O carioca Bernardo Hees, mais novo sócio do 3G: ele antecipou sua saída da presidência da ALL, prevista para dezembro, para se tornar o principal executivo do Burger King no mundo (.)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2013 às 18h13.
A troca de uma única letra mudou a história da venda do Burger King, quarta maior rede de lanchonetes do mundo. Se os fatos tivessem seguido a versão preliminar noticiada no dia 1o de setembro pela imprensa internacional, na cola do conceituadíssimo The Wall Street Journal, o comprador seria o 3i, com sede em Londres. Até aí, nada de mais.
Não era novidade que o Burger King estava à venda, e o tradicional 3i, 35o maior fundo de private equity do mundo, com recursos de 8,3 bilhões de dólares, seria apenas o mais novo dono da companhia, que trocou de mãos duas vezes em pouco mais de uma década. No dia seguinte, porém, esclareceu-se o engano e começou um mistério - o comprador era, na verdade, o quase homônimo (e desconhecido) fundo 3G, sediado em Nova York.
Aos poucos, o mercado encontrou referências familiares por trás da sigla enigmática, dona de uma oferta de 4 bilhões de dólares - 800 milhões dos quais apenas para cobrir a dívida da rede.
Os três principais sócios do fundo, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, eram os mesmos que haviam arrematado, dois anos antes, outro ícone americano, a Anheuser-Busch, tacada que os transformou nos donos da maior cervejaria do mundo, a ABInBev. (Logo os jornalistas americanos se lembraram de outra referência - o 3G era também o empregador de Marc Mezvinsky, novo genro do ex-presidente Bill Clinton.)
No mesmo dia 2 de setembro, o próprio comandante do fundo, o carioca Alexandre Behring, enviou um comunicado ao mercado para dizer a que veio. Ele anunciou o estilo "hands on" do fundo em busca de eficiência e resultados. Aproveitou para informar até mesmo quais mãos executariam a tarefa - as do também carioca Bernardo Hees, de 40 anos, até então presidente da empresa de logística ALL.
O desfecho mostrou a face mais surpreendente e desconhecida da ambição global do trio de empresários que se conheceram no banco Garantia no final dos anos 70 e nunca mais se separaram - o fundo de investimento 3G (daí o nome, uma alusão aos "três do Garantia").
A rigor, os principais acionistas do Burger King têm 40 dias corridos para conseguir uma oferta melhor, algo que analistas consideram improvável. Se concretizada, a compra marca o passo mais ousado do fundo, articulado com discrição desde 2004. Com recursos de 1,26 bilhão de dólares, até agora o 3G havia adquirido apenas participações minoritárias.
Para comprar o Burger King, o 3G arregimentou recursos de bancos, como o JPMorgan Chase e o Barclays Capital, e também de outros empresários, como Eike Batista, o homem mais rico do Brasil. A nova fábrica de negócios bilionários do incensado trio Lemann, Sicupira e Telles segue uma fórmula conhecida - um punhado de gente jovem e bem formada, obsessão por processos e custos, meritocracia e busca alucinada por resultados.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. Com uma equipe mesclada de brasileiros e americanos, o 3G pretende replicar a mesma cultura forjada dentro da GP. A diferença é que, desta vez, o alvo são grandes companhias americanas. "A compra do Burger King pelo 3G demonstra o poder de fogo de investidores emergentes", diz Jennifer Choi, diretora da Emerging Markets Private Equity Association, associação de investidores com sede em Washington.
A origem do 3G está no fundo Sinergy, criado em Nova York por Paulo Alberto Lemann, primogênito de Jorge Paulo, em 1997. A proposta do Sinergy, porém, era bem menos pretensiosa. Tratava- se de um fundo de fundos, sem investimento direto em empresas.
O ponto de inflexão se deu em outubro de 2004, com a passagem de 100% do controle da GP para a segunda geração de sócios, sob o comando de Antônio Bonchristiano e Fersen Lambranho. Além de Lemann, Sicupira e Telles, outros dois sócios deixaram a GP naquele momento - Roberto Thompson e Alexandre Behring.
