Lionel Messi no PSG: fan token do clube francês valorizou 150% em poucos dias com a iminência de sua chegada (Aurelien Meunier PSG/PSG/Getty Images)
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 05h05.
Grandes competições e o noticiário esportivo foram invadidos por termos como “NFTs”, “fan tokens” e “exchanges”. Com a pandemia, a verba de patrocinadores caiu, disputas foram interrompidas, o público se ausentou de estádios e ginásios, e clubes e ligas esportivas precisaram correr atrás de novas fontes de receita.
O mercado de criptoativos e blockchain, depois de um ano de enorme crescimento, se tornou um refúgio que, além de inovação, também é capaz de oferecer muito dinheiro. Corridas de Fórmula 1, jogos da NBA e camisas de grandes clubes hoje expõem marcas em franca expansão e que buscam atingir públicos cada vez maiores, como a corretora cripto FTX, que tem os astros Tom Brady e Stephen Curry como sócios e embaixadores e agora dá nome ao ginásio do Miami Heat, da NBA; a brasileira Mercado Bitcoin, que fechou acordo com o Corinthians; a Crypto.com, espécie de banco cripto que ocupa placas nas corridas da maior categoria do automobilismo mundial e também a camisa do PSG, de Neymar e agora de Messi. Os exemplos são muitos.
Não é apenas com patrocínios, entretanto, que marcas do setor de criptoativos têm se conectado ao universo esportivo. O lançamento de NFTs, fan tokens e outros ativos digitais movimentam cifras bilionárias, envolvendo nomes de peso do esporte e deixando muita gente confusa sobre o que todas as novidades significam. “Essa união é reflexo do crescimento da economia digital, do aumento de interesse da sociedade pelo tema. As marcas querem alcançar um mercado cada vez mais interessado no assunto, e o futebol e os esportes sempre foram grandes replicadores de mensagens”, diz Bruno Maia, especialista em inovação e novos negócios em esporte e sócio da agência 14.
O setor de criptoativos e blockchain também está promovendo inovações que vão muito além do seu lado mais popular, de investimentos, e de nomes como bitcoin e Ethereum. Com o uso da tecnologia blockchain, clubes como Vasco, em 2020, e Cruzeiro, em 2021, criaram criptomoedas cujo valor é lastreado pelos direitos dos clubes no mecanismo de solidariedade da Fifa — que garante ao clube formador um percentual em futuras negociações de um atleta. Isso permitiu que os clubes colocassem esse direito à venda, oferecendo a torcedores a oportunidade de fazer um investimento ligado a seu time do coração. Quando um jogador da “cesta” que lastreia o token é vendido, a comissão que seria do clube é direcionada aos proprietários do token, que valoriza.
Outra inovação são os fan tokens, uma espécie de criptomoeda que dá a seus proprietários uma série de recompensas e benefícios relacionados à marca que ela representa, como experiências, compra de produtos licenciados com desconto e participação em votações exclusivas, por exemplo, para definir a cor da terceira camisa ou do ônibus da equipe.
Diferentemente dos tokens de Vasco e Cruzeiro, lastreados por direitos federativos, os fan tokens não têm lastro. Seu valor depende da lei da oferta e da procura, diretamente ligada à confiança e ao interesse de torcedores e investidores na liga ou clube representado.
O caso do Paris Saint-Germain é o mais famoso. O fan token do clube valorizou 150% em poucos dias quando Lionel Messi anunciou sua saída do Barcelona e o clube francês surgiu como favorito à contratação. Nos dias seguintes à confirmação da chegada do argentino, o token viveu momentos de volatilidade típicos do mercado de criptoativos. O PSG fez de tudo para promover a iniciativa, dizendo que pagaria parte das luvas — bônus que todo jogador recebe pela assinatura de um novo contrato — de Messi com o fan token do clube.
No Brasil, Corinthians e Atlético Mineiro já lançaram seus fan tokens, e o Flamengo é o próximo da fila. Os europeus Barcelona, Manchester City, Juventus e Atlético de Madri, entre outros, entraram na onda. Com os fan tokens, os clubes levantam grandes quantidades de dinheiro quando emitem o token e fazem sua primeira venda pública. No caso do Corinthians, por exemplo, todos os 850.000 tokens originalmente criados foram vendidos em menos de 2 horas, a 2 dólares cada um, gerando uma receita de 1,7 milhão de dólares (quase 9 milhões de reais).
