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À espera de prosperidade na região Norte

Obras de infraestrutura, fábricas, shopping centers. Depois de décadas de letargia, a Região Norte recebe um volume recorde de investimentos

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Quase 4 000 quilõmetros separam a sede da construtora e incorporadora Direcional, em Belo Horizonte, daquele que é hoje seu mercado mais promissor, a cidade de Manaus. De seu escritório na capital mineira, Ricardo Ribeiro, diretor comercial da empresa, lidera um grupo de 400 funcionários responsáveis por 16 projetos em andamento na maior cidade da Região Norte do país, com 1,8 milhão de habitantes. Por causa da distância, das chuvas e das dificuldades de transporte de materiais, cada um desses empreendimentos custa, em média, 20% mais que os projetos executados no Sudeste. Mas os executivos da Direcional garantem que as despesas extras têm valido a pena. A estreia em Manaus, em 2005, representou uma guinada na trajetória de 29 anos da companhia. Ao centrar fogo em projetos não só na capital do Amazonas mas também em outras cidades da Região Norte, como Belém, Marabá e Porto Velho, a construtora multiplicou por 10 seu faturamento nos últimos cinco anos - a previsão é que as receitas alcancem 700 milhões de reais em 2010. Quase 60% dos 650 milhões de reais lançados pela Direcional neste ano foram de projetos localizados nessas cidades. "Não imaginávamos todo esse potencial no Norte. Mas as oportunidades são tantas que recentemente ganhamos a companhia de grandes concorrentes, como Cyrela, Agre e Tecnisa", diz Ribeiro, que acaba de iniciar as obras de um shopping em parceria com a paulista JHSF.

Nos últimos anos, o mercado consumidor da Região Norte não atraiu apenas construtoras e incorporadoras. A região vive uma explosão de consumo que não se via desde os tempos áureos do ciclo da borracha, no início do século 20, quando suas principais capitais recebiam empresários e artistas vindos da Europa. Após essa fase, com exceção de projetos como o da Zona Franca, o Norte brasileiro entrou num longo período de letargia, longe do foco dos grandes grupos instalados no Sul e no Sudeste, e a região mergulhou num cenário de pobreza e atraso que ainda a caracteriza. Por décadas, para a maior parte dos homens de negócios, era simplesmente caro demais montar uma operação em cidades isoladas pela floresta tropical e cercadas por estradas esburacadas, e por uma precária malha de portos e ferrovias - isso quando havia algum tipo de acesso. Com um território semelhante ao tamanho do continente europeu e o menor PIB de todas as regiões brasileiras - 133 bilhões de reais, o equivalente a 40% do produto interno nordestino e a meros 9% do registrado no Sudeste -, os sete estados do Norte têm a segunda menor renda per capita do país e o segundo pior desempenho em educação (cada habitante frequenta a escola por 7,7 anos, em média, enquanto no Sudeste são 8,2 anos). Apenas 16% da população tem acesso à internet. Mas, sob diversos aspectos, a região entrou num ciclo de crescimento semelhante ao que foi visto, há alguns anos, no Nordeste e no Centro-Oeste. Segundo estimativas da consultoria Tendências, o Norte brasileiro deverá crescer dois dígitos em 2010, bem acima da média nacional - e deverá manter essa liderança até 2014, numa média de 6,8% ao ano -, um ritmo explicado em grande medida pela base de comparação atual. Embora a pobreza continue a ser um elemento onipresente na paisagem da região - algo que a chegada dos investimentos tende a ressaltar -, os números mostram um rápido movimento de ascensão social por parte da população. Desde 2005, 20% dos nortistas ascenderam das classes D e E para a C, entrando no mercado de consumo. Essa nova leva de consumidores fez dobrar os gastos da população com itens como alimentos e eletrodomésticos. "Diferentemente do que acontece no Nordeste, o crescimento do Norte não é impulsionado pela transferência de renda. A região tem uma população jovem e ativa, com 88% da renda proveniente do trabalho", diz Marcelo Neri, coordenador do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.

Um sinal claro dessa nova fase pode ser visto em Belém, capital do Pará. Durante mais de 15 anos nenhum grande centro comercial foi inaugurado na cidade. Em novembro do ano passado, o Boulevard Shopping abriu suas portas, trazendo 44 novas marcas, como Victor Hugo, Osklen, Renner e Saraiva. Todos os dias, as novas lojas atraem até 45 000 consumidores, volume que animou os executivos da carioca Aliansce, empresa responsável pelo projeto do shopping, a lançar em agosto seu segundo empreendimento em Belém, o Parque Shopping. Juntos, os dois projetos devem receber investimentos de 700 milhões de reais até 2012. "Já estávamos em todas as regiões do país e não podíamos mais ignorar o potencial de crescimento do Norte", diz Ewerton Visco, diretor regional da Aliansce.