Os dois, de maneiras diferentes, começavam a apoiar uma nova estratégia de expansão de investimentos no exterior. O primeiro deles, Thompson, já se tornara desde o início da década uma espécie de braço direito do trio nas aquisições empreendidas pela ABInBev.
O segundo, Behring, propôs ao trio modificar a vocação do Sinergy e transformá-lo num fundo de hedge que compraria participações em grandes companhias americanas. A proposta, em sintonia com a intenção dos três empresários em investir cada vez mais em negócios grandes fora do Brasil, foi aceita.
O fundo passou, então, a buscar oportunidades sobretudo nos setores de bens de consumo e logística, duas áreas nas quais os sócios têm um histórico de sucesso. O alvo são empresas grandes mas fragilizadas pela má gestão e, portanto, baratas.
Alex, como Behring é mais conhecido, conquistou a confiança dos empresários ao longo de mais de uma década de atuação dentro da GP. Formado em engenharia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, concluiu MBA em Harvard com distinção máxima, conhecida como baker scholar.
"Ele sempre foi o primeiro em tudo, na escola e nos esportes", afirma uma fonte próxima. Com 1,92 metro de altura, jogador de polo aquático e praticante de caça submarina, Behring passou numa espécie de régua inusitada usada por um dos fundadores da GP, Beto Sicupira, ele mesmo praticante de caça submarina, para medir o perfil de profissionais.
"O Beto diz que aguentar 2 minutos debaixo d'água sem respirar para pegar um peixe grande guarda muitas semelhanças com o sangue-frio necessário para fechar uma grande negociação", diz um ex-executivo da GP. Mais importante, Behring mostrou ser capaz de transformar tudo isso em resultado.
Nos anos 90, esteve à frente dos estudos das oportunidades no setor ferroviário brasileiro abertas pela privatização. Aos 29 anos de idade, conduziu os lances da GP para arrematar a malha sul da rede ferroviária por 232 milhões de dólares.
Em seguida, mostrou- se bem-sucedido também ao cumprir o "serviço militar" - como é chamada a passagem obrigatória de sócios da GP pelo comando das empresas - na presidência da então sucateada ALL.
Enquanto esteve no comando, entre 1998 e 2004, Behring transformou a empresa num dos melhores investimentos da primeira geração de sócios da GP. "Na gestão de Behring, a rentabilidade da companhia cresceu, em média, 50% por ano", diz Edigimar Maximiliano Jr., analista do Bradesco. (Até hoje, Lemann, Telles e Sicupira mantêm uma pequena participação na ALL.)
Além de ser cofundador, Behring montou o atual time de sócios do fundo 3G - composto de seis brasileiros e dois americanos. O primeiro deles foi Alex Perez, que fizera carreira na GP, nomeado sócio em janeiro de 2005. Em 2008, foram eleitos os dois únicos sócios americanos - Mezvinsky, genro de Clinton, vindo do banco Goldman Sachs, e Daniel Schwartz, contratado pelo 3G em 2005.
Eles estão à frente de uma equipe de cerca de 30 analistas, que ocupam parte do 37o andar de um prédio de escritórios localizado na Terceira Avenida, no coração de Manhattan. A maior tacada dessa turma até agora havia sido a compra de 4,5% do capital da CSX, a terceira maior companhia ferroviária dos Estados Unidos, no final de 2007.
O negócio foi feito logo após uma queda de 20% no preço das ações. Desde então, os preços já subiram mais de 30%. "Na CSX, eles identificaram uma pechincha, como na ALL", diz Cláudio Furtado, diretor do centro de estudos em private equity da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
O plano, desde o início, era aproveitar o fato de a companhia ter um capital difuso para conseguir algumas cadeiras no conselho de administração. Se tudo saísse como o planejado, em pouco tempo o 3G estaria à frente de uma empresa com faturamento anual superior a 10 bilhões de dólares, mas ineficiente - um prato cheio para Behring, que planejava tocar a operação.
