Revista Exame

A crise econômica já dói no bolso dos executivos

A pesquisa exclusiva EXAME/Hay Group revela: seis em cada dez executivos não bateram suas metas no país. É o pior resultado dos últimos cinco anos

Lojas Marisa: estoques cheios, quedas consecutivas nos lucros e nada de bônus aos executivos (Alexandre Battibugli/Exame/Exame)

Lojas Marisa: estoques cheios, quedas consecutivas nos lucros e nada de bônus aos executivos (Alexandre Battibugli/Exame/Exame)

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Da Redação

Publicado em 21 de outubro de 2015 às 04h56.

São Paulo — A estratégia de expansão acelerada adotada pelos executivos da varejista de moda Lojas Marisa teve fôlego curto. Entre 2010 e 2014, a empresa abriu quase 200 novas lojas — uma expansão de 83% em sua rede. Nos três primeiros anos, tudo parecia dar certo — e o faturamento cresceu num ritmo anual médio acima de 10%.

O primeiro revés apareceu no balanço de 2013, quando o lucro líquido caiu 37% em relação ao ano anterior. Em 2014, mais uma queda, dessa vez de 61%. Naquele ano, as vendas também encolheram — queda de 2,6%. Segundo EXAME apurou, na tentativa de recuperar o crescimento, a companhia passou a lançar mais peças a preços baixos, o que fez cair ainda mais as margens de lucro.

A retração econômica ajudou a compor o cenário ruim para as finanças da companhia, comandada pelo empresário Márcio Goldfarb. Resultado: nada de bônus para os executivos. Os quatro diretores que embolsaram juntos uma bolada de 2,7 milhões de reais de incentivos de curto prazo em 2014 ficaram a ver navios neste ano, segundo relatório publicado pela Lojas Marisa.

Procurada, a companhia não deu entrevista. De acordo com a pesquisa EXAME/Hay Group com 4 131 executivos de 326 empresas — a mais abrangente sondagem da remuneração de altos executivos no Brasil, publicada pelo oitavo ano consecutivo —, 57% dos executivos não levaram bônus cheio neste ano. O bônus médio pago foi 8% menor em relação ao de 2014.

E 10% dos executivos não receberam um único centavo como incentivo de curto prazo, o pior índice dos últimos cinco anos (veja quadro ao lado). No caso dos presidentes, o índice dos sem-bônus é maior — chegou a 14%. Além dos executivos da Lojas Marisa, estão nesse time executivos de empresas como a de energia Cemig, a rede de laboratórios de diagnóstico Fleury e a siderúrgica Gerdau.

A pesquisa também mostra que ninguém teve aumento real. O salário-base dos ocupantes dos mesmos cargos nas mesmas empresas empatou com a inflação do período. “A expectativa já não era boa, com os primeiros sinais de recessão econômica”, diz Fabrizio Forti, responsável pela pesquisa da consultoria de recursos humanos Hay Group. “A realidade, porém, foi pior.”

É um baque para uma série histórica ascendente. Os executivos brasileiros tiveram um aumento acumulado de 161% na remuneração total desde 2007. Em 2011, o bônus médio pago para os executivos brasileiros ficou acima da meta — e chegou ao patamar de 103% da bolada prevista caso tivessem apenas batido o objetivo traçado.

Os dados deste ano, no entanto, não deixam dúvida. Os anos de bonança, definitivamente, ficaram para trás. Entre os casos mais críticos estão os setores de transportes e logística e de material de construção, nos quais que 66% dos executivos não bateram suas metas. Entre as siderúrgicas, 55% dos diretores ficaram aquém do esperado.

Na Gerdau, embora a receita líquida tenha subido 6,7%, o lucro líquido caiu 12,2% em 2014 em relação ao ano anterior. O maior golpe, no caso da empresa, foi a desaceleração da construção civil. “Os principais problemas da Gerdau têm sido a concorrência com os chineses e a desaceleração do setor industrial brasileiro”, diz Rafael Ohmachi, analista da corretora Guide Investimentos.

