Revista Exame

A revolução das embalagens

Na luta pelo mercado, as empresas transformam os invólucros de seus produtos em armas estratégicas

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h11.

Nunca como hoje as embalagens desempenharam uma função tão estratégica para empresas de bens de consumo do mundo todo. Seu papel vai muito além da proteção do produto oferecido e da já tradicional promoção de suas qualidades. Em última análise, a embalagem deixa de ser parte para ser o produto. Uma embalagem inovadora ajuda na conquista dos disputadíssimos espaços nos pontos-de-venda. Pode elevar o valor da mercadoria e -- por conseqüência -- sua rentabilidade. Pode, graças a novas tecnologias e inovações, criar e destruir mercados. É só olhar para trás e ver o que as caixas Tetra Pak fizeram com os velhos saquinhos de leite. Ou o que as embalagens a vácuo provocaram no negócio de máquinas de torrefação de café.

Nos últimos tempos, o Brasil vem se tornando um importante pólo de produção, consumo e exportação de embalagens inovadoras. Hoje, 19 das 20 maiores fabricantes mundiais de embalagens estão presentes no país. Há alguns dias, a suíço-alemã SIG Combibloc, fabricante de embalagens longa-vida, anunciou um investimento de 70 milhões de euros para erguer sua primeira unidade no Brasil. Segundo dados da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, a indústria brasileira de embalagens dobrou de tamanho nos últimos quatro anos. Em 2000, movimentou 16,3 bilhões de reais. A projeção para este ano é 33 bilhões. Um crescimento, portanto, de mais de 100%. Por trás dos números, está o processo de sofisticação do mercado, empurrado pela abertura, pela segmentação cada vez maior dos tipos de consumidor e pelo aumento da competição. "Em prateleiras com produtos cada vez mais parecidos, diferenciar-se é vital", diz o designer Lincoln Seragini, um dos maiores especialistas no assunto no país. "A embalagem, em fração de segundo, tem de chamar a atenção, estabelecer uma empatia com o consumidor e, finalmente, fazer a mercadoria pular para o carrinho."

As inovações no Brasil
Algumas das inovações feitas pelas empresas brasileiras na área de
embalagens
Comunicação e custo
O novo tipo de rótulo aumenta o espaço para comunicação com consumidor e
usa matéria-prima mais barata
Mais eficiência
As novas bisnagas de creme dental permitem melhor aproveitamento do produto
e uso mais fácil
Segmentação
A minilata de 200 ml é uma das 18 apresentações da Coca-Cola: a estratégia
é ampliar o mercado
Para se diferenciar
Para chamar a atenção do consumidor, a Nestlé mudou a embalagem do Leite
Moça após 83 anos

Conseguir isso é um desafio cada vez maior para as empresas. Não só devido aos aperfeiçoamentos tecnológicos, às campanhas de marketing necessárias para avisar o consumidor e ao treinamento de pessoal na produção. A grande questão é a velocidade com que tudo isso deve acontecer. Atualmente, no Brasil, as empresas levam, em média, dois anos para concluir um processo de mudança de embalagem. Com o aumento da concorrência -- formal e informal -- esse tempo deve, progressivamente, cair.

Veja o caso do Leite Moça, entre as marcas mais consagradas da Nestlé. Por 83 anos, o produto foi apresentado em sua tradicional latinha cilíndrica. Em 2004, após dois anos de pesquisas, o Leite Moça ganhou nova embalagem, sinuosa. Foram dois os motivos alegados pela Nestlé. O primeiro, a necessidade de destacar o produto nas prateleiras dos supermercados e, assim, ganhar a batalha pela atenção do comprador. O segundo, o combate às chamadas marcas talibãs. Marcas desconhecidas, distribuídas no interior do país, passaram a copiar sistematicamente a embalagem do Leite Moça, levando o consumidor a se confundir na hora da compra. O problema ainda mais grave -- em escala internacional -- levou a Cacique, produtora do Café Pelé, a desenvolver uma embalagem que dificulta a cópia. A demanda surgiu quando a empresa descobriu que quase 50% do Café Pelé consumido na Rússia era falso (uma das embalagens pirateadas levava o nome de Café Pelo).

Um mercado em alta
Variação nas vendas e nas exportações da indústria brasileira
de embalagens
Faturamento (em bilhões de reais)
Variação de 21%
2003
23,7
2004
28,6
Exportações (em milhões de dólares)
Variação de 7%
2003
274
2004
292
Fontes: Abre/FGV, IBGE

