Paulo (atrás) e Cleiton de Castro Marques, da Biolab: limite para fazer aquisições (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 2 de abril de 2013 às 23h05.
São Paulo - A nostalgia vem e vai rápido, mas é perceptível na voz do empresário Fernando de Castro Marques ao lembrar o último Natal que passou com o irmão — e atual inimigo — Cleiton. “Foi em 2002, em São Paulo. Desde então, mal nos vemos.” Os irmãos passaram os últimos nove natais separados por uma rara combinação de rancor, rivalidade e o que parece ser ódio sem volta.
A família de Castro Marques é uma das mais poderosas da indústria farmacêutica nacional. Os irmãos controlam os laboratórios União Química e Biolab — sétimo e quinto maiores de capital nacional, respectivamente. Fernando manda na primeira; Cleiton, na segunda. Cada um usa sua empresa como fortaleza a partir da qual desfere petardos contra o outro. “Ele não é mais meu irmão”, diz Fernando.
A frase foi dita depois daquilo que ele considera um golpe dado por Cleiton, o acordo de acionistas para excluí-lo da Biolab sem pagar um centavo por suas ações, em junho. Cleiton alega que seu irmão “coloca em risco a continuidade da empresa”.
No dia 18 de setembro, a Justiça de São Paulo validou o acerto. Fernando vai recorrer. E uma das mais raivosas — e, por que não, tristes — brigas empresariais brasileiras não deve terminar tão cedo.
A recente decisão judicial em favor de Cleiton é o ápice de uma história de rivalidade que começou na adolescência. Em casa, os irmãos disputavam o posto de mais estudioso; fora, brigavam pelas mesmas namoradas e até torciam para times de futebol diferentes (Cleiton é palmeirense; Fernando é santista).
O pai, João de Castro Marques, já era dono da União Química. Dos seis irmãos, foram justamente Fernando e Cleiton aqueles que demonstraram maior interesse pelos negócios. Quando entraram para a empresa, a rivalidade se transformou numa disputa por poder.
Fernando, o mais velho, decidiu estudar à noite e, aos 19 anos, assumiu o comando da empresa — até hoje, credita a si próprio o sucesso do laboratório. Cleiton ficou com a administração das finanças. Paulo, outro irmão, assumiu a área industrial.
Em 1997, a família criou a Biolab, empresa independente, com estrutura acionária semelhante à da União Química e que hoje atua no segmento de remédios com prescrição. Sua criação foi fundamental para o racha na família: Cleiton e Fernando transformaram as empresas em seus feudos particulares.
A separação aconteceu em 2008, três anos após a morte do patriarca, quando a família tentou reunir as duas empresas. Na época, Fernando era presidente da União e também diretor administrativo da Biolab; Cleiton comandava a Biolab e era vice-presidente financeiro da União; e Paulo era vice-presidente industrial das duas.
Os três não conseguiram chegar a um acordo sobre a participação de cada um na nova companhia. Fernando era acusado pelos irmãos de só pensar em política: ele foi vice-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro e chegou a articular uma candidatura para a Câmara dos Deputados.
Enquanto isso, a Biolab, comandada por Cleiton, crescia muito mais que a União Química. Cleiton e Fernando acusam um ao outro de exigir doses incomuns de participação acionária para aceitar uma fusão. Em 2008, o negócio foi para o vinagre. Cleiton saiu da administração da União Química, e Paulo ficou a seu lado. Fernando pediu demissão da Biolab. E os irmãos não se falaram desde então.
Revitam x revita
Chegou-se, assim, à bizarra estrutura acionária das duas empresas hoje. Os irmãos inimigos têm participação tanto na Biolab quanto na União Química — e direito de vetar operações importantes, como fusões. O resultado é que tanto uma quanto outra não puderam comprar nenhum concorrente ou aproveitar o bom momento do mercado para vender a empresa em meio à onda de consolidação do setor farmacêutico nacional.
A receita da Biolab aumentou 49% entre 2009 e 2011. Fazia parte dos planos de Cleiton comprar empresas para crescer mais rapidamente e conseguir um sócio que colocasse mais recursos para investimentos — entre 2009 e 2011, chegou a negociar a venda de uma participação para o laboratório britânico GlaxoSmithKline e uma fusão com o concorrente brasileiro Aché, segundo executivos das empresas ouvidos por EXAME.
Mas nenhum projeto foi para a frente. Fernando pode vetar qualquer transação que supere 20 milhões de reais — e investidor nenhum quer entrar como minoritário numa confusão dessas. Os empresários também contestam na Justiça os produtos do outro. Em 2011, a Biolab entrou com uma ação para proibir a venda do suplemento vitamínico Revita Jr., da União Química. Alegou que é cópia de seu Revitam Júnior. Ganhou em primeira instância. A União Química recorreu, mas teve de retirar o produto das farmácias.
Até os concorrentes têm de se adaptar à briga. Na negociação para a criação da Bionovis, associação de laboratórios nacionais para produzir remédios biológicos, Cleiton e Paulo se recusaram a ser sócios de Fernando em mais um negócio. Chegaram a pedir a exclusão da União Química do projeto, o que não ocorreu.
Acabaram desistindo, o que deu origem a um novo grupo, a Orygen, que reúne Biolab, Cristália, Eurofarma e Libbs, e compete com a Bionovis. Estudos mostram que rachas como os dos Castro Marques são um dos principais riscos de empresas familiares. No ano passado, os irmãos tentaram resolver o impasse.
Cleiton contratou o banco BTG Pactual para vender sua participação na União Química, e o Deutsche Bank assessorou Fernando a negociar sua fatia na Biolab. Após seis meses, os irmãos não chegaram a um acordo sobre preço. Com a recente decisão judicial para excluir Fernando do capital da Biolab, a perspectiva de uma solução amigável se tornou ainda mais remota.
“Mas, cedo ou tarde, acredito que vamos chegar a um acordo”, diz Cleiton. Só se pode especular o possível efeito benéfico de um acordo para as duas empresas. Mal não faria: uma briga como essa, afinal, não faz bem a ninguém.