O fan token SCCP, como o de todos os clubes citados anteriormente, foi lançado pela plataforma Socios.com, a maior do segmento no mundo, que diz ter 1,2 milhão de usuários cadastrados e crescimento de 200% nos últimos seis meses. Em geral, os acordos preveem que o clube fique com 50% do valor arrecadado. No caso do Corinthians, isso significaria uma receita de 4,5 milhões de reais em poucas horas. Os fan tokens da seleção brasileira, lançados pela CBF na plataforma concorrente Bitci, renderam 95 milhões de reais em cerca de 35 minutos. Além dos valores com a venda inicial dos criptoativos — que depois podem ser negociados livremente por seus proprietários em corretoras especializadas —, os clubes e as ligas se beneficiam com maior engajamento dos torcedores, divulgação de marca e de patrocinadores e podem atingir novos públicos.
Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com, discorda quando chamam os fan tokens de “sócio-torcedor 2.0”, ou “sócio-torcedor do futuro”, em referência aos programas tradicionais de atração de fãs. Para ele, os criptoativos têm como alvo os torcedores que estão mais longe dos clubes: “Os fan tokens não existem para competir, mas para completar. Nosso produto não é voltado para o sócio-torcedor, mas justamente para os torcedores que não são sócios”. No caso dos fan tokens do Corinthians, a plataforma diz que os compradores estavam espalhados por 150 países e que mais de 50% do total foi adquirido fora do Brasil.
Apesar do otimismo com o setor, as iniciativas também são alvo de críticas. “Votações em coisas divertidas, como a música ou a cor do ônibus do time, só vão atrair os fãs mais jovens e, se for esse o caso, isso estará empurrando os jovens para as criptomoedas”, disse Adam Willerton, representante de um grupo de fãs do clube inglês Leeds, que também tem seu fan token, à Bloomberg.
Outras críticas também citam a vinculação do esporte com um mercado que não é totalmente regulado e que envolve riscos. Para Maia, da agência 14, é importante reconhecer os riscos e administrá-los, sem que isso seja um obstáculo para iniciativas que podem ser positivas: “Inovação envolve riscos. Quem tem uma marca a zelar, como clubes e ligas, precisa ser criterioso com quem e o que vai se relacionar”.
Outro segmento do mercado de criptoativos que tem ganhado espaço no universo esportivo são os NFTs — sigla em inglês para “tokens não fungíveis”. Esse tipo de criptoativo, diferentemente de criptomoedas como o bitcoin, é único e indivisível. Não existem frações de um NFT, tampouco dois NFTs iguais. Além disso, eles incluem arquivos em seu código, o que permite a inclusão de vídeos, fotos, áudios e outros dados no token, que circula em blockchain.
Assim, é possível criar um criptoativo “visual” com certificado de autenticidade e outras informações registradas de forma permanente na rede. Os NFTs podem ser usados para uma série de aplicações, como ingressos para eventos que poderão ser emitidos no futuro. No entanto, o uso mais comum atualmente é o de arte digital, ou “criptoarte”, na qual o artista transforma sua obra em um token e o coloca à venda. O caso mais famoso é o de um quadro do artista Beeple vendido por 69 milhões de dólares em um leilão da Christie’s.
O mercado de NFTs cresceu incrivelmente no último ano, movimentando bilhões de dólares, e o esporte também se aproveitou da onda. A NBA criou, no fim de 2020, o NBA Top Shot, que digitalizou os antigos álbuns de figurinhas — ou, no caso do esporte americano, os “cards” colecionáveis, que passaram a ser digitais, com vídeos de jogadas da principal liga de basquete do mundo. Quanto mais raro um desses “cards” digitais, maior o seu valor. Isso, claro, também depende do jogador retratado e do tipo de jogada. Um único “card” de LeBron James foi vendido recentemente a quase 400.000 dólares, e a plataforma já movimentou mais de 700 milhões de dólares em sua curta história.
Outras grandes marcas do esporte também têm sua própria plataforma de NFTs. A Nascar e a Fórmula 1 são dois exemplos. Outro é a Sorare, que é semelhante ao NBA Top Shot, porém ligada ao futebol e com parceria com os maiores clubes do mundo. No Brasil, o piloto Cacá Bueno lançou uma plataforma de NFTs do esporte a motor nacional. “Precisamos renovar o nosso público, e essa é uma iniciativa que pode nos ajudar a falar com mais gente, atingir novas audiências. Usar a tecnologia para inovar e trazer conteúdos cada vez melhores”, afirma.
As inovações que o mercado de criptoativos pode oferecer, e não apenas para o esporte, podem vir de diferentes lados. Em um universo que conversa com o público jovem e que, após a pandemia, precisa se reinventar, o casamento entre criptoativos e esporte vive sua lua de mel. Como em qualquer relação, a união precisa se mostrar benéfica para os dois lados no dia a dia.