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A corrida pelos biológicos no campo – e o Brasil na vanguarda

O Brasil lidera o uso e o desenvolvimento de insumos biológicos ­— uma tendência que coloca o país na vanguarda da revolução verde no campo

Atualmente, quase 30% da área produtiva recebe manejo com bioprodutos
 (Getty Image/Getty Images)

Atualmente, quase 30% da área produtiva recebe manejo com bioprodutos (Getty Image/Getty Images)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 25 de maio de 2023 às 06h00.

Para praticar a agricultura regenerativa e acompanhar a agenda ESG, o agronegócio precisa equilibrar o uso dos defensivos agrícolas químicos com alternativas biológicas. Nos últimos cinco anos, esses produtos deixaram de ser uma suposta alternativa à proteção de cultivos para se tornarem assunto estratégico entre produtores, indústrias e varejo. Hoje, quase 30% da área produtiva recebe manejo com bioprodutos. Surgiram, especialmente em fazendas com alto rendimento, os mipeiros, em referência ao manejo integrado de pragas (MIP), que após medições cuidadosas da lavoura, por vezes com uso de tecnologia infravermelha, aplicam o produto certo para o ponto exato onde a saúde da plantação precisa de reforço. Podem ser aplicados produtos biológicos e até insetos modificados geneticamente para aplacar uma praga no local. Ao final, gasta-se menos e se produz mais. O movimento não acontece à toa: companhias tradicionais buscam alternativas para a resistência que as doenças de planta criaram aos agrotóxicos. Também as varejistas de insumos estão ampliando o portfólio de biológicos na prateleira, respondendo a uma demanda crescente por parte dos agricultores. Além do quesito ambiental, os benefícios são financeiros. Trata-se de um mercado que deve triplicar até o final da década. Como em outros segmentos do agro, o Brasil está na vanguarda e tem tudo para ser dominante na fabricação e no uso de biológicos. 

Atualmente, 85% dos fertilizantes utilizados no país são importados, mas o governo federal pretende reduzir essa dependência em 50% até 2050. Impulsionada pela eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia e pela volatilidade nos preços dos fertilizantes, a discussão sobre a diminuição da dependência de produtos sintéticos fez nascer o Plano Nacional de Fertilizantes. Vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin aponta que a dependência nas importações custa 25 bilhões de dólares anuais aos cofres brasileiros. Por isso, defende o investimento em pesquisa e tecnologia. Enquanto isso, a pesquisa de novos produtos biológicos vem ganhando peso na iniciativa privada, incluindo empresas até então dedicadas às moléculas sintéticas. 

De 2018 a 2022, de acordo com a entidade CropLife Brasil, o mercado brasileiro de biodefensivos cresceu 62%, enquanto no cenário global a alta foi de 16% no período. Ao analisar a evolução da adoção entre as safras 2019/2020 e 2021/2022, o salto é ainda maior: crescimento de 219% no uso dos biológicos, segundo a consultoria S&P Global, movimentando 3,3 bilhões de reais em comercialização na temporada 2021/2022. Pela estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), isso significa que 28% do total da área plantada em 2021/2022 recebeu manejo com algum tipo de bioproduto, isto é, 85,7 milhões de hectares somando todos os tipos de culturas. Todo o restante da área produtiva é oportunidade de mercado.

Um levantamento da consultoria Fortune Business Insights constata que o mercado global de bioprodutos em 2022 foi estimado em 11,67 bilhões de dólares. Em 2029, ele deve representar 29,31 bilhões de dólares. Para chegar lá, Corey Huck, head global de biológicos da Syngenta, multinacional suíça voltada para a proteção de cultivos e biotecnologia, acredita que um dos fatores contribuintes será a sucessão familiar vista nas fazendas ao redor do mundo. “Os estudos estão avançando, estamos descobrindo as potencialidades. A próxima geração verá outro nível de eficiência nos biológicos, terá outra percepção sobre a adoção e investirá ainda melhor nessa ciência”, afirma. Ele pondera que é preciso consistência em políticas regulatórias para cada tipo de produto, como biopesticidas e biofertilizantes. “Tem de adaptar o regulatório para incentivar o biocontrole, a aprovação, ter revisão de eficácia”, diz Huck, ao considerar que o manejo sustentável é porta de entrada para falar de outras pautas ESG no campo. Um dos avanços já conquistados, ele compara, é o tempo de aprovação dos biológicos por parte de órgãos como o Ministério da Agricultura e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Enquanto os defensivos químicos levam cerca de sete anos, a versão mais sustentável é aprovada, na média, em 36 meses. 

(Arte/Exame)

Os produtores no Brasil, na Índia e nos Estados Unidos estão entendendo mais a eficiência dos biofertilizantes, o que tem feito esse mercado se consolidar também no setor das varejistas. Resultado da fusão entre Potash Corporation of Saskatchewan e a Agrium Inc., em 2018, a Nutrien Soluções Agrícolas é uma das principais fornecedoras de fertilizantes e produtos agrícolas do mundo e há quatro anos tem contribuído para aquecer o varejo brasileiro. “Para trabalhar significativamente no agronegócio global, é preciso estar no Brasil”, afirma Carlos Brito, CEO da Nutrien. Não por acaso, desde que chegou ao país, em 2019, a Nutrien fez oito aquisições para ampliar a presença física nos interiores. Com ampla atuação em produtos com base em nitrogênio, potássio e fosfato, as vendas dos biológicos ganharam proporção na estratégia da companhia, o que levou ao lançamento da própria linha Loveland Bio, na safra 2022/2023. A partir disso, a empresa canadense começou a oferecer sete produtos de biocontrole focados na cultura de soja e milho e, em 2022, vendeu mais de 200.000 sacas de sementes de soja, todas tratadas com soluções biológicas exclusivas. O objetivo é multiplicar a receita e alcançar mais de 20% do portfólio de defensivos agrícolas nos próximos anos. “O Brasil tem tudo para ser visto como a agricultura mais sustentável do globo. Com investimentos em infraestrutura corretos, não existe lugar melhor para estar do que no agro”, afirma Brito ao apontar que a agricultura de precisão é uma propulsora dos biológicos.

Essa é a lógica apresentada por Konstantin Kretschun, head global do Xarvio, plataforma digital de soluções da multinacional alemã Basf. Ele diz que a demanda por bioprodutos é crescente na Europa devido à pressão política, a exemplo do Green Deal — Acordo Verde Europeu para evitar o avanço do aquecimento global. E, para não haver novas aberturas de área, a aposta é usar tecnologias e dados para que os biológicos tenham ainda mais efetividade. “Não estou convencido de que, até o começo de 2030, mudaremos para 50% ou 60% de uso dos biológicos, e sim teremos uma simbiose e uma transparência entre o uso de ambos, objetivando descarbonizar a produção”, afirma. Everson Zin, head comercial da The Climate Corporation, pertencente à Bayer, acredita que o futuro será de uma agricultura de intensificação vertical, incluindo esse combo entre biológicos e tecnologias de manejo. Isso significa que aumentar a produtividade na mesma área exigirá insumos sustentáveis geridos à base da coleta de dados. “Vai haver uma série de tecnologias, como biológicos, biotecnologia e drones. Quando você começa a olhar a área com informações, esse vai ser o salto da produção sustentável”, diz. 

A urgência de cuidar do solo já bateu à porta, e o Brasil pode ser o campo de testes de defensivos e fertilizantes biológicos para o futuro. Governo, indústria e produtores terão de trabalhar lado a lado para não deixar a oportunidade escapar.

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