Revista Exame

A indústria de 150 bilhões

O setor bélico dos EUA aumenta o faturamento a um ritmo de 20% ao ano. Graças a George Bush

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h06.

Poucas companhias no mundo desfrutam hoje de uma situação tão privilegiada quanto as empresas da indústria bélica americana. No ano passado, as vendas do setor alcançaram a estrondosa cifra de 150 bilhões de dólares -- um PIB maior que o da Argentina. Para este ano, estima-se que esse resultado seja ultrapassado em até 20%, o que é um assombro para qualquer negócio. A razão dessa prosperidade está nos manuais de economia clássica. A indústria bélica dos Estados Uni dos tem um mercado consumidor bem definido, que aumenta suas compras a cada ano e se comporta com extrema fidelidade. É o Departamento de Defesa do país. Isoladamente, o Pentágono é responsável por 75% desse faturamento e, para os próximos cinco anos, vai gastar mais 60 bilhões com um único programa. A primeira fase do novo Sistema de Mísseis Antibalísticos, o projeto bélico mais moderno do mundo, está em fase avançada de testes e deverá ser concluída até o fim do ano. Sucessor do projeto Guerra nas Estrelas, o sistema será manipulado a partir do espaço e terá capacidade para detectar e destruir mísseis antes que eles atinjam o território americano.

Um aspecto fundamental para explicar a bonança do setor bélico é a atual política externa da Casa Branca. Desde que assumiu a Presidência dos Estados Unidos, o republicano George W. Bush vem honrando a tradição partidária de aumentar os orçamentos militares. Logo depois da posse, já falava na importância do sistema de mísseis. Depois dos ataques de 11 de setembro, Bush intensificou de maneira inédita essa plataforma. O país mergulhou em duas guerras -- do Afeganistão e do Iraque -- e adotou uma política externa agressiva. Os números são contundentes. Durante a administração de George W. Bush, os gastos aumentaram todos os anos. Em 2002 foram 453 bilhões de dólares destinados ao custeio do aparato militar e a novos investimentos. Em 2004, estima-se que o Pentágono deverá gastar 537 bilhões, mais da metade do orçamento mundial do setor. Em relação ao último ano do governo do democrata Bill Clinton, os gastos militares aumentaram 45%. Por causa disso, o setor bélico está bastante envolvido com a eleição do final do ano, quando irão se confrontar o atual presidente e o desafiante democrata, John Kerry. Na última eleição, a indústria bélica doou 24 milhões para a campanha de Bush. No Partido Republicano, a expectativa para a reeleição é que essa cifra atinja 150 milhões.

A indústria bélica dos Estados Unidos é composta de 14 000 companhias e emprega 3 milhões de pessoas, o que significa 3% da mão-de-obra do país. Os grandes contratos ficam concentrados em quatro grandes empresas (a Lockheed Martin, a Boeing, a Raytheon e a Northrop Grumman, dona do contrato dos mísseis). Para se ter uma idéia do peso desse quarteto no reparte dos lucros, basta dar uma olhada nas licitações de abril deste ano. Dos 8,7 bilhões de dólares gastos pelo Pentágono naquele mês, as quatro, juntas, ficaram com 53% desse valor. No ano passado, o desempenho foi semelhante. De todos os contratos, elas ficaram com a metade. Além do forte predomínio das gigantes, para entrar nesse mercado é preciso preencher alguns requisitos. O principal deles é o do controle acionário, que deve ficar nas mãos de americanos. Dependendo do projeto, o governo exige que a empresa contratada seja 100% americana. A Embraer, por exemplo, está participando de uma das licitações do Pentágono, a construção de aviões de reconhecimento em território inimigo. A condição para que a empresa brasileira participasse foi se associar à Lockheed Martin e abrir representação no país.