Os executivos sentiram o golpe no bolso, já que 60% da remuneração variável está vinculada diretamente aos resultados do negócio, e o restante ao desempenho indivi­dual. O principal indicador financeiro uti­lizado para mensurar o atingimento das metas é o Ebitda (lucro antes de juros, imposto de renda e contribuição social, depreciações e amortizações), que encolheu 10,9% na operação brasileira.

Toda a diretoria não recebeu nada como recompensa de curto prazo. No ano passado, seis diretores ganharam, juntos, 319 080 reais de bônus e 1,3 milhão de reais em ações. As exceções estão em setores como o de saúde e o de tecnologia, que demoraram mais para sentir os efeitos da crise econômica.

No segmento de serviços de saúde, os bônus foram os mais generosos entre todo o universo do levantamento do Hay Group — 60% dos executivos superaram as metas e levaram uma bolada acima do alvo. Na corretora de planos de saúde Qualicorp, três diretores embolsaram, juntos, 5 milhões de reais em bônus — além dos 11,5 milhões de reais da remuneração baseada em ações, como incentivo de longo prazo.

A recompensa foi cinco vezes melhor do que a paga em 2014. Na regra da meritocracia, os profissionais fizeram jus à bolada. A Qualicorp saltou 98 posições na lista das 1 000 maiores do país em vendas do anuário Melhores e Maiores, publicado por EXAME — e chegou ao 707o lugar em 2015. Num ano difícil, no qual as maiores empresas cresceram, em média, apenas 2%, o faturamento da Qualicorp aumentou 26%.

Procurada, a empresa enviou nota dizendo que o pagamento de bônus segue as melhores práticas do mercado. Um dado do estudo evidencia uma contradição: enquanto a média dos diretores financeiros foi penalizada — a remuneração total caiu 5% —, os diretores comerciais saíram ganhando, com crescimento de 12% no valor embolsado.

“Isso indica uma aparente desconexão entre o planejamento de cada departamento”, afirma Forti. Para evitar esse tipo de descompasso, a CPFL Energia, presidida pelo executivo Wilson Ferreira Júnior, criou há três anos um comitê responsável por garantir que as metas propostas em cada área da empresa sejam mensuráveis, igualmente desafiadoras e não entrem em conflito entre si.

No primeiro ano da iniciativa, o grupo formado por 11 funcionários dos departamentos de finanças, recursos humanos e planejamento estratégico da companhia limitava-se a sugerir mudanças. Agora o comitê tem poder de vetar as metas propostas por todas as diretorias. Entre os resultados está a redução dos custos gerenciais.

“O novo processo serve para evitar que, por exemplo, a área de engenharia defina uma meta agressiva de novas construções e investimentos, enquanto a área financeira tenha proposto a redução do endividamento e da estrutura de capital”, afirma Gustavo Estrella, vice-presidente financeiro e de relações com investidores da CPFL Energia.

Das 22 empresas do setor elétrico que participaram da pesquisa, 14 não atingiram os resultados esperados — pagando, em média, 79% do bônus-alvo no ano passado. Na CPFL Energia, no entanto, o bônus chegou a 121%. Apesar das dificuldades do setor, as receitas da CPFL cresceram 2,6% e o ­Ebitda avançou 6% em 2014.

“Esse tipo de grupo de trabalho para alinhar metas entre os departamentos não é comum, mas tem ganhado importância à medida que as empresas passam a adotar ferramentas de governança”, diz Alberto Mariani, sócio da consultoria paulista de governança corporativa Mesa.
Para 2016, as perspectivas não são nada animadoras.

Numa sondagem sobre as tendências para 2015 realizada pelo Hay Group, 68% das empresas disseram que esperam resultados piores para este ano. É provável que a crise acentue uma tendência — nos últimos três anos, metade das empresas da amostra mudou de presidente.

Nessas trocas em 2014, 52% dos novos ocupantes foram promovidos internamente por um salário 13% menor. Definitivamente, a fase do Brasil não anda mesmo das melhores.

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