Revista Exame

Com marketing multinível, a Hinode avança na batalha da venda direta

Na disputa pelo mercado de cosméticos, as principais empresas do setor, como a Hinode, capricham nos prêmios para atrair e reter revendedores

Kelly Rodrigues, consultora de vendas da Hinode: renda de 80.000 reais por mês (Alexandre Battibugli/Exame)

Kelly Rodrigues, consultora de vendas da Hinode: renda de 80.000 reais por mês (Alexandre Battibugli/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h32.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h18.

Quatro cruzeiros pela costa brasileira. Duas viagens para Cancún, no México, e duas para a Disney, nos Estados Unidos. Uma hospedagem em um resort. Um passeio até a Espanha e a França. Dois carros zero-quilômetro. Esses foram os prêmios por desempenho que a paulistana Kelly Rodrigues, de 41 anos, recebeu ao longo de cinco anos de trabalho como consultora de vendas da empresa de cosméticos e produtos de higiene Hinode. Kelly faz parte de uma legião de 850.000 consultores que ajudaram a empresa a faturar 2,7 bilhões de reais em 2018 — ante 1,5 bilhão no ano anterior.

A Hinode pratica o chamado marketing multinível, no qual cada consultor ganha uma comissão sobre a venda realizada pela equipe de revendedores que conseguir arregimentar. Sob seu guarda-chuva, Kelly tem hoje um grupo de 5.000 revendedores subordinados, garantindo uma renda média de 80.000 reais por mês. A consultora, que no início buscava apenas ter uma renda extra, acabou transformando essa atividade em seu negócio em tempo integral. “Depois de dois anos vendendo para a Hinode, encerrei minha agência de serviços via internet e passei exclusivamente a multiplicar minha rede de consultores”, diz Kelly. “Quando repasso a oportunidade de venda para outros, melhoro a possibilidade de lucro deles e ganho um percentual.”

Os números e os prêmios conquistados por Kelly enchem os olhos, mas ela é uma exceção. A Hinode não informa a receita média dos consultores, mas, com base no faturamento da empresa e no número anunciado de revendedores, é possível estimar que cada um ganha, em média, menos de meio salário mínimo por mês.

Mas aqui está o pulo do gato da Hinode: nem todos os consultores são, de fato, revendedores dos produtos da marca, mas consumidores finais. Isso porque muitos consultores fazem o pedido mínimo de 360 reais de produtos — que incluem não apenas cosméticos mas também itens de higiene pessoal, vitaminas e café — para consumo próprio, por preços abaixo do mercado, e os revendem quando encontram uma oportunidade de repassá-los a outras pessoas com uma margem de lucro de até 100%. “Os consultores vendem os produtos pelo dobro do preço que compram de nós”, afirma Eduardo Frayha, vice-presidente de vendas da Hinode. “É um modelo que permite aumentar o lucro da empresa e dos vendedores.”

Com esse sistema, a Hinode — negócio que nasceu na garagem da família do presidente Sandro Rodrigues em Lauzane Paulista, um bairro da zona norte de São Paulo, há 30 anos — transformou-se num gigante que incomoda outras empresas de cosméticos. Além do exército de consultores, a marca conta com 450 franquias Brasil afora para entregar produtos exclusivamente aos revendedores. Em dezembro do ano passado, a Hinode deu uma demonstração de força ao juntar cerca de 45.000 pessoas, entre consultores e franqueados, na arena Allianz Parque, onde realizou sua convenção anual — um evento para premiar os melhores revendedores, lançar produtos e promover a marca.

O modelo de marketing multinível da Hinode é apenas um dos tantos realizados por empresas que trabalham com vendas diretas, sistema no qual os produtos são vendidos no corpo a corpo com os consumidores, sem a mediação de um estabelecimento. Estima-se que cerca de 4 milhões de pessoas trabalhem com esse tipo de comércio no Brasil. Em 2017, as vendas diretas geraram uma receita de 45 bilhões de reais no país — o setor de cosméticos detém a maior fatia desse bolo, com 55% do total.

Mais do que atrair, o desafio das empresas que atuam nesse negócio é reter a força de vendas. Entre os consultores, 63% vendem produtos com o objetivo de ter uma renda complementar e, muitas vezes, trabalham com mais de uma marca. “Os consultores, apesar de autônomos, precisam ser motivados”, diz Adriana Colloca, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd). “A diferença é que, na venda direta, o contato com o consultor depende de uma estratégia de marketing, pois é preciso elaborar um bom plano de incentivo para que eles vendam mais e melhor.”