O impulso para esse novo momento da Região Norte começou bem distante das cidades. Foi o avanço da pecuária, da soja e do milho em Rondônia e no sul do Pará que encurtou gradativamente as distâncias entre o Norte e o restante do país nas últimas décadas. Rondônia parece ser o exemplo máximo desse movimento. Até pouco tempo atrás, os rondonienses sobreviviam basicamente da exploração da borracha e da castanha-do-pará. Hoje, o estado reúne 12 milhões de cabeças de gado - numa incrível proporção de oito animais por pessoa. Localizados nos arredores das fazendas, os municípios rondonienses de Ji-Paraná e Ariquemes se transformaram em polos regionais de comércio, com ruas asfaltadas, concessionárias de veículos e redes de fast food. Mas o fator crucial para o recorde de crescimento do Norte é o movimento de construção de grandes obras de infraestrutura iniciado há poucos anos. Hoje, mais de 50 estradas, ferrovias, pontes, siderúrgicas e usinas estão brotando na região. O investimento nesses projetos chegou a 13,4 bilhões de reais em 2009. "A fase de aventura acabou", diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral. "A agropecuária e as grandes obras atraem novos investidores e devem garantir um crescimento sustentado para os próximos anos."

Infraestrutura

A chegada da rede de farmácias Pague Menos, uma das maiores do país, à cidade de Manacapuru, no Amazonas, é um exemplo desse processo. Com 86 000 habitantes, Manacapuru é o quarto maior município do estado, mas ficava separado da capital pelas águas escuras do rio Negro. A travessia entre as duas cidades era feita apenas por balsa - uma viagem que levava pelo menos 40 minutos e dificultava a chegada de qualquer grande rede varejista a Manacapuru. Esse problema deve ser superado a partir de dezembro, quando uma ponte de 3 600 metros, ligando Manaus à outra margem do rio, deve ser inaugurada, derrubando o tempo de travessia para 5 minutos. A iminente conclusão da obra estimulou a Pague Menos a fincar sua bandeira em Manacapuru - sua primeira farmácia na cidade deve ser aberta em janeiro de 2011. "A ponte vai levar progresso para a região, e eu não queria ficar fora desse barco", diz Deusmar Queirós, presidente da Pague Menos. Em Porto Velho, as obras das usinas de Santo Antônio e Jirau, a poucos minutos do centro da cidade, são as prin cipais responsáveis pelo crescimento nas vendas do comércio local, que chegam neste ano a um espantoso aumento de 31% em relação a 2009. O impacto das obras na economia de Porto Velho é direto. Apenas a usina de Santo Antônio paga salários anuais de 300 milhões de reais para 10 000 moradores da cidade. Outros 30 milhões são gastos em compras de insumos que vão de alimentos a cimento. Até 2015, quando estiver concluída, Santo Antônio terá injetado na economia de Rondônia o equivalente a um PIB anual do estado.

Mas em nenhum lugar do Norte a transformação provocada pelas grandes obras é tão evidente quanto no sudeste do Pará. Localizada a 700 quilômetros de distância da capital Belém, a região viveu um período de euforia com a exploração de ouro na mina de Serra Pelada, nos anos 80, época em que centenas de garimpeiros ficavam ricos da noite para o dia - e, depois, pobres do dia para a noite. Com a região, ocorreu algo parecido. Logo após o declínio de Serra Pelada, o sudeste paraense foi palco de constantes conflitos entre fazendeiros e trabalhadores sem terra, resultando em episódios como o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. A esperança de crescimento - e, quem sabe, futuro desenvolvimento - para a região está hoje depositada em grandes obras de infraestrutura. A cidade de Marabá, por exemplo, deve dobrar de tamanho até 2015, chegando a 500 000 habitantes. A 100 quilômetros de distância, Parauapebas, com 150 000 habitantes, projeta uma expansão parecida. Tudo graças aos investimentos maciços da Vale e de outras companhias na exploração de minérios e na construção de siderúrgicas e estradas de ferro. Em Parauapebas, nos grandes terrenos onde até pouco tempo atrás havia criação de gado, hoje surgem condomínios residenciais, concessionárias de veículos, e até um shopping center, projetado pelo grupo paulista Urbia. Previsto para ser inaugurado em março, o shopping vai ter as primeiras salas de cinemas do interior do Pará. Hoje, a única estrutura mais parecida a um cinema por ali é um auditório localizado dentro da unidade da Vale, no alto da serra de Carajás, distante 20 quilômetros do centro de Parauapebas.


O crescimento das cidades da Região Norte tem uma característica singular. Isoladas em meio à floresta, acossadas por chuvas torrenciais e castigadas por um calor infernal, elas sempre intimidaram os grandes grupos do país. Grandes redes de varejo, como o Pão de Açúcar, chegaram a tentar atuar na região, mas desistiram ao perceber que os custos envolvidos na logística do negócio não compensavam os investimentos. "Quem lidera a expansão do consumo no Norte são basicamente grupos locais, que conhecem os consumidores, e se adaptam melhor às adversidades", diz Adriano Pitoli, sócio da consultoria Tendências. O maior varejista do Norte é o grupo paraense Yamada, fundado em Belém em 1957, um dos raros casos de empreendedorismo local que ganhou peso na região. Até hoje nas mãos da família - apesar de inúmeras propostas de fusão e aquisição -, o Yamada fatura 1,3 bilhão de reais ao ano com 33 lojas na região metropolitana de Belém, que vendem de frutas a motocicletas. Nos últimos dois anos, o grupo iniciou sua expansão para o interior do estado. A unidade aberta em 2009 no município de Castanhal, por exemplo, tem três salas de cinema. Todas as lojas oferecem ainda pratos locais, como açaí e maniçoba, uma espécie de feijoada paraense, feita com carnes defumadas e folhas de mandioca cozidas. "É a diversidade e o apego aos hábitos locais que fazem nossos consumidores fiéis defensores da rede", diz Bernardo Yamada, diretor financeiro do grupo e bisneto do fundador, o imigrante japonês Yoshio Yamada. 

