Rita Lee, um fenômeno que a crise dos discos não ofuscou: relembre a capa da Exame com a cantora
Em dezembro de 1981, a artista foi capa da revista Exame por ter superado com maestria a crise dos discos
Publicado em 9 de maio de 2023 às 13h40.
Irreverente, influente e atemporal: hoje perdemos uma das maiores artistas da música brasileira. Muito além de sua força nos dias de hoje, Rita Lee atravessa gerações, dos boomers à geração Z. Em dezembro de 1981, a artista foi capa da revista Exame por ter superado com maestria a crise dos discos. Naquele ano, Rita estava prestes a bater um recorde que somente Roberto Carlos havia alcançado: 1 milhão de discos vendidos — com apenas 34 anos. "O sucesso de Rita Lee resulta de uma alegria e de uma generosidade infantil que conseguem atingir todas as camadas sociais e várias faixas etárias", escreveu à época o psicanalista Eduardo Mascarenhas — e continua atual.
A rainha do rock tinha lançado o disco "Saúde", o oitavo de uma carreira que completava quinze anos em 1981. No início daquele mês de dezembro, mais de 400 mil cópias haviam sido vendidas antecipadamente. A previsão era que em seis meses o disco atingisse 1 milhão de cópias, marca que só havia sido superada por Roberto Carlos. O disco Lança Perfume, lançado em 1980, alcançou 750 mil cópias vendidas.
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"O início, nos grupos que acompanhavam os Jet Blacks, Demetrius, Prini Lores e outros que a memória musical nem chegou a guardar; a voz, de escassos recursos, o nome de general confederado, a insistência em fazer rock no país do Carnaval - nada disso sugeria uma carreira promissora. Previsão por sinal frequentemente reiterada ao longo de dez anos, quando seus discos e shows não despertavam mais que a indignação de crítica e o desinteresse do público. Mas, persistente, Rita Lee Jones soube remar contra as várias marés e, de pioneira solitária do rock, transformou-se numa estrela de primeira grandeza na música popular", escreve o jornalista Mário Blander no primeiroparágrafodo texto.
A reportagem de seis páginas destacou como a "milionária do Rock" remava contra a maré e aumentava suas vendas, enquanto grandes nomes sofriam com a crise dos discos. Era estimado que Lee ganharia 150 milhões de cruzeiros com o disco. "Só as vendas de Rita Lee, de fato, continuam aumentando em meio à anemia de um mercado contaminado pela redução do poder aquisitivo dos consumidores. A crise provocou uma queda de 666 mil para 222 mil cópias do último LP de Chico Buarque, afetou Maria Bethânia (que caiu de 900 para 700 mil) e não poupou até mesmo Roberto Carlos, o líder absoluto do mercado, que viu sua vendagem despencar de 2,5 milhões para 1,8 milhão".
Enquanto batia recordes no Brasil, a estratégia da artista também era estender-se seu sucesso para fora do país. "Lança Perfume" foi lançada na França e ficou nas paradas de sucesso nas três maiores emissoras de rádio da época. Na Argentina, o disco vendeu mais de 200 mil cópias. Até no difícil mercado americano, onde músicas não gravadas em inglês ou espanhol não faziam sucesso, o disco alcançou o 70º lugar na lista de mais vendidos da revista Billboard.
Apesar de falar de números e vendas, a matéria tratava sobre o segredo do sucesso da cantora. "Rita Lee, porém, é mais que uma campeã em vendas de discos", escreveu Blander. Os shows da cantora eram extremamente concorridos e soube conquistar diversos públicos. O texto destaca, inclusive, uma apresentação em que ela fez uma plateia de crianças saltitar de alegria. "O segredo do sucesso de Rita Lee, aliás, foi atingir uma audiência tão ampla quanto heterogênea. Ela é possivelmente o único artista brasileiro em cujas músicas convivem temas quase infantis, preocupações dos jovens (público conquistado nos tempos de roqueira) e imagens sensuais (como em "Mania de Você", "Lança Perfume" ou no mais recente "Banho de Espuma")".
Mudança radical planejada para o sucesso
O texto destaca também a parceria de Rita com Roberto de Carvalho, seu marido e empresário, que ajudou a cantora no planejamento na "radical mudança" em sua carreira. "A profusão de temas está longe de ser acidental e faz parte de uma decisão calculada da própria Rita Lee. 'Não quero falar para uma única faixa de público, mas cantar e entreter crianças e adultos. Por isso minhas músicas não contêm mensagens políticas ou filosóficas, utilizam palavras simples e rimas fácies', justifica".
Como resultado, as principais casas de shows da época clamavam por Rita Lee. "Ela faz todo mundo dançar e é um antídoto contra o baixo astral", disse o discotecário Vitório Pieri. José Victor Olivia, dono do Gallery, famosa casa noturna de São Paulo da época, foi na mesma linha. "Rita é o artista nacional mais solicitado e suas músicas são executadas várias vezes todas as noites".
O planejamento do casal, que integrava uma "sociedade musical", consistia em trabalhar apenas durante o verão, no período de lançamento e promoção de seu LP anual e do especial na TV Globo. A viagem para gravar o disco em Nova York também contribuiu, segundo a reportagem, para preservar sua imagem e fugir de anunciantes. A matéria revelou que, nos Estados Unidos, a cantora trabalhou com John Luongo, especialista musical que já tinha trabalhado com o cantor Michael Jackson.
A autonomia da cantora sobre a sua carreira teve destaque ao longo da matéria. O jornalista mostrou que Rita acompanhava de perto e estudava cuidadosamente todas as decisões que poderiam ser tomadas. Da exigência de 15% do faturamento das vendas para fechar o contrato com a gravadora, o dobro do que era pago para os artistas na época, até a decisão de incluir uma música sua nas novelas da Globo, tudo passava pela artista. A emissora carioca, inclusive, é citada diversas vezes como um dos vetores para o sucesso da cantora. O especial da artista no canal e a inclusão de músicas nas novelas, contribuíam para a popularidade, uma vez que a Globo já era a campeão de audiência.
A música era o seu negócio
Questionada sobre o que fazia com o dinheiro que acumulou com o sucesso, a cantora acreditava que o seu único negócio era a música. Por isso, não ostentava carros de luxo, iates, joias e nem casacos de grife, e também não era adepta de investimentos como títulos de renda fixa ou poupança. Rita investia em instrumentos e equipamentos musicais para acompanhar as novidades lançadas no exterior. O restante do valor ela aplicava em imóveis. A reportagem revela que ela tinha um projeto de comercializar uma linha de roupas e acessórios, mas preferiu "não trilhar um terreno que desconhecia" e se limitou ao campo artístico. Criou uma produtora e uma editora. Finaliza o texto dizendo com ênfase que "o bom é ter saúde e independência".