Revista Exame

A salsicharia do direito no JBM

A empresa tem jeitão de call center, linha de produção, custos baixíssimos e a atenção do investidor Ricardo Semler — é o escritório de advocacia mais inusitado do país

José Edgard Bueno (o primeiro à esq.), seus sócios e seu exército de advogados: em Bauru sai mais barato  (Fabiano Accorsi/EXAME.com)

José Edgard Bueno (o primeiro à esq.), seus sócios e seu exército de advogados: em Bauru sai mais barato (Fabiano Accorsi/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2011 às 14h53.

A entrada do JBM, no centro de Bauru, no interior de São Paulo, dá para um salão de 2 000 metros quadrados e pé-direito alto, como num galpão. Ali, enfileiram-se gôndolas parecidas com aquelas de supermercado, cada uma com dezenas de estações de trabalho, onde os mais de 400 funcionários, lado a lado, não tiram os olhos da tela dos computadores.

Esses profissionais têm metas a cumprir: precisam atender determinado número de fregueses antes de encerrar o expediente. Entre os termos mais comuns no dia a dia estão workflow, checklist, gestão de equipe, controle de qualidade, mensuração de resultados. Só quando o visitante dá alguns passos para trás pode perceber, na placa prateada no hall do elevador, que não está em um centro de operações de telemarketing ou algo do gênero.

“J. Bueno e Mandaliti — Sociedade de Advogados”, lê-se. Trata-se do maior escritório de advocacia do país em número de advogados. É também — certamente — a sociedade de advogados mais inusitada em atividade no Brasil hoje em dia.

Basta olhar o tal galpão bauruense para perceber que o JBM, como é conhecido, assemelha-se mais a uma linha de produção fabril do que ao acarpetado, engravatado e afetado mundo dos grandes escritórios de advocacia do eixo Rio-São Paulo.

O principal motivo para isso é sua área de atuação. O JBM é o primeiro escritório do país especializado naquilo que os advogados chamam de “contencioso de massa”. Isso quer dizer que seus advogados cuidam das dezenas de milhares de pequenas causas de que são alvo as grandes empresas — principalmente ações trabalhistas e de direito do consumidor.

Para organizar a enxurrada de processos que seus departamentos jurídicos têm de encarar, as empresas contratam escritórios de advocacia — que, para dar conta do trabalho, se organizam como verdadeiras salsicharias do direito. Só o JBM administra mais de 230 000 processos. E, segundo seus sócios, vai faturar cerca de 110 milhões de reais em 2011.


A história do escritório é marcada pelo ineditismo. Primeiro, porque não havia, até hoje, quem se dedicasse apenas a esse tipo de causa. Mas nada é mais original no JBM do que seu modelo de negócios — uma versão advocatícia do modelo de baixo custo de companhias aéreas, como JetBlue e Ryan Air, ou de varejistas como o Walmart.

Grandes escritórios, como Pinheiro Neto ou Machado Meyer, atuam em nichos extremamente rentáveis, como fusões, aberturas de capital ou direito tributário. Assim, podem se dar ao luxo de ter sedes portentosas (o Pinheiro Neto fica no prédio do extinto Banco Santos, em São Paulo) e advogados estrelados que cobram até 1 000 reais pela hora trabalhada.

No caso do JBM, essa mamata era inviável. Não existe, no direito empresarial, nada menos glamouroso, nada menos rentável do que o tal contencioso de massa. Cada processo rende aos escritórios uma merreca — cerca de 100 reais, no máximo. Já numa abertura de capital, por exemplo, os advogados podem faturar meio milhão de reais.

Para fazer a conta fechar, os fundadores do JBM, liderados pelo sócio José Edgard Bueno, tiveram de inventar uma fórmula.

Fundado em 2008 por Bueno, ex-sócio da tradicional banca paulista Demarest & Almeida, e outros dois advogados, o JBM nasceu com uma evidente obsessão por manter os custos baixos. Seus principais centros operacionais estão longe dos pontos sofisticados de São Paulo e Rio de Janeiro.

O grosso do trabalho se concentra na já citada Bauru, a 345 quilômetros de São Paulo. Isso, vale notar, nada tem a ver com uma aposta na pujança econômica do interior paulista. A ideia é mesmo economizar com o aluguel e a mão de obra. O aluguel do prédio-galpão custa 10 reais o metro quadrado, um quarto do que o próprio JBM paga em suas diminutas instalações na avenida Brigadeiro Faria Lima, a mais disputada área comercial da capital paulista.


Existem nos arredores de Bauru oito faculdades de direito, e os advogados que saem delas aos borbotões se dispõem a trabalhar por 1 500 reais mensais. Um iniciante em São Paulo custaria quase o dobro. Longe dos grandes centros urbanos, os funcionários costumam almoçar em casa — o que, segundo os sócios, melhora a produtividade. “Nosso negócio não tem gordura para queimar”, diz Bueno.

Testando os limites

Cada aspecto do negócio é pensado para baratear a linha dos custos e fazer sobrar um dinheirinho no fim do mês. Os processos, por exemplo, são impressos em frente e verso. Mas a orientação é só imprimir o necessário: na maioria dos casos, os advogados do galpão leem os processos na tela do computador mesmo.

Um programa eletrônico rastreia os Diários Oficiais do país inteiro para acompanhar a evolução dos processos. São 10 000 publicações sobre processos detectadas por dia. As informações são distribuídas para os terminais dos advogados “operacionais”.

Imediatamente, eles avisam os colegas nas filiais mais próximas do local do processo, que correm para realizar as diligências nos fóruns. Em cada visita, os advogados cuidam de diversos processos para economizar no transporte.

Os grandes escritórios brasileiros demonstram certo desprezo pelo modelo de negócios do JBM. “Admiramos o trabalho do Bueno, mas nosso foco é o atendimento diversificado e mais sofisticado”, afirma Mário Nogueira, sócio do Demarest. Bueno e seus sócios, claro, dizem não se importar com o que pensam as outras bancas.

O ritmo de crescimento do escritório — do zero aos 100 milhões de faturamento em três anos — chamou a atenção de Ricardo Semler, controlador da empresa de investimentos Semco. Em 2009, Semler se juntou aos fundadores do JBM. Tornou-se conselheiro e uma espécie de consultor.

A associação deu origem a uma série de especulações. Teria Semler investido no escritório, atraído pelo modelo de negócios incomum? Esse tipo de transação é proibido pela Ordem dos Advogados do Brasil. “Não houve nenhum aporte de capital”, diz Semler. O fato é que os sócios do JBM gostam de testar os limites da regulação.

Em dezembro de 2009, a assessoria da Semco informou a EXAME que lançaria, em parceria com o JBM, um “plano jurídico” para atender os clientes no formato de um plano de saúde, com pagamento de mensalidade. A OAB logo afirmou que a prática não seria aceita, por, entre outros motivos, “mercantilizar” o serviço de advocacia.

As regras são mais liberais em outros países, como a Inglaterra, que permitirá, a partir de outubro, o investimento de não advogados em firmas de advocacia. “É preciso discutir esses assuntos”, afirma Bueno, abrindo fogo contra a OAB. Eis aí um contencioso bem mais difícil de ganhar.

Acompanhe tudo sobre:Call centersCortes de custo empresariaisDesempenhoDireitos trabalhistasEdição 0990Escritórios de advocaciagestao-de-negociosInovaçãoLegislaçãoLeis trabalhistas

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon