacia, várias empresas que se enquadram na nova exigência entraram com mandado de segurança em busca do direito de manter seus números em segredo.

Como cada mandado de segurança pode provocar uma decisão diferente, dependendo da interpretação do juiz, a confusão em torno do tema promete continuar sendo grande.

Riscos da desobediência

As consequências para as empresas que não cumprirem a exigência podem ser graves, já que a comprovação de que os dados financeiros foram publicados é um requisito para a aprovação das contas e para a validação das respectivas atas de reunião de sócios.

Dessas etapas dependem vários procedimentos, como a distribuição de lucros, o pagamento de participação nos resultados aos funcionários, a obtenção de empréstimos em bancos públicos e a participação em licitações. Ignorar a nova regra pode levar até mesmo à perda do número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.

As razões para grandes corporações resistirem à publicação de seus dados financeiros incluem desde preocupações estratégicas até questões práticas, como o custo das publicações. “A determinação tem cunho arrecadatório e é arbitrária, pois nossas clientes têm o direito de manter seus dados financeiros resguardados de divul­gação pública”, diz o advogado Nazir Takieddine, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, de São Paulo.

“Essa foi justamente uma das premissas que as fizeram optar por ser empresas limitadas.” Para ele, a publicação é justificável apenas no caso das empresas de capital aberto, a fim de proteger os sócios minoritários, que não participam de reuniões. “Nas empresas de capital fechado, em que todos os sócios têm amplo acesso aos dados financeiros, não faz sentido.”

No lado oposto da polêmica, há quem defenda a publicação dos balanços como um exercício de transparência, com repercussão positiva no mercado como um todo — embora possa causar desconforto a gestores não habituados ao acompanhamento público.

“Há quem use o sigilo dos dados financeiros para ocultar sua situação, por exemplo, e não ser questionada ao fazer uma demissão em massa”, afirma Ariovaldo dos Santos, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e conselheiro da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, entidade que elabora as listas de MELHORES E MAIORES.

Ele defende a ideia de que a divulgação das demonstrações contábeis é um princípio de responsabilidade corporativa. “Uma empresa pode ser chamada de socialmente responsável se omite de seus clientes e funcionários dados como faturamento, rentabilidade e grau de endividamento?”

Muitas empresas estrangeiras que não divulgam seu balanço no Brasil o fazem amplamente no país de origem. Nos Estados Unidos, somente as companhias de capital aberto são obrigadas a tornar públicos seus números, mas muitas empresas fechadas também liberam voluntariamente as demonstrações contábeis.

No Brasil, há companhias limitadas que não se opõem à divulgação do balanço, mas preferem usar meios próprios para a publicação, como o site na internet. É o caso da francesa Schneider Electric. E há empresas limitadas que fazem questão de publicar o balanço em jornais mesmo sem ser obrigadas.

Um exemplo é a Uega, usina de energia elétrica de Araucária, no Paraná. “A publicação não deveria ser entendida como uma obrigação legal, mas como uma decisão gerencial em nome da transparência”, afirma Erlon Tomasi, diretor financeiro e administrativo da empresa. A Uega, contudo, é ainda uma exceção no Brasil.

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