Obra Acordes naturais, de Sonia Mendes: criações regionais em destaque no cenário global (Divulgação/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 05h45.
Estamos a menos de um mês do final de um ano tão atípico. Quais são os principais aprendizados e tendências do mercado de arte, foco deste texto, que podemos identificar após um balanço de 2020? Talvez seja cedo para antecipar o fim da crise decorrente da covid-19, mas creio que as nuvens de incerteza já começam a se dissipar com o início das vacinações neste mês na Inglaterra e com previsão para a implementação em São Paulo no início de 2021.
O mercado de arte conseguiu não só enfrentar os desafios, ao reinventar muitas de suas práticas, como permanecer ativo, superando até as expectativas mais pessimistas. Ainda não se sabe o impacto da queda neste ano de pandemia, mas o comportamento peculiar e o histórico desse setor indicam que a recuperação será rápida. A crise financeira de 2008 fez o mercado de arte cair 40%. Em poucos anos, no entanto, o segmento se recuperou e atingiu o pico de 68,2 bilhões de dólares em 2014. Será que repetiremos o feito?
Busquei fazer um levantamento em galerias, com colecionadores e em museus para identificar as seis principais tendências no futuro próximo:
1 → O digital veio para ficar. Não é mais o caso considerar que o online seja uma tendência, pois ele já está entre nós. Mas, sim, é certo dizer que o online será a ferramenta decisiva para expandir e rejuvenescer o mercado de arte, que se tornará verdadeiramente global por meio de iniciativas digitais. Os novos recursos virtuais diluem as fronteiras geográficas e ampliam o alcance das exposições.
2 → O poder da diversidade. A inclusão no mercado de arte se impõe de forma inadiável e definitiva. Mecanismos de inserção de uma maior diversidade de representação de gênero e raça nos museus, nas galerias e nas principais coleções de arte pelo mundo precisam ser repensados e virar prática recorrente, e não exceção.
3 → A valorização da narrativa — ou, para usar a palavra da moda, do storytelling — para transmitir uma mensagem de forma significativa. As ferramentas digitais não têm como possibilitar o contato direto entre espectador e obra. No entanto, permitem uma oferta de conteúdo mais ampla e rica. Com abundante conteúdo de áudio e vídeo, a experiência torna-se mais rica e imersiva.
Enquanto casas de leilão abandonam a tradição secular dos catálogos impressos, as galerias e feiras de arte adotam os viewing rooms, as redes sociais e os vídeos roteirizados para expandir o alcance de seus artistas. A desaceleração como consequência do distanciamento social abriu espaço para um conteúdo de qualidade. A superficialidade dá lugar ao aprofundamento do pensamento e à ressignificação da convivência e dos valores da sociedade.
4 → O espírito colaborativo e coletivo se impõe. Para sobreviver a um ano tão desafiador, nunca o sentimento de coletividade foi tão aguçado e a colaboração tão necessária em meio aos agentes do mercado de arte. Galerias cederam seus sites para outras galerias mais jovens, como fez a Fortes D’Aloia & Gabriel com a plataforma digital Transe, que promove e interconecta vários agentes das artes visuais.
Outra iniciativa que aponta para essa tendência é a “Galerias recebem Galerias”, em que galerias locais abrem suas portas para colegas de outras cidades ou países.
5 → A arte também deve ser sustentável. O pensamento sustentável e ecológico finalmente começa a se fazer presente no mercado de arte, atravessando exposições, ditando a produção de trabalhos e influenciando a racionalidade no deslocamento e no transporte de obras e pessoas ao redor do mundo.
São toneladas de caixas de transporte não recicláveis produzidas e descartadas, incontáveis voos internacionais e um maciço deslocamento de pessoas para eventos de arte ao redor do mundo. Isso já vinha sendo questionado, mas a pandemia se encarregou de decretar seu fim.
6 → Humanização dos espaços expositivos. Galerias antes projetadas na lógica tradicional do “cubo branco” para acomodar toda e qualquer exposição da mesma maneira, com pés-direitos altos e espaços amplos, que em nada se assemelham às nossas casas, dão lugar a espaços mais intimistas.
Uma forte tendência é a de galerias se instalarem em espaços simbólicos, eventualmente projetados por arquitetos de peso histórico, como fez a galeria paulistana Luciana Brito, ao se instalar em uma casa projetada pelo arquiteto Rino Levi, ou a Galeria Bergamin & Gomide, que se instalará em uma das casas da vila modernista projetada por Flávio de Carvalho. Será o fim do tradicional “cubo branco”?
O mercado de arte pós-covid-19 será substancialmente distinto. Será imbuído de novos conceitos, e a valorização do local dará à luz narrativas distintas e de colaboração fértil.
*Criadora e diretora da SP-Arte