No Brasil, 41% da população que exercia alguma atividade remunerada em 2017 se encontrava na informalidade. Para atrair parte desse público a atuar na venda direta, a chave tem sido uma combinação adequada de produto de qualidade com marca forte e oportunidade de renda. Segundo Claudio Fazzinga Oporto, presidente da consultoria Phi Nautilus, em uma sociedade como a brasileira, vender produtos de porta em porta é importante especialmente nas classes C, D e E, nas quais um grande número de mulheres não consegue um emprego por falta de escolaridade ou até mesmo porque seu companheiro a proíbe de trabalhar fora de casa. “Muitas vezes, ele não quer que sua mulher tenha um emprego, mas não vê problema se ela vender uma maquiagem enquanto toma café com as vizinhas”, diz Oporto. Para muitas mulheres que vivem essa realidade, é uma brecha a ser aproveitada. “A sensação de pertencimento a uma comunidade e a independência financeira são imensuráveis para essa consultora.”

Na fabricante de cosméticos Avon, a bandeira da liberdade financeira para a mulher é agitada há mais de 100 anos. Para continuar cativando sua força de vendas, a empresa estruturou um programa de carreira no qual a consultora pode se tornar uma líder que prospecta novas revendedoras e, posteriormente, ser contratada como funcionária da Avon na posição de gerente de setor ou gerente de vendas, que coordenam o trabalho das revendedoras e auxiliam nos pedidos e nos treinamentos em diferentes áreas. “Elas são determinantes para nosso negócio”, diz Danielle Bibas, vice-presidente de marketing da Avon. “Nosso esforço é mostrar que é possível crescer e gerar benefícios para todos.”

Loja da Natura: consultoras recebem ajuda da marca para a gestão do ponto físico | Germano Lüders

Diferentemente da Hinode, a Avon e a Natura praticam o marketing mononível — é o modelo tradicional, em que um consultor recebe comissão apenas sobre as próprias vendas (outra empresa do setor, O Boticário, foi procurada por EXAME, mas não deu entrevista). Para evitar a perda de consultoras em razão do aumento da concorrência, a Natura adotou há dois anos um sistema que classifica as revendedoras em cinco categorias — a cada degrau, crescem a margem de lucro e os benefícios. Ao mesmo tempo, acelerou a digitalização — as consultoras podem vender por meio de um site, sem sair de casa.

Com isso, a Natura busca recuperar sua equipe de vendas — hoje tem 1,7 milhão de consultoras, ante quase 1,9 milhão no fim de 2015. A renda média delas também melhorou: o valor não é revelado, mas a empresa afirma que houve um aumento de 12% no ano passado. “Oferecemos uma série de ferramentas para a consultora conectar-se com os consumidores e atender ainda mais ao propósito da marca, aliado à sustentabilidade do negócio”, diz Erasmo Toledo, vice-presidente de venda direta da Natura.

Uma prática que está se tornando comum para as marcas de cosméticos que atuam com venda direta é a criação de um ponto de venda físico. Enquanto a Hinode tem franquias que servem de ponto de contato apenas com revendedores, a Avon e a Natura se apoiam em pequenas lojas criadas espontaneamente pelas consultoras — e muitas vezes multimarcas. De olho nesse movimento, a Natura começou há dois anos a oferecer apoio para organização de estoque, gestão de pessoas e mudança na fachada para destacar sua logomarca. Com essa iniciativa, a empresa conseguiu conquistar a exclusividade em muitas lojas. No final do ano passado, 90 das então 130 franqueadas escolheram vender apenas produtos da marca.

Na corrida pela atenção das consultoras, é importante também a agilidade no pós-venda. “A digitalização criou novos métodos de trabalho”, diz Adriana, da Abevd. Se as empresas investem em aplicativos para que o pedido possa ser feito a qualquer hora, é preciso também um esquema rápido de entrega, e as lojas se tornaram pontos de retirada dos produtos. “Antes, o comprador entendia que precisava esperar a data certa para pedir e receber a encomenda. Agora, ele quer tudo rapidamente”, diz o consultor Oporto. Qualquer que seja o sistema adotado, a disputa para atrair consultores está aberta. “Há espaço para todos os modelos, mas quem mostrar que os ganhos são, de fato, sustentáveis vai sair na frente.” 

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