Revista Exame

A Europa tenta reanimar sua economia cambaleante

Com o PIB estagnado e o perigo de deflação rondando, o Banco Central Europeu lança mais um pacote para tentar estimular a economia do bloco


	O presidente do BCE, Mario Draghi: juros negativos para injetar dinheiro na economia
 (©AFP/Archivo/Johannes Eisele)

O presidente do BCE, Mario Draghi: juros negativos para injetar dinheiro na economia (©AFP/Archivo/Johannes Eisele)

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Da Redação

Publicado em 17 de julho de 2014 às 15h46.

São Paulo - O italiano Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), tem até agora um currículo que impressiona. Há quase dois anos, em julho de 2012, em meio ao temor de que a moeda europeia se esfacelasse, ele anunciou que faria o que fosse necessário para preservar o euro.

“Podem acreditar em mim, vai ser o suficiente”, bancou. Os investidores decidiram não pagar para ver, a pressão sobre os títulos de dívida de países europeus começou a cair e Draghi acabou ganhando o apelido de Super Mario, uma alusão ao famoso encanador de jogos de videogame.

No começo de junho, o presidente do BCE parece ter decidido conferir se seus poderes ainda estavam em pleno funcionamento. Para incentivar os bancos comerciais a injetar mais dinheiro na economia, Draghi inovou — e em grande estilo.

Instituiu uma taxa de depósitos negativa, o que significa que as instituições financeiras com recursos no BCE terão de pagar para deixar o dinheiro lá. Uma medida desse tipo nunca havia sido tomada por um banco central do tamanho do BCE. 

O grande medo que paira sobre a Europa hoje é o da deflação, processo de queda de salários e preços que, como mostrou o exemplo japonês, pode paralisar toda uma economia por anos.

“Este último pacote anunciado por Draghi sinaliza que a política monetária normal, que prevê cortes dos juros básicos da economia e empréstimos a bancos, esgotou-se. De agora em diante, o BCE adotará medidas heterodoxas para estimular o PIB”, afirma o economista dinamarquês Jacob Kirkegaard, do Instituto Peterson para Economia Internacional, com sede em Washington.

Por muito tempo, os economistas europeus se dividiram entre os “formigas”, que defendiam a austeridade para diminuir o nível de endividamento dos países, e os “cigarras”, a favor de menos rigor nos cortes orçamentários e mais estímulos para a economia.  

Para resumir uma longa história, os pró-austeridade prevaleceram e, após muitos cortes de gastos, as agências de classificação de risco acabaram elevando a nota dos títulos de dívida mais ameaçados pelos investidores.

No segundo trimestre de 2013, a zona do euro saiu da recessão. E, ao longo do ano passado, o investimento estrangeiro aumentou quase 15%. Desde então, as maiores bolsas de valores europeias entraram num clima mais otimista. 

Mesmo com todos esses avanços, porém, o fato é que a zona do euro ainda não respira aliviada. O desemprego aflige quase 19 milhões de pessoas e no primeiro trimestre deste ano o PIB cresceu apenas 0,2%.

Em outras palavras, o consumo rasteja, a economia se arrasta e os preços sobem num ritmo vagarosamente perigoso — nos 12 meses até maio, a inflação ficou em apenas 0,5%. Foi com esse pano de fundo pouco animador que Draghi decidiu partir para o ataque — para alguns de seus maiores críticos, uma ação tardia dada a gravidade da situação.

Teoricamente, a mudança na taxa de depósitos pode fazer com que os 120 bilhões de euros parados no BCE cheguem às mãos de pequenos e médios empresários, o que estimularia o consumo, daria ânimo à economia e reduziria os riscos de deflação. Na prática, não deve ser tão simples assim.

Muitos bancos europeus precisam melhorar a qualidade de seus empréstimos e enxugar suas carteiras de crédito. Por outro lado, achar um número considerável de empresários e consumidores dispostos a tomar dinheiro emprestado não deve ser tão fácil quanto se imagina. 

Seguindo o argumento de que não vai economizar munição, Draghi deixou claro que vêm mais estímulos por aí. A expectativa é que a Europa copie o quantitative easing, programa de recompra de títulos adotado pelo Federal Reserve, o banco central americano.

Chega a ser curioso o fato de a zona do euro ensaiar seguir por esse caminho justamente agora, quando os Estados Unidos estão na mão contrária.

No fim do ano passado, depois de injetar cerca de 2,8 trilhões de dólares, o Fed anunciou que começaria a diminuir a compra de títulos de longo prazo do governo e títulos lastreados em hipotecas em poder dos bancos. O processo ainda está em andamento, mas a direção é diametralmente oposta à europeia. 

Por ora, os economistas dos bancos de investimento interpretaram as medidas anunciadas pelo BCE quase como uma cartada. Ao sinalizar que pode injetar dinheiro barato na economia, o BCE quer que os investidores se adiantem aos fatos e vendam os euros que têm no bolso.

Com isso, segue o raciocínio, a moeda europeia se desvalorizaria, incentivando as exportações do bloco e alavancando o crescimento. Como ninguém aposta que venha por aí um programa de recompra de títulos digno do nome, o mercado, de forma geral, ainda permanece volátil, sem tomar o anúncio de Draghi como algo consumado. 

Mudança de ares

Além do novo ataque do BCE, a Europa tem visto um número maior de estímulos também de parte dos governos nacionais. Na Espanha, por exemplo, o primeiro-ministro Mariano Rajoy anunciou também no começo de junho um pacote de 6,3 bilhões de euros que será executado no segundo semestre.

O principal objetivo será baixar os impostos das empresas. “O impacto prático desse plano vai ser relativamente pequeno, mas pode ter efeitos positivos nada desprezíveis do ponto de vista psicológico”, afirma Carlos Solchaga, que foi ministro da Economia na Espanha de 1985 a 1993.

Na Itália e na França, a expectativa também é de maior ênfase nos estímulos. Pelos menos é o que têm sinalizado os primeiros-ministros Matteo Renzi e Manuel Valls.  

“A preocupação com um déficit fiscal excessivo ainda existe, mas parece estar se formando um novo consenso sobre a necessidade de  fazer a economia crescer logo”, diz o economista Eduardo Martínez-Abascal, professor de finanças na escola de negócios Iese.

As últimas medidas econômicas foram anunciadas logo depois que os eleitores dos 28 países-membros da União Europeia, desanimados com anos de crise econômica, davam 30% das cadeiras do Parlamento Europeu a partidos contrários ao projeto de integração.

Para o futuro da União Europeia, é bom que os governos nacionais e Super Mario ainda tenham uma grande capacidade de influenciar consumidores, empresários, investidores — e eleitores.

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