A inovação nas embalagens também tem sido encarada como forma de aumentar as vendas e -- sobretudo -- as margens de lucro dos produtos de alto consumo. Basicamente, com uma roupagem mais moderna, as empresas tentam fazer com que o mercado dê mais valor (ou pare de depreciar) a um produto já conhecido. Há muitos anos, a Sadia vende pedaços de frango. Trata-se de uma mercadoria que tem tudo para se transformar em commodity e ter seus preços achatados. Em 2004, porém, a empresa encontrou uma forma de renovar sua linha. Lançou pedaços de frango embalados individualmente em plásticos que podem ser abertos e fechados. Com isso, espera ampliar seu mercado. A mesma estratégia foi adotada pela Unilever, com seu molho de tomate Pomarola. "Abertura e fechamento são problemas críticos em qualquer embalagem", diz Fabio Mestriner, presidente da Associação Brasileira de Embalagem (Abre). "A Unilever conseguiu resolvê-lo." A empresa levou anos para chegar a uma tecnologia que permitisse ao consumidor abrir a lata e voltar a fechá-la, conservando o produto por mais tempo. Hoje, a inovação é exportada para os Estados Unidos -- algo raro para um mercado como o brasileiro, normalmente importador de novidades nessa área.

A segmentação cada vez maior do mercado e as mudanças nos hábitos de consumo são outros importantes motores da revolução das embalagens, no Brasil e no mundo. Após a popularização do microondas e o surgimento de uma embalagem que permite o preparo instantâneo, a pipoca nunca mais foi a mesma. O mercado mudou, respondendo a uma demanda por maior praticidade. Para quem produz embalagens, segmentação quer dizer, entre outras coisas, poder aquisitivo, estado civil e estilo de vida. Uma das cenas matinais mais comuns em grandes metrópoles, como Nova York e Tóquio, é ver homens e mulheres de negócios com seus copos de café transitando pelas calçadas, rumo ao trabalho. O velho e bom café da manhã na mesa da cozinha é um hábito cada vez menos comum. O que isso representaria nas vendas de um produto como o café solúvel Nescafé, uma das mais importantes marcas globais da Nestlé? A solução foi a adaptação. Recentemente, a Nestlé lançou nesses mercados uma embalgem de Nescafé que esquenta automaticamente o conteúdo. Basta pressionar o fundo da lata. O mesmo princípio vale para bebidas geladas. Já há no mercado europeu garrafas de cerveja que mantêm o líquido na temperatura ideal.

Inovações lá fora
Mudanças no estilo de vida do consumidor são o principal motor das inovações
nas embalagens
Long neck de alumínio
Mantém o líquido refrigerado por mais tempo do que na versão em vidro, além
de ser mais leve
Auto-aquecimento
Lata com dispositivo que, quando acionado, aquece o produto. Há versão para
sopas e chás

Tal fenômeno também acontece no Brasil. Após constatar em uma pesquisa que 50% dos compradores de cerveja consumiam o produto em casa, a Ambev, dona da marca Skol, lançou sua versão Big Neck. "A nova garrafa dispensa o abridor, pois tem tampa de rosca, e carrega um volume maior de cerveja", diz Vivian Serebrinic, gerente de inovações da Skol. "Com isso, o consumidor não precisa interromper suas atividades para apanhar mais cerveja na cozinha." O grupo Pão de Açúcar deve lançar, em breve, uma lata de óleo com marca própria, com design e volume ideais para consumidores que moram sozinhos. A Coca-Cola tem hoje, no mercado brasileiro, 18 variações de embalagens para seu principal produto. Até 2002, eram apenas três. O mais recente lançamento é uma lata caçulinha, de 200 mililitros, correspondente a 42% do volume da tradicional. Desde fevereiro, a embalagem está em teste nos mercados do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. A idéia de lançar uma em balagem diminuta surgiu com base nos resultados de uma pesquisa encomendada pela empresa. Os consumidores se mostravam contrariados em, muitas vezes, ter de comprar um volume maior do refrigerante apenas para dar alguns goles. Isso gerava frustração e -- conseqüentemente -- vendas menores.

Algo muito parecido aconteceu com a maionese Hellmann's, da Unilever. Em 2004, a empresa investiu 7 milhões de reais para trocar os potes de vidro -- comercializados durante mais de quatro década -- por similares de plástico. A demanda surgiu após dois anos de pesquisas. O estudo demonstrou o óbvio. Maioneses são consumidas principalmente por crianças. E vidro não é o material mais apropriado para ser manipulado por elas. "A nova embalagem não só atende a essas solicitações, mas também agrega modernidade à marca", afirma Felipe Mendes, gerente de marketing da companhia. Segundo dados da ACNielsen, após a mu dança na embalagem, a participação da Hellmann's no mercado de maioneses cresceu de 47,1% para 50,6%.