O máximo que conseguiu, porém, com a ajuda de um aliado (o TCI, que detém 4,1% das ações da CSX), foi eleger quatro dos 12 conselheiros da empresa em meados de 2008. Um deles é o próprio Behring. Em pouco mais de dois anos no conselho, eles ajudaram a CSX a atingir resultados recorde.
Em 2009, os custos operacionais foram reduzidos em 20% - ou 1,7 bilhão de dólares -, o que levou a companhia à melhor margem de sua história. "O foco em eficiência dos fundos 3G e TCI foi crucial", diz Jeffrey Kauffman, analista da consultoria americana Sterne Agee.
Com o avanço das negociações com o Burger King, Bernardo Hees tornouse o mais novo sócio do 3G em julho deste ano. É sua primeira passagem por um fundo de investimento. Hees iniciou carreira como analista de logística na ALL, em 1998.
Quase uma década depois, assumiu a presidência no lugar de Behring, que se manteve à frente do conselho de administração da companhia brasileira. A saída de Hees estava prevista inicialmente para dezembro. Desde janeiro, porém, ele já vinha preparando seu sucessor, o engenheiro capixaba Paulo Basílio, de 35 anos.
A trajetória de Basílio, aliás, mantém uma semelhança impressionante com a do próprio Hees. Basílio também começou a carreira como analista e, em dez anos, assumiu o comando da ALL. Formar gente é uma regra de ouro dentro da cultura de eficiência forjada primeiro dentro da GP e, agora, no 3G.
O último compromisso de Bernardo Hees como presidente da ALL aconteceu na chamada "reunião do desejo", encontro anual que define as metas para o ano seguinte, realizado no dia 1o. Hess fez um breve discurso de apresentação aos 100 principais executivos, presentes na sede da companhia, em Curitiba, e passou o bastão para Basílio. Na mesma data, à noite, partiu para os Estados Unidos. "A transição foi tranquila porque todos os compromissos formais da companhia já estavam comigo", diz Basílio.
À frente da operação mundial do Burger King, Hees terá de colocar em prática algo que entende bem - disciplina financeira. Além da estagnação num mercado em que os principais concorrentes só crescem, o Burger King tem uma lucratividade muito menor do que a do McDonald's, o líder do setor. No último ano, a rede dos arcos dourados faturou 22 bilhões de dólares e conseguiu uma margem de lucro de quase 20% - superior a 4 bilhões de dólares.
No Burger King, a margem não chega a 10%, e vem caindo a cada trimestre. "Os brasileiros vão precisar repetir o grande trabalho que fizeram na ABInBev", diz Tom Forte, analista da corretora americana Telsey Group. Diferentemente dos funcionários da belga Interbrew, em 2004, e dos da americana Anheuser-Busch, em 2008, os franqueados do Burger King estão acostumados a mudanças constantes.
O grupo atual de controladores - composto dos fundos TPG Capital LP, Goldman Sachs Capital Partners e Bain Capital Investors - manteve-se à frente da empresa por oito anos. É o sétimo grupo a controlar os negócios do Burger King, fundado na década de 50. Sem a presença do fundador ou de seus herdeiros - situação encontrada pelos brasileiros tanto na Interbrew como na Anheuser- Busch -, um choque de gestão tende a ser uma tarefa menos conflituosa.
Até onde vai a ambição do 3G? Segundo fontes próximas a Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, as grandes tacadas daqui para a frente devem continuar concentradas em seu principal negócio - a ABInBev, que faturou 37 bilhões de dólares em 2009.
Em outubro do ano passado, ABInBev e Pepsico surpreenderam o mercado ao anunciar um acordo para cortar custos, com a unificação das compras, de computadores a material de escritório. O trato deu origem a rumores de que esse seria apenas o primeiro passo de uma fusão entre as duas companhias.
Isso não significa que não existam outros interesses no espectro do 3G. Em 2008, seus três sócios iniciaram a montagem de um escritório brasileiro, mas retrocederam com o desenrolar da crise. A intenção de instalar- se no país, no entanto, permanece. Pelo jeito, muita gente ainda vai ouvir falar de 3G - aqui e lá fora.