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Como a lanchonete Giraffas virou um negócio de 500 milhões de reais

Carlos Guerra e Cláudio Miccieli transformaram uma simples lanchonete para amigos numa rede de restaurantes que faturou mais de 500 milhões de reais em 2010

Miccieli: "Cheguei a perder o sono, achando que o Giraffas poderia não sobreviver" (Cristiano Mariz/EXAME.com)

Miccieli: "Cheguei a perder o sono, achando que o Giraffas poderia não sobreviver" (Cristiano Mariz/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2012 às 16h28.

São Paulo - Em 1981, a girafa Raio de Luz, um macho morador do zoológico do Rio de Janeiro, viajou para Brasília para se juntar a uma fêmea de sua espécie. Sem moças girafas por perto à disposição, foi o jeito de providenciar o acasalamento que lhe permitiria passar adiante sua linhagem.

"Vai, Raio de Luz, vai até Brasília e procura lá a tua namorada, que te dará prazer e filhos", escreveu então Carlos Drummond de Andrade na crônica A Solidão do Girafo. "O Rio anda tão pobre que até lhe falta uma girafa para amar um girafo, é preciso recorrer a Brasília, que de resto não consta ser pródiga em atendimento às necessidades nacionais."

As núpcias comoveram os habitantes de Brasília e inspiraram o batismo de uma nova lanchonete na cidade, criada por dois estudantes: a Giraffas, com dois efes.

"Gostamos da história e achamos o nome muito simpático" diz Carlos Guerra, sócio dos restaurantes Giraffas. Seguiu-se então um período de altos e baixos e, depois, um crescimento vigoroso que resultou numa rede com 130 filiais.

Com um faturamento que ultrapassou os 500 milhões de reais no ano passado, o Giraffas está em 128 cidades brasileiras, em Miami e em Ciudad del Este, no Paraguai. Aqui, os dois sócios mais antigos da rede, Cláudio Miccieli e Carlos Guerra (que não aparece na foto por se encontrar em Miami para inaugurar a nova loja), contam como tudo isso aconteceu. 

Carlos Guerra

Nasci em Recife. A minha mãe era funcionária pública federal e foi transferida para Brasília no final dos anos 70. Eu já tinha passado no vestibular de engenharia elétrica na Universidade Federal de Pernambuco. Então, pedi transferência para a Universidade de Brasília. Na época, fiz um grande amigo, o Ivan Aragão.

Ele é carioca e nossas namoradas eram irmãs. Em 1981, decidimos montar uma lanchonete, a Giraffas. Mais tarde, com o crescimento dos negócios, acabei abandonando a faculdade. 


A primeira loja ficava na 105 Sul — e ainda está no mesmo endereço. O lugar virou ponto de encontro do pessoal da faculdade, que passava por lá antes e depois das festas. Quan­do um funcionário faltava, sempre tinha um colega disposto a vestir o avental e fritar hambúrguer para os clientes.

Vendíamos sanduíches, crepes, sucos e sorvetes. Alguns desses sanduíches — como o Brutus, de carne de hambúrguer, e o Galo de Briga, de peito de frango — existem no cardápio até hoje. 

O nome da rede surgiu em uma reunião entre amigos. Alguém sugeriu o nome Giraffas porque, naquele ano, os jornais falavam bastante da chegada de uma girafa macho ao zoológico de Brasília para fazer companhia à fêmea que, como ele, estava solitária.

Achamos que um desenho de duas girafas daria um logotipo simpático. O estilo do desenho da marca já mudou várias vezes, mas as girafinhas continuam lá, casadas. 

Alguns anos depois, Ivan quis se mudar para Recife e deixou a so­ciedade. Ele fez muita falta. Minha mãe até arranjou emprego de meio período para me ajudar.

Embora ele tenha mudado de cidade e abandonado o setor de restaurantes — hoje, é um empresário bem-sucedido na área de se­guros —, continuamos grandes a­mi­gos. Nossos filhos são sócios do Oliver, um restaurante fino em Brasília. Eu, que amo cozinhar, até dei a eles uma receita de paella que aprendi com uma pernambucana que casou com um espanhol. 

Na década de 80, o fast food no Brasil resumia-se basicamente ao Bob’s e ao McDonald’s. Todas as lanchonetes eram muito parecidas. Procurávamos fazer algo diferente. Algum tempo depois, resolvemos, então, colocar arroz e feijão no cardápio, o que deu origem a um conceito que, acredito, não existia: o fast food de comida caseira.