Clientela garantida
O Pentágono é o principal mercado consumidor da indústria
bélica americana. Veja alguns itens da lista de compras do ano passado (em
dólares)
Mísseis
17,6 bilhões
Satélites
12,4 bilhões
Tanques
8,6 bilhões
Aviões
8,4 bilhões
Submarinos
1,9 bilhão
Fonte: Departamento de Defesa dos EUA

A grande dificuldade para as empresas do setor é a forte regulação que o Pentágono exerce sobre esse mercado. Ao se transformar no grande cliente dessa indústria, o Departamento de Defesa americano se dá ao direito de impor limites à atuação dessas empresas em relação a outros possíveis compradores. Qualquer pedido de exportação de artefatos militares tem de ser aprovado pelo governo. Alguns nem sequer são analisados. Há proibição expressa de vendas de armas para países considerados hostis, como Irã e Coréia do Norte. Também não é permitido exportar equipamentos de última geração, principalmente se a transação envolver transferência de tecnologia. Recentemente, a Lockheed Martin, fabricante de um caça de altíssima qualidade, o F-16, retirou-se de uma concorrência aberta pela Força Aérea Brasileira. A Aeronáutica quer comprar 12 aeronaves de última geração, um negócio estimado em 700 milhões de dólares. Mas em um das cláusulas do contrato, o Ministério da Defesa brasileiro exige que o ganhador faça transferência de tecnologia. Foi o suficiente para que o governo americano impedisse a participação da empresa. Por causa dessa política, o total de equipamentos exportados nos Estados Unidos corresponde a pouco mais de 10% do total das vendas, algo como 18 bilhões de dólares.

A maior aposta do setor para manter-se lucrativo é o investimento em tecnologia. Calcula-se que as em presas da indústria de defesa desembolsem 45 bilhões de dólares por ano no desenvolvimento de novos produtos. O resultado de tamanho investimento pode ser constatado nas campanhas militares do Iraque e do Afeganistão. O Exército com a tecnologia mais avançada do mundo desfila pelos desertos com blindados à prova de radiação, como o A2 Bradley, fuzis M4 com mira a laser e mísseis de precisão cirúrgica -- calcula-se que o poder de fogo de um soldado americano no Iraque corresponda ao de 650 soldados da Primeira Guerra Mundial. Também foram utilizados no Iraque os moderníssimos caças Stealth, invisíveis para radares contemporâneos e com formato de morcego. Os Stealth consumiram quase 20 bilhões de dólares em pesquisas durante 20 anos. No Iraque esses caças realizaram
1 270 missões (todas bem-sucedidas). Um lançamento ainda em fase de pesquisas é o do navio Sea Blade. Desenvolvido pela Lockheed Martin, o Sea Blade será o barco de grande porte mais rápido do mundo.

O grande momento da indústria bélica americana foi a Segunda Guerra Mundial. Foi a partir dali que empresas até então civis passaram a produzir para o setor. Depois que o conflito terminou, algumas retornaram às suas atividades pré-guerra. Foi o caso das montadoras de automóveis. Outras incorporaram para sempre as novas linhas de produção. Das três maiores indústrias bélicas dos Estados Unidos, somente a Lockheed Martin foi concebida como uma empresa de guerra, em 1932. A Raytheon, fabricante dos mísseis Tomahawk, foi criada em 1922 para pesquisar substitutos de baterias de rádio. Em 1948, depois da guerra, ela já produzia mísseis teleguiados. Hoje, 91% de sua receita é exclusivamente de produtos de defesa. A Boeing, que começou como uma empresa de aviação civil em 1916, diversificou sua produção para sempre. Em 1941, entrou com tudo no esforço de guerra americano. A empresa foi uma das primeiras a utilizar mão-de-obra feminina, já que os homens tinham sido recrutados pelas Forças Armadas. Nos anos 50, numa inversão de propósitos, a empresa desenvolveu também mísseis para interceptação de aeronaves inimigas. Hoje, 40% de seu faturamento vem do setor de defesa e o restante da aviação comercial.

Robert Visser/ Corbis Sygma

Hangar da Lockheed Martin, no Texas: indústria bélica emprega 3 milhões
de pessoas nos Estados Unidos
Linha de montagem na Segunda Guerra: uso de mão-de-obra feminina

Randy Jolly/ Corbis

Newscom

Stealth (esqueda) e o Sea Blade: investimento de
45 bilhões para novos lançamentos
Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

ESG na essência

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame