Guedes, da Economia: o distribuidor de jogadas que precisa voltar para ajudar a defesa | Aloisio Mauricio/Fotoarena
Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2019 às 05h44.
Última atualização em 19 de dezembro de 2019 às 10h17.
Em um time de futebol, é fundamental ter um bom meio de campo. É ali que se posicionam os jogadores responsáveis pelo volume de jogo, pelo ritmo e pela consistência do time. Equipes campeãs, em geral, têm jogadores memoráveis nesse setor. Claro, economia não é futebol. Mas, guardadas as devidas proporções, pode-se considerar Guedes, Tarcísio e Salim como o meio de campo criativo do governo Bolsonaro, o trio que poderá comandar o time para trazer a vitória, o campeonato e a alegria da torcida.
Considerando-se um mandato de quatro anos, acabamos de completar metade do primeiro tempo de jogo. Até aqui, esse meio de campo econômico não fez feio; mas seu desempenho é desigual, e num jogo difícil é preciso que todos rendam seu máximo. Paulo Guedes, ministro da Economia, é o maestro, o distribuidor de jogadas, o cérebro da equipe. Mas, em vez de se concentrar em suas funções ideais, tem precisado voltar para ajudar a defesa, porque a zaga tem se mostrado fraca. O ministro que une planejamento e implementação teve de se desdobrar no primeiro ano em defender projetos no Congresso e negociar com parlamentares, como no caso da reforma da Previdência ou dos projetos de emenda constitucional que estabelecem gatilhos para contenção dos gastos da União e eliminação de fundos públicos que amarram o Orçamento. Isso quando não teve de peitar membros do próprio governo, temerosos de lançar o time ao ataque.
Não há muita esperança de que em 2020 Guedes seja liberado desse papel. Mas é possível que ele se torne mais eficiente, mais ouvido — e, portanto, consiga levar adiante mais projetos. De certa forma, Guedes já se tornou mais humilde. Antes falava em goleada; ultimamente tem dito que uma vitória por 1 a 0 não está mal. “É melhor crescer menos do que crescer artificialmente”, afirma. Encerra o ano com otimismo, dada a revisão do crescimento do PIB de 2019 para mais de 1% e a estimativa de crescimento entre 2% e 2,5% para o ano novo.
Tarcísio Gomes de Freitas, o ministro da Infraestrutura, é um meio de campo que joga avançado, quase um ponta. Está no time desde quando ele caiu para a série B, no governo Dilma Rousseff. Em 2019, recebeu mais bolas — e correspondeu. Sabe driblar obstáculos (como quando incumbiu o Exército de realizar melhorias em estradas). E tem tudo para continuar nessa toada em 2020, com a previsão de 5.000 quilômetros de concessões de estradas, uma vintena de licitações de aeroportos (incluindo Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro) e o início da desestatização dos portos. Sua estratégia é típica de um engenheiro: atacar ponto por ponto os riscos percebidos pelos investidores. Isso e, claro, oferecer remunerações (taxas de retorno) compatíveis.
Quem não tem rendido tanto nesse meio de campo é o secretário especial da Desestatização, Salim Mattar. Em tese, deveria estar no ataque, pela outra ponta. Suas dificuldades, porém, são maiores. O governo tem participação em mais de 600 empresas, a opinião pública não é francamente favorável à privatização de alguns ícones estatais, há uma oposição considerável da burocracia. Com isso, poucos projetos avançaram. Mattar diz que o programa de privatização tem de ser feito de forma “cautelosa, gradual e sem destruir valor”. Seu primeiro grande teste no ano será a privatização dos Correios. Bem ou malsucedida, ela enviará uma forte mensagem sobre o que se pode esperar das privatizações.
POLÍTICA
Lula livre vai obrigar Jair Bolsonaro a cultivar uma qualidade que muitas vezes lhe falta: a sensatez | Ernesto Yoshida
Poucos minutos depois de o juiz da 12a vara federal de Curitiba expedir o alvará de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 8 de novembro, a conta do líder petista no Twitter postou um videoclipe anunciando: “Lula Livre”. O vídeo mostrava cenas antigas de Lula malhando em uma academia ao som de Eye of the Tiger, a música que embalava o boxeador Rocky Balboa no filme Rocky III, de Sylvester Stallone, nos anos 80.
O Lula que aparecia no vídeo estava visivelmente fora de forma, mas o Lula que deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba naquela tarde, após 580 dias de prisão, dá mostras de renovado vigor. Não somente pelo namoro com a socióloga Rosângela Silva, de 40 anos, com quem Lula, 74, pretende se casar em 2020, mas também pela disposição em assumir um papel que ninguém conseguiu exercer durante sua prisão: o de principal líder de oposição ao presidente Jair Bolsonaro.
Livre e solto, Lula tem repetido o discurso de que é vítima de uma “farsa judicial” e que nem ele nem o PT precisam fazer mea-culpa. Ele tem aproveitado todas as chances para criticar o governo: da alta taxa de desemprego ao avanço do desmatamento na Amazônia e à disparada no preço da carne. Bolsonaro, que em seu primeiro ano de governo não enfrentou uma oposição à altura — os maiores embates ocorreram por rixas internas —, tem adotado a estratégia de não confrontar diretamente Lula. “Não dê munição ao canalha, que momentaneamente está livre”, postou Bolsonaro no Twitter.
Não deixa de ser uma atitude esperta do presidente, que nada teria a ganhar com um bate-boca franco com um oponente mais hábil em falar em público. Lula fora da cadeia vai obrigar Bolsonaro a cultivar uma qualidade que muitas vezes lhe falta: a sensatez. O presidente terá de refrear o ímpeto de falar antes e pensar depois, como tem sido sua marca.
Mesmo fora da cadeia, Lula não pode se candidatar a nenhum cargo político por estar enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Em 2020, ano de eleições municipais, o desafio de Lula é reconstruir o PT, hoje apenas o décimo partido em número de cidades que administra no país. A dúvida é se, com discursos que acirram a polarização política, Lula conseguirá recolocar o PT como uma alternativa ao poder e ajudar a unir um país dividido. Não parece um caminho muito promissor.
CRISE FISCAL
O governador gaúcho tenta sanear as contas do estado e mira expressão nacional | Ernesto Yoshida
Em meados de novembro, a professora Clarissa Meroni de Souza publicou em sua página no Facebook fotos antigas de um grupo de ex-alunos do curso de arte e teatro de uma escola em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Entre os alunos estava Dudu, descrito por ela como um “lindo menino loirinho”, então com 11 anos. O menino em questão é Eduardo Leite, hoje com 34 anos e o mais jovem governador do país. No texto que acompanha as fotos, a professora se diz “paralisada por tamanha crueldade que esse senhor está fazendo” com sua profissão.
Clarissa não está sozinha. Leite chegou ao final do primeiro ano de mandato enfrentando greves de milhares de professores e de outros servidores públicos. A insatisfação se deve ao pacote de medidas enviado à Assembleia Legislativa em novembro para promover uma “reforma estrutural do estado”. As medidas incluem mudanças na Previdência — com o aumento das contribuições e da idade para aposentadoria — e no plano de carreira do funcionalismo, com o corte de gratificações e de outras vantagens.
A ex-professora de Leite tem o direito de estar indignada, mas o fato é que seu ex-aluno se mostra convicto de que está no caminho certo para equilibrar as contas públicas. O Rio Grande do Sul é, ao lado de Rio de Janeiro e Minas Gerais, o estado em pior situação fiscal. A folha de pessoal representa mais de 80% das despesas. Ela tem mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores na ativa (40%). O déficit previdenciário gaúcho foi de 12 bilhões de reais em 2019. A dívida com a União chega a 63 bilhões. Com o pacote de reformas, o governo espera economizar 25 bilhões de reais ao longo de dez anos. “As medidas não são simpáticas, mas são fundamentais para o futuro do Rio Grande do Sul”, disse Leite.
Ex-prefeito de Pelotas, Leite foi citado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como exemplo de renovação política e possível candidato presidencial em 2022 pelo PSDB. Se o plano de reformas de Leite der certo, o governador de São Paulo, João Doria, postulante a liderar o PSDB na próxima eleição presidencial, terá motivos para se preocupar.
ESTADOS UNIDOS
O bilionário Michael Bloomberg tenta chegar à Casa Branca como uma opção moderada dos democratas | Sérgio Teixeira Jr., de Nova York
Havia muito tempo que os Estados Unidos não passavam por um momento político tão turbulento quanto o de hoje. É certo que Donald Trump será indiciado no processo de impeachment que corre na Câmara (assim como é certo que ele será absolvido no julgamento do Senado). Paralelamente, os democratas preparam-se para votar nas primárias, o processo de escolha do candidato para a eleição presidencial de novembro de 2020. Por mais que os postulantes tentem se diferenciar com propostas, o que realmente interessa ao partido é encontrar um nome capaz de derrotar Donald Trump. Há pouco menos de um mês, um peso pesado entrou na disputa prometendo justamente isso: Michael Bloomberg.
Dias depois de anunciar sua candidatura, o bilionário gastou mais de 30 milhões de dólares numa blitz de anúncios de TV. Os comerciais de 60 segundos contam um pouco da história de vida de Bloomberg, um jovem de classe média que fez sua fortuna de mais de 50 bilhões de dólares com a agência de notícias financeiras que leva seu nome (a riqueza de Trump é de pouco mais de 3 bilhões de dólares). Bloomberg apresenta-se como um empresário que criou milhares de empregos, cumpriu três mandatos como prefeito de Nova York e agora quer chegar à Casa Branca para “reconstruir os Estados Unidos”.
As campanhas políticas americanas custam caro, e de saída Bloomberg já detém uma vantagem significativa em relação aos adversários. Só nessa primeira ofensiva de marketing na TV, ele gastou mais do que todos os outros pré-candidatos juntos no ano inteiro, com exceção de Tom Steyer, outro bilionário que disputa a indicação democrata. Mas Bloomberg, ao contrário do virtual desconhecido Steyer, é um nome de projeção nacional.
O senador Bernie Sanders é apontado como um dos favoritos nas pesquisas mais recentes e seu discurso contra a concentração de renda faz muito sucesso, especialmente entre eleitores mais jovens (Sanders se declara socialista). Mas o que deve preocupar o senador — e os outros pré-candidatos democratas — é mais do que o dinheiro da campanha de Bloomberg. O bilionário representa uma alternativa moderada e potencialmente mais palatável para o eleitorado americano.
A senadora Elizabeth Warren é outra favorita. Como Sanders, ela faz promessas que até pouco tempo atrás seriam impensáveis numa campanha eleitoral americana. Warren diz que vai criar um sistema de saúde universal e gratuito, algo que custaria centenas de bilhões de dólares. Também promete investigar, e potencialmente desmembrar, os gigantes do setor de tecnologia, como Google, Facebook e Amazon. Sanders e Warren representam as alas mais à esquerda do Partido Democrata, e muitos moderados temem que esse posicionamento se torne um suicídio eleitoral.
Bloomberg, eleito prefeito de Nova York pelo Partido Republicano, já vinha expressando preocupação com a deriva à esquerda dos democratas. No site oficial da campanha, o ex-prefeito se apresenta como “uma nova alternativa para os democratas”. Ele vai brigar pelo voto moderado dos democratas contra o ex-vice-presidente Joe Biden e contra Peter Buttigieg, prefeito da pequena cidade de Bend, no estado de Indiana, e único candidato abertamente homossexual da campanha. Biden, amplamente considerado o nome com as melhores chances contra Trump, vem enfrentando dificuldade de arrecadação e seu nome está envolvido no escândalo de toma lá dá cá com os ucranianos que precipitou a investigação do impeachment de Trump. Buttigieg, durante muito tempo considerado um azarão, tem pouca experiência política, mas suas credenciais intelectuais são impecáveis: ele estudou em Harvard e Oxford.
A campanha de Bloomberg será uma corrida contra o tempo. Como entrou tarde na disputa, ele vai pular os primeiros estados a votar nas primárias, como Iowa e New Hampshire. Estados maiores, como Califórnia e Nova York, serão seu foco. Ele também vai ter de prestar contas sobre seu passado. Numa era em que deslizes — de hoje ou de ontem — podem virar armas de destruição em massa nas redes sociais, Bloomberg certamente será questionado sobre declarações como a seguinte: “Se as mulheres quiserem ser apreciadas por causa do cérebro, deveriam ir à biblioteca, não à Bloomingdale’s [uma famosa loja de departamentos americana]”. A frase fazia parte de um livro de tiradas de Bloomberg compiladas por seus funcionários quase três décadas atrás.
Num evento recente em Nova York, ele se desculpou por uma tática da polícia da cidade em seus tempos de prefeito: parar e revistar suspeitos. Durante muito tempo, Bloomberg defendeu a política, apesar das alegações de que a imensa maioria dos cidadãos sujeitos a esse tipo de revista eram negros e latinos. “Eu estava errado. Peço desculpas”, disse Bloomberg. Resta saber que impacto terão algumas centenas de milhões de dólares, além das penitências públicas, em uma das eleições presidenciais mais importantes da história americana.
REINO UNIDO
Boris Johnson ganha força para liderar a saída da União Europeia, mas a negociação está longe do fim | Filipe Serrano
Quando ainda era jornalista, no início dos anos 90, o hoje primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, emplacou uma manchete no prestigiado jornal Daily Telegraph com uma reportagem afirmando que o principal prédio administrativo da União Europeia, em Bruxelas, seria implodido por causa do uso de amianto na estrutura, com riscos à saúde. Na época, Johnson trabalhava como correspondente na capital belga, onde se notabilizou por escrever reportagens exageradas — e até inventadas, como ele mesmo reconheceu — com críticas ao bloco europeu. Seus textos reforçavam a ideia de que a União Europeia tinha regulações demais que prejudicavam o Reino Unido, e são vistos hoje como uma semente do sentimento eurocético que levou o país a escolher a saída do bloco.
Passados quase 30 anos desde a manchete do jornal, o edifício da União Europeia continua de pé. E Boris Johnson entra em 2020 mais forte do que nunca para liderar o Brexit, nome como o processo de saída do Reino Unido da União Europeia é conhecido, após uma histórica vitória de seu Partido Conservador nas eleições parlamentares, em dezembro.
Sua missão é “finalizar o Brexit de uma vez por todas” (ou “get Brexit done”), frase que ele gosta de repetir e que foi seu bordão na campanha eleitoral. Mas o slogan soa como uma de suas antigas manchetes. Ainda que o Parlamento britânico aprove o acordo com a União Europeia até 31 de janeiro (a nova data marcada para a saída), o Brexit está longe de terminar. A relação entre o Reino Unido e a União Europeia entrará numa fase de transição, e os dois lados têm de negociar uma série de tratados, a começar por um acordo de comércio. Tende a ser um processo demorado e mais duro do que a negociação feita até agora, por mais que Johnson diga o contrário.
O imbróglio já custou o cargo de dois primeiros-ministros e causou prejuízos à economia. Uma estimativa do Centre for European Reform, com sede em Londres, indica que o produto interno bruto seria 2,9% maior hoje se o Reino Unido não tivesse optado pela saída, em 2016. Johnson, agora com mandato renovado e fortalecido, tentará evitar um prejuízo maior.
ALEMANHA
A protegida de Angela Merkel quer a chancelaria, mas falta convencer os alemães | Gabriela Ruic
Punho de ferro em luva de veludo. É assim que Annegret Kramp-Karrenbauer, protegida da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, descreve seu estilo como política. Até o momento, no entanto, vem dando golpes no vento. Não que ela não seja experiente: foi governadora do estado de Sarre de 2011 a 2018 e, em seguida, eleita secretária-geral do partido União Democrata-Cristã, o mesmo da atual chanceler, com 98% dos votos. Nos holofotes, ela ascendeu depois de Merkel anunciar que deixaria a liderança democrata-cristã e que não concorreria a um novo mandato como primeira-ministra. O espaço para Annegret estava aberto.
Chamada de “míni-Merkel”, apelido que já rechaçou publicamente, a política de 57 anos tornou-se, portanto, a favorita na disputa do partido pela chancelaria em 2021, quando Merkel sairá de cena. Sua bandeira é a de que vai revitalizar o partido, que vem perdendo eleitores jovens, basicamente por migração para os Verdes, e também uma parte dos conservadores, que optam pela extrema direita.
Mas, em vez de consolidar-se como a voz equilibrada que todos esperavam, Annegret perdeu capital político com polêmicas depois de criticar estudantes que se engajaram nos protestos contra as mudanças climáticas e ameaçar de censura youtubers críticos dos partidos alemães nas eleições para o Parlamento Europeu. O resultado foi sentido em sua popularidade. Em uma pesquisa de opinião divulgada em novembro, 65% dos alemães disseram que não estão satisfeitos com a postulante a líder alemã. Foi a maior reprovação entre 12 figuras do país avaliadas. Merkel, inclusive.
Em outra sondagem, na qual os entrevistados foram perguntados sobre quem escolheriam para o cargo de primeiro-ministro, Annegret não venceu em nenhum cenário. Não é um bom começo, mas há tempo. Recém-nomeada ministra da Defesa, ela ganhou uma nova chance em 2020 para mostrar que tem competência para suceder à colega. A largada foi dada.
ARGENTINA
De perfil moderado, Alberto Fernández tem o desafio de governar sem depender de sua vice | Marcia Carmo, de Buenos Aires
Herdeiro político do ex-presidente Néstor Kirchner, o advogado Alberto Fernández, fã de rock argentino, dos Beatles e de Bob Dylan e com fama de “homem de diálogo”, tem um desafio crucial pela frente. Além de enfrentar a grave crise econômica e social do país, Fernández terá de construir o próprio perfil como presidente da Argentina, independente da mentora e pilar de sua candidatura, a vice-presidente, ex-presidente e senadora Cristina Kirchner.
A tarefa não é fácil. Mas seus primeiros discursos, em tom moderado nos primeiros dias desde a posse como presidente, em 10 de dezembro, mostram que ele busca uma imagem própria de autoridade, bem diferente do estilo político de Cristina. Já no dia da posse, diante de uma multidão na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, sede da Presidência, Fernández pediu aos apoiadores que parassem de vaiar quando ele citou o ex-presidente e adversário político Mauricio Macri. “Não, não”, pediu, com voz tranquila, enquanto caminhava sobre o palco, observado por Cristina.
Portanto, os primeiros atos de Alberto Fernández, de 60 anos, que gosta de terminar suas noites em casa tocando violão e cantando, são os de um equilibrista num país acostumado à profunda divisão ideológica entre peronistas e não peronistas e que está numa corda bamba na economia.
Seu mandato, no entanto, começa com uma dúvida sobre qual será a influência de Cristina -Kirchner no governo. Viúva e sucessora de Néstor Kirchner, Cristina optou por ser vice-presidente em razão de seu desgaste político. Com uma série de processos na Justiça, ela é conhecida pela personalidade forte. No dia da posse, fez questão de virar o rosto na hora de apertar a mão de Macri. O temperamento foi um dos motivos que levaram Fernández a deixar o cargo de chefe de gabinete de Cristina em 2008, menos de um ano depois de ela ter assumido.
Na política externa, o novo presidente argentino também precisará ter equilíbrio. Ele recebeu Evo Morales como refugiado, mas o chanceler Felipe Solá ressaltou que o ex-líder boliviano não pode fazer declarações políticas. Outro desafio é se entender com o presidente Jair Messias Bolsonaro. Alberto Ángel Fernández tem dito que a relação entre os países “supera diferenças pessoais”. Falta ver como o elo entre líderes com nomes bíblicos se dará na prática, especialmente nas negociações comerciais. E com Cristina atenta aos gestos do companheiro de poder.
ATIVISMO
Serena Williams usa o poder da celebridade para se tornar voz ativa na defesa de direitos | Sérgio Teixeira Jr., de Nova York
Em setembro passado, Serena Williams mais uma vez chegou muito perto de seu 24o título de Grand Slam, feito que a deixaria empatada com a australiana Margaret Court no ranking das maiores campeãs da história do tênis. Mas o título do US Open de 2019 ficou com a canadense Bianca Andreescu, de 19 anos. Pelo segundo ano seguido, os fãs foram embora do estádio desapontados — em 2018, Serena também perdera a final.
Alguns começaram a questionar sua saúde; outros, sua motivação. Serena estaria com a atenção dividida entre as quadras e a filha Alexis, de 2 anos. Mas o comentário que mais chamou a atenção foi o de Billie Jean King, uma das maiores lendas do tênis americano. Billie afirmou que, se Serena quisesse voltar a ganhar, deveria se concentrar mais no tênis do que no ativismo. A resposta de Serena foi fulminante como sua direita: “O dia em que parar de lutar por igualdade será o dia em que estarei no túmulo”.
Aos 38 anos, Serena já tem lugar garantido na lista dos maiores atletas de todos os tempos. Nos últimos anos, ela vem usando o poder da celebridade — e os quase 12 milhões de seguidores no Instagram — para se tornar uma voz ativa na defesa dos direitos das mulheres e dos negros. Uma de suas causas prediletas é a da saúde das mães. Depois do parto, uma cesariana de emergência, ela teve embolia pulmonar e voltou imediatamente para a sala de cirurgia. Serena sabe que poucas mulheres têm o mesmo privilégio que ela, com acesso aos melhores cuidados médicos. “Todas as mães merecem uma gravidez e um parto saudáveis”, diz Serena, que é uma das embaixadoras da Boa Vontade do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância.
O ativismo também se manifesta por meio do fundo Serena Ventures. Criado há cinco anos, já investiu em mais de 30 startups, muitas delas de mulheres. Serena é também uma voz sempre ouvida quando se fala em igualdade de remuneração entre homens e mulheres atletas. No início de 2019, quando as jogadoras da seleção americana de futebol feminino processaram a federação do país exigindo salários iguais aos da seleção masculina, Serena foi uma das primeiras a apoiar as jogadoras.
VAREJO
Michael Klein voltou à Via Varejo e tem muito a fazer. Os concorrentes não vão esperar | Mariana Desidério
O varejo dever ser um dos destaques da economia brasileira em 2020. A alta esperada, de 5,5%, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, pode ser a maior em sete anos. Um potencial protagonista dessa retomada é o veterano Michael Klein, de 69 anos. Em junho, ele retomou o controle da Via Varejo, fundada em 1952 por seu pai, Samuel Klein, e dona de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra.com. A empresa foi vendida em 2009 ao Grupo Pão de Açúcar, que em 2016 anunciou o interesse em se desfazer do negócio. Foram anos em busca de um comprador, período em que a operação ficou às traças.