Alterar a roupagem de uma marca consolidada é, muitas vezes, necessário. E quase sempre complicado. Embalagens fazem parte da personalidade dos produtos. Passam certos valores e sensações. Quanto mais tradicional o produto, mais difícil e arriscada é a modificação. A vodca Absolut foi criada há 126 anos. Desde então, sua garrafa, inspirada num frasco medicinal vendido em farmácias suecas no século passado, sofreu pouquíssimas modificações. A força da embalagem é tão grande que ela se tornou protagonista de uma das campanhas publicitárias mais marcantes das últimas décadas. Seu contorno aparece em mais de 500 tipos de anúncio. Algo semelhante acontece no Brasil com o bombom Sonho de Valsa, líder em seu mercado. Desde 1942, sua embalagem rosa não era alterada. Não modernizá-la poderia passar a imagem de produto envelhecido. Mudá-la traria o risco de ver consumidores cativos se afastar. Há dois anos, a Kraft Foods, dona da marca, decidiu correr o segundo risco. A mudança exigiu pesquisas com consumidores, análises do produto e projeções que anteciparam as reações às modificações. Depois da reforma, a participação do Sonho de Valsa no mercado de bombons passou de 40% para 43%.

A decisão de transformar uma embalagem é sensível não só pela imagem que carrega, mas pelo que costuma representar no custo final do produto. Em alguns casos, o invólucro vale mais do que a própria mercadoria. O copo plástico da água mineral é responsável por 85% do preço final. Latas de ervilha e milho, por 70%. Ter flexibilidade para usar diferentes materiais e aproveitar as melhores condições do mercado, portanto, passou a ser um fator de competitividade para muitas indústrias. O mercado de refrigerantes, por exemplo, trabalha com plástico, vidro e metal. Se um desses componentes elevar subitamente o custo do produto, os fabricantes têm chance de optar por despejar no mercado uma quantidade maior em embalagens que estejam com o preço mais baixo. Mas, evidentemente, há limites. E eles estão na rejeição do consumidor à novidade. Há quatro anos, os fabricantes do achocolatado Ovomaltine decidiram substituir as latas alaranjadas -- embalagem do produto por 40 anos -- por pacotes de alumínio flexível. Os usuários teriam de, eles próprios, acondicionar o produto em potes adequados. O objetivo principal era re duzir o custo do Ovomaltine e aumentar a competitividade. A inovação, porém, foi rechaçada por parte dos consumidores.

A globalização tem tido um papel fundamental na revolução das embalagens. O fim dos limites comerciais vem progressivamente acabando com as diferenças entre elas. O que é vendido aqui pode ser comercializado na Argentina, no México, nos Estados Unidos ou no Japão. Isso resolve um problema de escala para as grandes empresas, mas também coloca um desafio: tornar as embalagens multinacionais. Um número cada vez maior de produtos é fabricado numa única base -- o Brasil, por exemplo -- e exportado para vários países. Isso faz com que as informações contidas nas embalagens sejam escritas em vários idiomas. Para tanto são necessários rótulos maiores. Novas tecnologias permitem que esses rótulos ocupem quase a totalidade da embalagem. Empresas como Schincariol e Danone já começam a utilizar esse tipo de inovação em alguns de seus produtos.

A evolução do mercado de embalagens em todo o mundo tem despertado uma série de discussões de caráter social e ambiental, com efeitos diretos sobre os negócios. Uma delas é o que fazer com os invólucros após seu uso. No Brasil, o Congresso Nacional começou a discutir a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que deve decidir de quem é a responsabilidade pelo destino desse tipo de produto -- se das empresas ou do Poder Público. Atualmente, o projeto está parado na Casa. Essa é, porém, uma questão de contornos globais. E é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, passe a ser debatida com mais ênfase por aqui. Essa perspectiva já vem despertando ações por parte de empresas, preocupadas com sua imagem de sustentabilidade diante da sociedade. A Tetra Pak, que enfrenta críticas por ter baixo índice de reaproveitamento de suas embalagens longa-vida, associou-se à Alcan, à TSL Ambiental e à Klabin e, junto com o IPT e a Unicamp, desenvolveu uma tecnologia de plasma capaz de separar o alumínio do plástico, o que facilita a reciclagem de seu produto. A primeira fábrica mundial da nova recicladora será erguida em Piracicaba, no interior de São Paulo, e vai exigir investimentos de 10,5 milhões de reais. Os especialistas prevêem que, num futuro próximo, a preocupação ambiental será um dos requisitos mais importantes para a indústria da embalagem e seus clientes.

Pode melhorar
Em razão do custo elevado, muitos produtos ainda usam embalagens antiquadas.
O quadro relaciona algumas:
Pouca praticidade
Embalagem pouco resistente só serve para proteger o produto no trajeto entre
o supermercado e a casa do consumidor
Risco de acidente
A maioria das latas exige abridores, que deixam abas cortantes, além de
não ter tampa, forçando o consumo imediato
Fragilidade
Lâmina de alumínio se rompe facilmente e dificulta a abertura e o transporte
do produto
Reciclagem difícil
As embalagens longa-vida são baratas e eficientes. No entanto, a reciclagem
do material é ainda muito difícil
Manuseio complicado
Recipientes de vidro com tampa de aço garantem boa vedação, mas são extremamente
difíceis de abrir
Pouco funcional
A maioria das latas de tinta exige ferramentas para ser abertas, o que dificulta
o manuseio do produto
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