Cena de Star Wars: recorde de bilheteria (Divulgação/Exame)
Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2016 às 14h53.
São Paulo — O americano Daniel Fleetwood, de 32 anos, morador do estado do Texas, descobriu há dois anos que tinha câncer. Em setembro, seu médico lhe deu a sentença de morte: ele teria no máximo mais dois meses de vida.
Foi quando Fleetwood começou na internet uma campanha para tentar realizar seu último desejo: assistir, antes da estreia nos Estados Unidos em 18 de dezembro, ao filme "O Despertar da Força", o sétimo da saga Star Wars.
Atores do filme sensibilizaram-se e apoiaram Fleetwood. A Disney, gigante do entretenimento que é dona da franquia, topou. O americano viu o filme em casa, no dia 5 de dezembro, e morreu menos de uma semana depois.
Em Los Angeles, na Califórnia, há dez dias da pré-estreia do filme, mais de 100 pessoas, todas com ingressos com lugares marcados, esperavam acampadas em frente a um conhecido cinema, o “Chinês”. O motivo do esforço? Honrar a tradição.
Explica-se: segundo o britânico Chris Taylor, autor de Como Star Wars Conquistou o Universo, livro sobre a saga que acabou de chegar às livrarias do Brasil, no lançamento do primeiro dos seis filmes da franquia, em 1977, uma fila de espera com muitas horas de antecedência se formou em frente a esse teatro.
De lá para cá, a cada lançamento, ficar na fila do cinema, por muito tempo, cristalizou-se como um ritual que muitos fãs fazem questão de seguir.
No Brasil, no dia 28 de novembro a Disney realizou na cidade de São Paulo a segunda Star Wars Run, uma maratona para promover O Despertar da Força. A direção da varejista Riachuelo foi surpreendida pelo volume de fãs da saga que invadiram sua loja na avenida Paulista, localizada no percurso da corrida.
A unidade foi a primeira da rede a colocar à venda 80 itens licenciados do filme, e vídeos disponíveis na internet revelam o empurra-empurra dos consumidores dentro da loja, desesperados para não sair dali de mãos vazias. Alguns chegaram a esperar por 4 horas até que a Riachuelo buscasse mais almofadas, lençóis e camisetas de Star Wars em outras unidades.
A varejista iniciou a campanha em toda a rede no dia seguinte. “Vendemos em uma semana o que esperávamos vender no mês: 70 000 peças”, diz Marcella Kanner, diretora de marketing da Riachuelo. Cada uma das três histórias, à sua maneira, ilustra a comoção que a franquia Star Wars, criada por George Lucas em 1977, é capaz de despertar nas pessoas.
Um sentimento que, antes mesmo do lançamento do filme, vinha se convertendo em números vultosos para a Disney. Ainda não há dados fechados, mas os cálculos indicam que a pré-venda de ingressos nos Estados Unidos ultrapassou 50 milhões de dólares e superou a de produções de peso, como Jogos Vorazes e Os Vingadores, este último também da Disney.
Embora não haja um ranking oficial, especialistas estimam que O Despertar da Força tenha tido a maior pré-venda da história. O site BoxOffice.com, especialista em números do mercado cinematográfico, afirma que o novo filme poderá bater o recorde de Avatar, que teve 2,7 bilhões de dólares em ingressos vendidos.
“Nossa expectativa para a estreia é altíssima, pois sabemos que é uma das franquias de maior sucesso de todos os tempos”, afirma, com certa modéstia, Andrea Salinas, vice-presidente de marketing da Disney no Brasil. Star Wars é, indiscutivelmente, a número 1.
Mas como bem faz lembrar o episódio na loja da Riachuelo, Star Wars, cuja receita acumulada de 1977 até 2014 era de 43 bilhões de dólares — à frente de fenômenos como Harry Potter, que já rendeu 25 bilhões de dólares —, não alcançou o topo apenas por causa da venda de ingressos.
Analistas de mercado estimam que, impulsionada pela exibição do filme, a Disney, seus licenciados e varejistas venderão 5 bilhões de dólares em produtos com a marca Star Wars em 2016. Para chegar a cifras tão elevadas, a empresa traçou um plano meticuloso para Star Wars.
Ele começou a ser executado assim que a Disney adquiriu a LucasFilm, produtora da franquia, em dezembro de 2012, que custou 4 bilhões de dólares e foi considerada pelo mercado financeiro uma pechincha. Um dos primeiros passos foi apaziguar os ânimos da legião de aficionados de Star Wars, que viram com desconfiança a aquisição da empresa de George Lucas.
O fundador saiu de cena e se transformou apenas num grande acionista da Disney. O estúdio, porém, logo anunciou que um novo filme de Star Wars chegaria aos cinemas em 2015 e que três novos longas-metragens seriam lançados até 2019 — hoje sabemos se tratar de mais dois da série, que compõem a terceira trilogia de Star Wars, e um filme centrado no mítico Han Solo, personagem de Harrison Ford.
A empresa anunciou também o lançamento de 20 livros com histórias ligadas à série. Dali para a frente, a tônica que a empresa adotou para permear o filme foi a do mistério.
Por isso, todos os fatos que se tornaram públicos sobre O Despertar da Força ao longo dos últimos três anos se transformaram em notícias bombásticas para os fãs.