Cláudio Miccieli

Lanchei muitas vezes no Giraffas antes de me tornar sócio. Carlos, Ivan e eu já éramos grandes amigos, mas só passei a fazer parte da empresa em 1987. O Ivan já tinha se mudado para Recife e eu trabalhava no Ministério da Agricultura, no setor de processamento de dados. Investi algo que, em dinheiro de hoje, equivaleria a uns 50 000 reais, suficiente para comprar um carro médio.


A empresa precisava de uma injeção de investimentos. Além disso, era hora de fazer do Giraffas uma rede de verdade — já havia quatro lojas, mas a produção e as compras eram feitas por cada filial. Isso não fazia mais sentido, pois tínhamos condição de aproveitar a escala para obter melhores preços e prazos com os fornecedores.

Também criamos uma cen­tral de produção e de abastecimento, que fazia pães, sorvetes e os cortes de carne para todas as filiais. Deu certo. Alguns anos depois, deixei o funcionalismo público para virar empreendedor em tempo integral. Em 1991, a rede tinha 11 lojas. Foi quando implantamos o sistema de franquias. As pessoas nos ligavam, interessadas em ser franqueadas da marca. 

Numa época de enorme inflação, tínhamos a impressão de que tudo ia muito bem. Depois de 1994, com o Plano Real, percebemos que não era bem assim. Na verdade, o bom desempenho consistia em usar o dinheiro ganho nos restaurantes para lucrar no mercado financeiro.  

Com a inflação, perdemos a noção de que isso estava acontecendo. Tínhamos uma boa gestão financeira, mas não estávamos mais nos dedicando tão bem à essência do nosso negócio, que era vender boas refeições a bons preços. A estabilização da economia nos fez ver isso. Foi um momento dificílimo.

Cheguei a perder o sono achando que o Gi­raffas poderia não sobreviver — como foi, aliás, com muitas outras empresas na mesma situação. 

Fizemos, então, uma transformação radical. Naquela época, tínhamos lojas próprias, um centro de produção e abastecimento e cuidávamos da logística. Não dava para sermos bons em tudo isso. Era melhor enxugar. Perguntamos: o que fazemos de melhor? Devíamos nos dedicar a isso e delegar o resto. 

Havíamos criado uma marca respeitada em Brasília. E decidimos usar a credibilidade que já tínhamos para crescer por franquias. Concentramos todas as nossas energias no fortalecimento da marca, em desenvolver novos pratos e em prover um excelente apoio aos franqueados. Por isso, vendemos todas as lojas próprias, terceirizamos a logística e a produção de hambúrgueres.  

O extremo cuidado com custos é algo que sempre fez parte de nossa filosofia de negócio. É preciso con­tinuar a perseguir melhorias para ficar mais competitivo num país com cada vez mais redes de restaurantes. Nesses anos todos, constatamos que pequenos avanços são essenciais — sem isso não há como um negócio ter sucesso.


Há dois anos, por exemplo, mudamos a altura do pão dos sanduí­ches que levam hambúrguer para poder aproveitar melhor o espaço nos caminhões que distribuem alimentos às lojas e, com isso, reduzir o custo com transportes.  

Hoje o Giraffas tem seis acionistas. As decisões estratégicas são tomadas no conselho de sócios. Uma das mais importantes foi levar a marca para os Estados Unidos.

Inauguramos um Giraffas em Miami, em junho, fruto de um projeto que levou cinco anos. Sabemos que é um mercado com bastante concorrência, mas ainda assim vamos tentar, pois acreditamos que haja espaço para quem fizer um bom trabalho.

Além disso, é uma oportunidade para aprender, pois poderemos conhecer muitas técnicas e processos — afinal, é lá que está o mercado de fast food mais desenvolvido do mundo. A meta é abrir cinco lojas em um ano.  

A loja em Miami é própria. Assim, podemos fazer experimentos que, no nosso modelo de negócios, são novidade. Lá, as cores da marca são outras, garçons levam as refeições às mesas e há massas, que não servimos no Brasil.

E há hambúrgueres, como aqui. Mas o Giraffas americano não pode depender disso. Não somos pretensiosos a ponto de concorrer com lanchonetes de hambúrgueres justamente nos Estados Unidos. 

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