Pioneiros 

Assim como os Yamada, boa parte dos líderes de mercado na região não são empresários genuinamente locais, mas sim pioneiros, que decidiram desbravar a região quando o Norte não passava de uma imensa mancha verde no mapa do Brasil. A história do mato-grossense Erivelto Gasques, presidente do grupo City Lar, maior varejista de móveis e eletrônicos do Norte, é um exemplo. Fundada por seu pai em 1979 na cidade de Mirassol d’Oeste, no Mato Grosso, a City Lar abriu sua primeira loja na Região Norte em Manaus, em 1996, fugindo da concorrência das grandes redes nacionais, que começavam a se instalar em Mato Grosso e na vizinha Goiás. Hoje opera 96 unidades no Amazonas, em Rondônia, no Pará, no Acre e em Roraima. (Há cinco meses, a City Lar, dona de um total de 200 lojas, foi adquirida pela Máquina de Vendas, empresa resultante da fusão das redes Insinuante, da Bahia, e Ricardo Eletro, de Minas Gerais.) Para ganhar espaço na região, Gasques desenvolveu ao longo dos anos alguns macetes. Nada de TV de plasma na vitrine, por exemplo. "Afugenta a clientela", diz. O que atrai os consumidores do Norte, segundo ele, são tanquinhos e televisores de tubo, vendidos em até 24 prestações.

Fazer negócios na Região Norte, porém, exige mais do que a adaptação da linguagem e do portfólio aos consumidores locais. Para não sucumbir à falta de infraestrutura é preciso contar com doses extras de planejamento e com uma estrutura de custos peculiar. A City Lar, por exemplo, está construindo novos centros de distribuição em Manaus, em Porto Velho e em Boa Vista. Além disso, trabalha com estoques de até 90 dias - o dobro da média nacional para seu setor. "Se não tomar esses cuidados, posso ficar sem produtos nas lojas", diz Gasques. Além disso, as longas distâncias dos principais centros aumentam os custos com o frete. A Honda investiu 90 milhões de reais no último ano para fazer de sua unidade de Manaus a maior fábrica de motocicletas do grupo no mundo. Todos os dias, 7 000 motos deixam a unidade em direção aos principais mercados consumidores. Para chegar ao Sudeste, os produtos viajam cinco dias de barco até Belém e, depois, mais dez de caminhão em estradas esburacadas. Exportar para países vizinhos, como Peru e Colômbia, exige viagens de até 8 000 quilômetros, passando pelo canal do Panamá. "Gastamos 200 dólares para transportar cada motocicleta, duas vezes acima de nossa média global", diz Issao Mizoguchi, vice-presidente da Honda para a América Latina.


As chuvas diluvianas que caem na região obrigatoriamente têm de ser contempladas nos planos de negócios. Entre novembro e março chove tanto que fica impossível fazer qualquer trabalho ao ar livre. A construtora Direcional, por exemplo, inclui um atraso de pelo menos três meses no cronograma de cada empreendimento - o que encarece a obra em 20%. Em 2009, a francesa Alstom e a paulista Bardella quase desistiram de construir uma fábrica de comportas e pontes rolantes para abastecer usinas hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia, por causa das chuvas que inundaram completamente o canteiro de obras. As empresas precisaram improvisar uma gigantesca lona para cobrir uma estrutura de 33 000 metros quadrados - e passaram a trabalhar sob essa cobertura. "Nunca vi tanta água", diz o paulista Gustavo Almeida, diretor da IMMA, empresa formada pela Alstom e a Bardella a partir de um investimento de 100 milhões de reais e que fabrica 12 000 toneladas de equipamentos por ano.

Num estudo sobre o custo de fazer negócios na região da Amazônia Legal (que inclui os estados do Norte, além de Mato Grosso e Maranhão), obtido com exclusividade por EXAME, a consultoria paulista Macrologística calculou que, com investimento de 14 bilhões de reais em 71 projetos, o Norte resolveria seus principais gargalos de transporte pelos próximos dez anos. O problema é que algumas dessas obras, co mo a BR- 163, que liga Cuiabá a Santarém, começaram a ser feitas nos anos 70 - e nunca foram concluídas. "Sem finalizá-las, vai ficar mais difícil atrair novos negócios para a região", diz Olivier Girard, sócio da Macrologística. É o tipo de obstáculo que, para garantir um crescimento sustentado, a região terá de deixar de uma vez por todas para trás.
 

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