Anita Louise Regina Harley (--- [])
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h23.
Última atualização em 4 de julho de 2022 às 10h00.
Por décadas, o nome Casas Pernambucanas foi sinônimo de varejo no Brasil. Nos anos 70, quando atingiu seu ápice, o grupo chegou a operar mais de 1 000 lojas espalhadas pelo país, que faturavam então 1 bilhão de dólares por ano.
Em 2002, depois de longas disputas entre herdeiros, a Pernambucanas chegou a seu momento mais crítico: a rede foi reduzida a 238 lojas, com faturamento de 675 milhões de dólares e prejuízo de 12,5 milhões. Um drástico programa de reestruturação foi adotado e, em três anos, a receita voltou para o patamar do bilhão de dólares.
No lugar do prejuízo, registrou lucro de 19 milhões de dólares -- uma margem pequena, mas que representou um importante sinal de recuperação. Tal desempenho num setor altamente competitivo como o varejo transformou a Pernambucanas num alvo para algumas de suas concorrentes.
Há alguns meses, a Lojas Americanas sondou a empresa com uma oferta de compra -- proposta imediatamente repelida. Recentemente, outro ataque. A rede Riachuelo, do grupo Guararapes, tentou se aproximar para propor uma fusão das duas redes. Em vão. O fracasso das duas ofertas está diretamente ligado à figura de uma mulher alta, de meia-idade, acentuados traços germânicos e personalidade enigmática.
Trata-se de Anita Louise Regina Harley, uma advogada de nome aristocrático, bisneta do fundador do império comercial, Herman Lundgren -- imigrante sueco que desembarcou no Brasil no fim do século 19. Atualmente, Anita ocupa a vice-presidência do conselho de administração da empresa. Mas nada acontece na Pernambucanas sem o seu consentimento.
Para funcionários, fornecedores, consultores e diretores da Pernambucanas, Anita é praticamente uma lenda. Poucos são os que já a viram pessoalmente. "Em mais de 20 anos na companhia, vi a doutora Anita apenas duas vezes", diz um ex-diretor. No dia-a-dia da empresa, seu principal interlocutor é o executivo Toshio Kawakami. É ele (e apenas ele) quem leva as orientações de Anita ao restante do grupo.
Solteira e sem filhos, Anita vive há 30 anos num hotel -- o Ca'd'Oro, antigo reduto de milionários no centro de São Paulo, hoje marcado por certa decadência. Lá, ela ocupa um conjunto de três apartamentos, onde instalou aposentos e um escritório.
Apenas duas pessoas lidam com Anita no dia-a-dia: uma secretária e uma copeira com dedicação exclusiva. As suítes ficam ainda sob constante vigilância de dois seguranças. Em São Paulo, Anita raramente sai do hotel.
Por estar acima do peso recomendável, ela passou recente mente a sofrer dificuldades de locomoção. Nos últimos tempos, tem utilizado uma cadeira de rodas para facilitar deslocamentos. Quando não está em São Paulo, Anita se refugia na casa que tem em Recife, cidade onde nasceu e cursou a faculdade de direito. Em geral, passa três temporadas por ano em Pernambuco (todas com duração média de três semanas). Reservada, bastante reclusa, Anita não gosta de fotos.
A imagem que ilustra esta reportagem -- uma das poucas disponíveis -- foi feita em 1990, durante a premiação de Melhores e Maiores, de EXAME. Anita também detesta revelar sua idade. Mas pessoas próximas estimam que a todo-poderosa das Pernambucanas tenha entre 55 e 60 anos.
Quem é Anita Harley |
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Há tempos, a grande razão de sua vida é o comando da empresa fundada por seu bisavô. "A rede de lojas é o que de fato motiva o dia-a-dia e a vida de Anita", diz uma amiga próxima. O comando do grupo, aliás, causou desentendimentos na família.
O cargo de presidente hoje está nas mãos de seu primo Frederico Axel Lundgren, que disputa com ela a condução da rede. Por meio de um acordo, os dois se revezam no posto mais alto na hierarquia da Pernambucanas (cada um fica dois anos na presidência).
No entanto, apesar da participação de Frederico na empresa, Anita é quem de fato detém o poder, uma vez que o testamento deixado por sua mãe, Erenita Helena Groschke Cavalcanti Lundgren, antiga presidente da empresa, morta em 1990, garante à filha 50% do controle até 2010.
Hoje, além de seus cerca de 30%, Anita responde pelas ações de um grupo de sobrinhos, que passarão a ter voz nas decisões da companhia dentro de quatro anos. Frederico, hoje o maior rival de Anita na empresa, tem aproximadamente outros 30% de participação e não é sempre que consegue o apoio dos demais membros do conselho de administração.
Se poucas pessoas a conhecem de perto, seu temperamento difícil, por outro lado, ganhou notoriedade dentro e fora da empresa. Tom de voz grave, com fala forte e acentuado sotaque nordestino, Anita não faz o tipo diplomático.
Quando a consultoria Accenture foi contratada para planejar a reestruturação da companhia, Anita (por mais de uma vez, mas sempre através de ligações telefônicas) embaraçou os presentes dizendo-se contrária às orientações dos consultores. Fazia isso de um jeito franco, direto e sem rodeios.
O único que consegue contornar o temperamento de Anita é Toshio Kawakami. Tornou-se folclore no mercado uma tentativa de aquisição feita por uma das concorrentes há seis anos. Na ocasião, os executivos que fizeram a proposta ofereceram um prêmio aos herdeiros caso eles conseguissem convencer Anita a vender a empresa.
Entre amigos próximos da discreta comandante da Pernambucanas entrevistados para esta reportagem, há o consenso de que a estratégia foi equivocada. "Eles deveriam ter insistido com o Toshio. Ela só ouve ele", diz um deles. Procurados por EXAME, tanto a herdeira quanto os executivos da empresa não concederam entrevistas.
A Pernambucanas é provavelmente o maior fenômeno de sobrevivência do varejo brasileiro. O negócio conseguiu resistir a disputas dentro do clã Lundgren que quase o destruíram. A primeira grande cisão ocorreu em 1975 -- a fase de maior pujança. Naquela época, a empresa foi dividida por regiões -- São Paulo, Rio de Janeiro e Nordeste. Com administrações independentes, as empresas do Nordeste e do Rio de Janeiro faliram alguns anos depois.
A parte paulista do negócio, comandada pela mãe de Anita, sobreviveu à derrocada. Mas acabou perdendo mercado por resistir à modernização e seguir sustentada na venda de tecidos, o negócio que deu origem à empresa.
Segundo analistas de mercado, a companhia conseguiu crescer nos últimos anos porque redirecionou -- ainda a tempo -- o foco para os setores de utilidades domésticas, eletrônicos, confecções e artigos de cama, mesa e banho. "A virtude da Pernambucanas é operar com grandes lojas em cidades pequenas", diz Alberto Serrentino, da consultoria Gouvêa de Souza & MD. "Além disso, a rede tem lojas de rua, diferentemente das concorrentes, baseadas nos shopping centers." É com essa fórmula que a misteriosa Anita pretende conduzir a empresa e rechaçar a investida dos concorrentes.