Revista Exame

Como a psicologia positiva consegue unir performance e humanização no trabalho

Método está atraindo cada vez mais pessoas e corporações com uma abordagem menos focada nas fraquezas e mais atenta às potências de cada indivíduo

Maria Helena Bragaglia: sócia da Demarest Advogados, implementou um programa semanal sobre felicidade no escritório durante a pandemia  (Leandro Fonseca/Exame)

Maria Helena Bragaglia: sócia da Demarest Advogados, implementou um programa semanal sobre felicidade no escritório durante a pandemia (Leandro Fonseca/Exame)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h29.

Última atualização em 14 de janeiro de 2021 às 11h22.

RESUMO

  • Universidades como Harvard e Yale vêm lançando luz sobre uma ciência até hoje pouco explorada: a psicologia positiva
  • Diferentemente da autoajuda, baseada em experiências pessoais e promessas, a psicologia positiva se apoia em dados para entender por que algumas pessoas são mais felizes
  • Empresas que não prezam pela felicidade de seus funcionários perdem talentos para a concorrência

Você não precisa ter sucesso para ser feliz, mas precisa ser feliz para ter sucesso. A frase com aparente verniz de autoajuda está no prefácio do livro O Jeito Harvard de Ser Feliz, do pesquisador e ex-professor da universidade Shawn Achor. Ele e o israelense Tal Ben-Shahar, também professor e pesquisador de Harvard, são os mais populares palestrantes e autores sobre felicidade do mundo. Seus cursos livres na renomada universidade bateram recordes de inscrição de 2014 a 2018, com cerca de 1.400 alunos matriculados a cada semestre.

O mesmo fenômeno solapou a Universidade Yale, também nos Estados Unidos, onde o curso sobre felicidade ministrado pela professora Laurie Santos se tornou o mais concorrido de lá, com mais de 1.200 alunos inscritos. O que esses pesquisadores de renomadas instituições vêm fazendo é lançar luz sobre uma ciência levada pouco a sério até então: a psicologia positiva.  

De lá para cá, o interesse pela temática cresceu — o conteúdo da academia foi parar em livros, palestras de TED e, finalmente, cursos à distância, como The Science­ of Well-Being da professora Santos — e se espalhou por todo o mundo, chegando com força ao Brasil. Por aqui, em 2019, o ex-executivo de multinacional Henrique Bueno abriu as portas da filial brasileira do Wholebeing Institute, organização educacional global dedicada a ensinar a psicologia positiva e que tem como cofundador o professor Ben-Shahar.

“Fiz o curso de formação de nove meses nos Estados Unidos, com os criadores do instituto, e dois anos de um mestrado em psicologia positiva em Londres”, conta Bueno, que explica do que se trata a ciência: “Durante décadas a psicologia atuou no sentido de ‘tratar doenças’, entender por que a pessoa está ansiosa ou depressiva e criar uma intervenção para trazê-la de volta à média. Até que alguns estudiosos olharam para além da média. Por que algumas pessoas são mais plenas, felizes, resilientes, positivas e até mais longevas e bem-sucedidas? Por que em vez de trazer as pessoas para a média não podemos pesquisar e entender o que existe de diferente nessas pessoas acima da média para ajudar outras a ter esse tipo de experiência?”

Cida Garcia: a consultora passou a usar a psicologia positiva para se relacionar com seus colaboradores (Beto Oliveira/Exame)

Autoajuda x ciência

Embora a literatura de autoajuda tenha se tornado um fenômeno de vendas, poucas pessoas admitem consumi-la. Existe um preconceito a respeito das fórmulas mágicas (embora vivamos sedentos por elas) que afasta pessoas mais racionais desse tipo de conteúdo. Mas Bueno explica que, diferentemente da autoajuda, geralmente baseada em experiências pessoais e promessas, a psicologia positiva se apoia em pesquisa, observação empírica de grupos de controle e ciência para levar ao coletivo ferramentas para construir uma realidade mais feliz.

“A gente cresceu acreditando que a felicidade está depois de algo: depois que eu tiver aquele emprego, depois que eu morar na praia, depois que eu ganhar aquele valor de salário, depois que eu me aposentar… Para a psicologia positiva, a felicidade não é algo estático. Não se trata de querer ser feliz o tempo todo, mas de aprender a viver bem aceitando a realidade, construir hábitos positivos para explorar todo seu potencial em qualquer momento”, explica.

Na tentativa de identificar que fatores ou comportamentos interferem nessa construção de felicidade, a psicologia positiva se debruça em estudos sobre o impacto de fatores como redes sociais, atividades físicas, gratidão e resiliência. Nesse caminho, vai atraindo profissionais de sucesso como o administrador de empresas Alexandre Magno Franca Reis e o executivo de supply chain e diretor de projetos de consultoria Manoel Carlos Martins e Silva, ambos com mais de 20 anos de carreiras consolidadas em grandes corporações.

“Após 24 anos liderando companhias globais de consumo massivo em bebidas e alimentos em diferentes países, passei por uma transição de carreira. Percebi a necessidade de me reinventar, reaprender e desenvolver novas habilidades. Foi quando fiz a especialização em psicologia positiva pelo Wholebeing Institute. Aprendi que é possível conciliar performance e humanização, resultado e gentileza. A experiência está sendo tão transformadora que acabei colocando em prática o projeto final apresentado e fundei uma startup na área de emagrecimento e saúde”, conta Reis.

Silva, por sua vez, passou por empresas como Ambev, Unilever, Natura, além de fintechs, mas sentia que apenas o papel de executivo bem-sucedido já não o satisfazia. “Precisava buscar ferramentas para viver de forma integral, atuando no meu melhor como pai, marido, filho, executivo, mentor, cliente, chefe, dono de casa, ser humano. As ferramentas que aprendi hoje fazem parte da minha vida através de um planejamento estratégico, tático e operacional. Ao final do curso desenhei uma agenda integrando mais de 20 das ferramentas aprendidas, colocando a psicologia positiva dentro da minha vida no dia a dia”, explica.

(Arte/Exame)

No ambiente corporativo

O RH das empresas e as pessoas em cargos de chefia começaram a perceber que estavam perdendo talentos para companhias que prezam pela felicidade de seus funcionários ou vendo queda de rendimento entre seus colaboradores, explica Bueno. Isso fez com que corporações como Demarest, Embraer, Coca-Cola, FCA, Exxon Mobil, Poder Judiciário e o Ministério Público do Estado do Paraná já tenham recorrido ao Wholebeing Institute para trabalhos ou palestras.

A advogada Maria Helena Bragaglia, sócia do escritório Demarest Advogados, decidiu depois de fazer o curso levar a felicidade como ciência a ser aprendida para o ambiente corporativo. “Foi logo no começo da pandemia. Eu percebi como as pessoas da equipe estavam sofrendo e acenei com a perspectiva de fazermos algo customizado para nosso time de colaboradores. Então, o Henrique Bueno estruturou um programa específico para o escritório, e durante algumas sextas-feiras, às 17 horas, tínhamos um encontro marcado com a ‘felicidade’.”

A The School of Life é outra organização global dedicada a desenvolver a inteligência emocional. Fundada em 2008, em Londres, pelo filósofo suíço Alain de Botton, chegou ao Brasil em 2013. De lá para cá, o instituto viu crescer a procura por parte de grandes corporações por seus cursos e palestras. Sebrae, Sesc, Natura, Facebook e B3 estão na lista das que já se relacionaram com a escola. Globalmente, seis temas-chave norteiam as ações da organização: autoconhecimento; relacionamentos; trabalho; calma; sociabilidade; e cultura e lazer. O aprendizado é aberto ao público em geral, mas a escola também dispõe de uma grade customizável para empresas com cursos relacionados a 20 habilidades emocionais.

A procura corporativa por workshops de habilidades emocionais na The School of Life cresceu 40% em comparação ao mesmo período de 2019. Nesse intervalo de tempo, a adaptabilidade foi o tema que mais se destacou, representando 30% do total de vendas. De agosto a outubro de 2020, as empresas também procuraram por workshops relacionados a comunicação, confiança, inteligência emocional, resiliência, propósito, criatividade e eloquência.

A procura pode ser explicada pela mudança no perfil de profissional que o mercado de trabalho passou a valorizar. Agora, além da exigência de que o colaborador seja tecnicamente competente, é esperado que ele também saiba cultivar relações interpessoais. “A aplicação da psicologia positiva nas empresas significa uma nova forma de relacionamento com os colaboradores, capaz de alavancar as potencialidades humanas ao grau máximo, pelo uso das qualidades e pelo fortalecimento da autoestima de cada um”, defende Cida Garcia, sócia da Coruja Consultoria, uma empresa de gestão estratégica de pessoas que também buscou especialização nessa vertente.

(Arte/Exame)

A má notícia é que nenhum desses cursos, instituições ou profissionais tem o segredo para uma vida feliz. Quando questionado em uma entrevista sobre o tal segredo, Tal Ben-Shahar respondeu que na verdade existem três respostas: realidade, realidade e realidade.

“Esse é o grande paradigma. A psicologia positiva não promete a felicidade. Pelo contrário, ela reconhece que não existe a vida perfeita, que a rea­lidade é dura e vai atingir você, mas ela também conclui que existem escolhas e comportamentos que você pode adotar a fim de produzir uma realidade um pouco melhor ou cada vez melhor agora.” Em um momento como este, em que ser feliz ou até mesmo enxergar uma perspectiva mais positiva pode parecer difícil, pode ser uma ferramenta bastante útil.        

 

De 0 a 10 quanto você recomendaria Exame para um amigo ou parente?

Clicando em um dos números acima e finalizando sua avaliação você nos ajudará a melhorar ainda mais.

Acompanhe tudo sobre:Ambiente de trabalhoFelicidadeSaúde no trabalhosaude-mental

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025