A companhia disputa o posto de maior varejista de eletrodomésticos e eletrônicos do país. Tem 1 061 lojas, ante 1.039 do principal concorrente, o Magazine Luiza. As duas empresas têm faturamento similar. Mas, enquanto o Magazine Luiza teve lucro de 754 milhões de reais em nove meses até setembro, a Via Varejo perdeu 447 milhões. Na bolsa, o Magalu vale 79 bilhões de reais; a Via Varejo, 14 bilhões. Os investidores estão animados com a possibilidade de encurtar a distância: da retomada do controle por Klein até 16 de dezembro, as ações da Via Varejo haviam subido 130%. Além da experiência, Klein pode trazer investimento à empresa: está na fase final de negociação para a venda de galpões avaliados em cerca de 2 bilhões de reais.
Ainda não se sabe o destino desse dinheiro, mas a empresa precisa muito. A nova diretoria, comandada pelo executivo Roberto Fulcherberguer, divulgou que 600 lojas estavam com aparelhos de ar condicionado quebrados e havia 7.000 computadores velhos. Há ainda uma investigação sobre indícios de fraude contábil nos resultados, que pode passar de 1 bilhão de reais. Enquanto Klein e sua equipe fazem o básico, a concorrência avança. A Amazon anunciou a instalação do quarto centro de distribuição no Brasil, em Pernambuco. O Mercado Livre planeja investir 3 bilhões de reais no país em 2020. O Magazine Luiza investe para se transformar num superaplicativo, com serviços e varejo integrados. A barra para Klein está lá em cima.
TECNOLOGIA
À frente da Alphabet, Sundar Pichai será o segundo indiano no olimpo da tecnologia | Lucas Amorim
Uma nova geração está chegando ao comando dos gigantes da tecnologia. E, assim como aconteceu em 2014 com a Microsoft, quando Satya Nadella assumiu a presidência da empresa, um novo prodígio indiano estará sob holofotes em 2020. Trata-se de Sundar Pichai, anunciado no início de dezembro como o novo presidente da Alphabet, a companhia dona do Google. Os dois fundadores do conglomerado, Larry Page e Sergei Brin, divulgaram um comunicado em que anunciam que passarão a atuar apenas no conselho de administração e vão assumir o papel de “pais orgulhosos”. Eles continuarão donos de 41% das ações com poder de voto na Alphabet.
Proveniente de uma família de classe média de Madurai, na Índia, Pichai juntou as economias para fazer um mestrado em engenharia de materiais na Universidade Stanford, na Califórnia. Trabalhou na consultoria McKinsey antes de chegar ao Google, em 2004, e ser escolhido em 2016 para assumir a presidência da companhia. Em 15 anos, ajudou a criar e a impulsionar produtos de sucesso, como o navegador Chrome, o pacote Drive, o Gmail e o navegador Android. São itens tidos por investidores como a espinha dorsal de uma empresa que, incentivada pelos fundadores, passou a apostar em negócios arriscados demais, como carros autônomos, balões para levar internet a áreas remotas e lentes inteligentes. Os novos negócios da Alphabet fecharam o último ano com prejuízo de 3,4 bilhões de dólares, ante um lucro de 36 bilhões do Google.
O maior desafio de Pichai vai ser distinguir o que é distração do que é de fato essencial para a empresa continuar se reinventando. A dependência da publicidade para obter as receitas é vista como um risco do conglomerado no longo prazo. Pichai também assumirá a defesa pública de uma empresa cada vez mais pressionada por reguladores que a acusam de concorrência desleal e de influência política. À frente da Microsoft, Nadella conseguiu a confiança do fundador, Bill Gates, e direcionou a criadora do sistema operacional Windows para inteligência artificial e computação em nuvem. Nessa toada, fez da empresa a mais valiosa do mundo no início de 2019. A EXAME, Nadella alertou para a “ilusão de que o sucesso dura para sempre”. Poderia servir de aviso para Pichai — e para a Alphabet.