Uma delas: George Lucas revelou em 2013, inadvertidamente em uma entrevista, que personagens cruciais da primeira trilogia da saga estariam de volta no sétimo filme: Harrison Ford, Mark Hamill, no papel de Luke Skywalker, e Carrie Fisher, como Princesa Leia.
Ao escalar para a nova produção esses atores, entre outros dos filmes antigos, a Disney quis dar ao público um sinal: o de que O Despertar da Força teria uma história envolvente e faria jus ao carisma dos três primeiros filmes de Star Wars feitos por Lucas — Uma Nova Esperança (1977), O Império Contra-Ataca (1980) e O Retorno de Jedi (1983).
Afinal, para o leitor que não é amante da saga vale informar que a segunda trilogia, filmada por Lucas nos anos de 1999, 2002 e 2005, foi duramente criticada pelos fãs. Mas há mais do que isso por trás da decisão da Disney de colocar a velha-guarda no filme novo.
“Para que a franquia tenha vida longa, esse filme precisará transferir as afeições do público para uma nova geração de personagens, e caberá ao velho elenco fazer essa ponte — resta saber se vai dar certo”, diz Henry Jenkins, professor na Universidade do Sul da Califórnia.
Jenkins foi durante 16 anos diretor do programa de estudos de mídia comparada do Massachusetts Institute of Technology e é um estudioso da relação de Star Wars com seus fãs.
A estratégia da Disney de explorar o mistério para suscitar a expectativa do público em relação ao filme teve seu ápice com a divulgação dos trailers e teasers — vídeos de curtíssima duração —, que começaram a ser exibidos em abril de 2014. Neles, quase nada é revelado sobre a trama. Em média, trailers revelam de 12 a 15 minutos dos filmes. Os de Star Wars duraram menos de 6 minutos de cenas.
Tanta discrição causou o barulho esperado. Somente nas primeiras 24 horas de divulgação na internet, o primeiro trailer de O Despertar da Força gerou 112 milhões de visualizações. No Twitter, ele foi o trailer de filme mais comentado do ano — com 17 000 mensagens postadas por minuto durante as 3 primeiras horas da divulgação.
Números como esses ajudam a explicar um fato curioso: a despeito de a Disney não ter revelado nada até agora sobre os investimentos feitos para propagandear o filme, a percepção do mercado é que o magnetismo da franquia permitiu ao estúdio investir menos do que a própria Disney havia desembolsado em outras produções de peso.
De acordo com um levantamento da consultoria iSpot.tv, nas primeiras semanas de anúncios de O Despertar da Força na televisão nos Estados Unidos, a Disney investiu 17 milhões de dólares. Outros grandes lançamentos do ano, como Mad Max e Missão Impossível, tiveram investimento de 30 milhões de dólares no mesmo período de tempo.
A Disney pode ter economizado nos recursos, mas não na atratividade das ações de marketing. Para aumentar o interesse por O Despertar da Força na China, país onde um filme da saga Star Wars nunca havia sido exibido nos cinemas, 500 atores fantasiados de stormtroopers — os soldados da tropa do mal da saga — marcharam na Grande Muralha.
Mas, em termos de ineditismo, nada se compara ao que o estúdio inventou para lançar os brinquedos licenciados do filme: no dia 3 de setembro, uma quinta-feira, a empresa transmitiu ao vivo, pela internet e em seus canais de TV, por 18 horas ininterruptas, blogueiros famosos em 15 cidades de 12 países desembrulhando pacotes com os brinquedos do filme.
À meia-noite do mesmo dia, 3 000 varejistas nos Estados Unidos abriram as portas e lojas online e deram início à venda dos produtos no mundo. Nos Estados Unidos, segundo a consultoria de varejo NDP, as vendas de brinquedos no dia seguinte à ação dos blogueiros aumentaram seis vezes a média semanal de faturamento dos produtos Star Wars.
A Disney, maior empresa de entretenimento do mundo, com faturamento de 50 bilhões de dólares anuais, é também a maior licenciadora do planeta. Os negócios relacionados às suas marcas movimentam 45 bilhões de dólares por ano. Se cair nas graças dos fãs, o novo filme deverá ajudar a empresa a aumentar essa cifra.
A miríade de personagens da saga — mais de 300 — ajuda numa das regras da matemática do licenciamento: mais personagens produzem mais brinquedos. Além disso, o que o estúdio não tem precisado fazer é insistir para que empresas atrelem suas marcas à da saga. Segundo a operação brasileira da Disney, até 2014, cinco empresas licenciavam 150 produtos da marca Star Wars no país.
Hoje, 50 companhias fabricam mais de 1 500 itens. Em média, os royalties pagos aos grandes estúdios flutuam entre 8% e 10%, mas os licenciados pagam à Disney, segundo um ex-executivo da empresa no Brasil, entre 12% e 14%. “O poder de barganha do estúdio tem crescido, e isso só deverá aumentar com o sucesso de Star Wars”, afirma o executivo.
Ainda na carona do filme, a Disney anunciou que a saga está sendo responsável pela maior expansão temática de seus parques nos Estados Unidos. Quando a nova área será inaugurada? Por enquanto, seguindo à risca a estratégia definida lá atrás para Star Wars, tudo relacionado ao assunto ainda é um grande mistério.