Ariel Lambrecht e Renato Freitas, fundadores da 99: os dois se juntaram para empreender no mercado de bicicletas (Germano Lüders/Exame)
Mariana Fonseca
Publicado em 26 de dezembro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 17 de janeiro de 2018 às 12h09.
São Paulo – Várias empresas ainda sentiram os efeitos da recessão econômica durante este ano: enquanto o Brasil tenta voltar a crescer sem acordar a inflação, negócios têm de cortar seus custos para sobreviverem – apenas a onda de demissões fará com que a taxa de desemprego leve dois anos para voltar ao patamar de um dígito.
Para empreendimentos disruptivos, porém, a realidade é totalmente distinta. Não são poucos os casos de startups que receberam investimentos polpudos, fecharam acordos com grandes empresas ou expandiram suas operações.
O ano de 2017 foi o melhor da história para as startups brasileiras, na opinião de Pedro Waengertner, cofundador da aceleradora ACE.
“Vimos investimentos grandes e que são bons para o país, já que nos colocam em um patamar de competição com players globais. As startups brasileiras não têm mais outra opção que não seja pensar em termos mundiais, já que vários empreendimentos fortes estão apostando no Brasil”, afirma. “Este ano mostrou que temos todas as condições de nos tornarmos uma referência, o que já vimos com o amadurecimento das fintechs nacionais.”
Com tanto estímulo, mais fundos de investimento investiram no mercado brasileiro de negócios disruptivos. É o caso da Bossa Nova Investimentos e da Canary, por exemplo, que atacam “o vale da morte das startups”: o aporte que teria de chegar após a rodada de investimento-semente, mas que ainda é menor que os aportes de fundos de venture capital e private equity.
Cassio Spina, fundador da associação Anjos do Brasil, concorda que o mercado de startups não foi tão abalado pela conjuntura econômica.
“O número de saídas [vendas de startups] tem aumentado, e esse é um indicador importante para o Brasil. Com mais vendas, nosso mercado consegue se reciclar: tanto os empreendedores podem criar novos negócios quanto os investidores da startup vendida conseguem seu retorno e o direcionam para mais empreendimentos.”
Maurício Benvenutti, sócio da plataforma para empreendedores StartSe, destaca o avanço do interesse de grandes empresas por negócios disruptivos. “Está muito claro que o modelo tradicional de negócios precisa se reinventar, com uma estrutura mais leve e enxuta. Vimos em 2017 um movimento grande de companhias buscando startups para conseguirem essa transformação de forma ágil.”
Essa também é a análise de Flávio Pripas, diretor do espaço de coworking Cubo Itaú. “É consenso que o mercado de startups cresceu descolado da conjuntura econômica. A partir do momento que uma startup resolve um problema real do mundo real, com soluções voltadas para eficiência em grandes empresas, ela tem oportunidades. Isso pôde ser verificado em microcosmos como o próprio Cubo.”
Para Pripas, as startups devem aproveitar o primeiro semestre de 2018, que será “o melhor em muitos anos”. No segundo semestre, a temporada eleitoral pode mudar o tabuleiro macroeconômico e afetar o crescimento dos negócios.
Além dessas análises, os especialistas consultados pelo site EXAME elencaram negócios disruptivos, nacionais e internacionais, que fizeram a diferença neste ano. Tais empreendimentos vão de inovações nascentes até grandes companhias que continuam mantendo o espírito de startup.
A startup de mobilidade urbana 99 foi um dos maiores exemplos do ano sobre potencial de investimento em negócios brasileiros. No meio do ano, o negócio recebeu um aporte de 320 milhões de reais liderado pela chinesa Didi Chuxing.
“A 99 está mostrando um nível de trabalho estilo Vale do Silício no Brasil. A startup trouxe novas funcionalidades, profissionalizou-se e expandiu suas operações, batalhando rapidamente contra um competidor tão agressivo quanto o Uber”, afirma Waengertner, da ACE.
Para Cassio Spina, fundador da associação Anjos do Brasil, a 99 conseguiu colocar o Brasil em um patamar internacional de captação de recursos, tornando-se um case importante quando se fala em aportes de venture capital e private equity. “O país foi levado a outro patamar de investimento em suas startups.”
2017 foi um grande ano para as empresas chinesas. O conglomerado chinês Tencent, responsável pelo aplicativo de mensagens WeChat e games como Honor of Kings, ultrapassou o Facebook em valor de mercado, enquanto o Baidu aumentou seu lucro e coinvestiu em um fundo de 1 bilhão de dólares para financiar negócios online.
Waengertner, porém, dá um destaque especial ao Alibaba: o negócio vendeu nada menos que 25 bilhões de dólares no Dia dos Solteiros chinês, mais do que o e-commerce brasileiro fatura no ano todo. O valor de marca do Alibaba subiu em 2017, para 59 bilhões de dólares.
“No geral, várias startups chinesas que eram desconhecidas por aqui se tornaram referência”, afirma o cofundador da ACE.
Para Waengertner, Elon Musk é um novo Henry Ford. Não é para menos: suas empresas anunciam novidades industriais toda semana. Neste ano, a SpaceX foi da explosão de um foguete ao lançamento de um foguete reciclado; a Tesla foi do incrivelmente veloz Model S ao econômico Model 3; e a SolarCity foi da construção de painéis solares quase invisíveis até a promessa de reajustar o sistema elétrico de Porto Rico.
“É um industrialista que não está preocupado com competição e patentes, e sim objetivos maiores. Levar o homem para Marte, transportar as pessoas de forma mais rápida e reduzir o impacto do consumo de energia", diz Waengertner.
"Ele possui causas fortes e mostra que é possível fazer o impossível. Com isso, atrai os melhores talentos e consegue inspirar as próximas gerações para que, no futuro, elas queiram mudar outros setores. A ousadia que ele tem em termos de visão de longo prazo e o foco no mundo offline são seus grandes trunfos.”
A startup americana Magic Leap talvez seja um dos casos mais curiosos de 2017: o negócio de realidade aumentada e tecnologia vestível já arrecadou quase 2 bilhões de dólares desde sua fundação, em 2011, com investidores como Alibaba e Google.
O problema? Seu produto nem ainda foi lançado. “Mesmo assim, a empresa que produz óculos de realidade mista continua chamando atenção por suas rodadas intensas de funding”, afirma Benvenutti, sócio da StartSe.
A Movile, dona de negócios como iFood e Sympla, está fazendo um grande trabalho de consolidação de mercado, na visão de Flavio Pripas, diretor do Cubo Itaú.
“Com a compra de vários players, a Movile se coloca como expoente do mercado móvel. Ela assumiu um papel de protagonista inegável, e será interessante acompanhar os resultados dessa estratégia nos próximos anos.”
Para Spina, a Movile também criou um marco internacional de captação de investimentos, como a 99. “Há uma perspectiva de que a Movile esteja perto de se tornar um unicórnio [startup avaliada em um bilhão de dólares] brasileiro”, diz o fundador da Anjos do Brasil.
O negócio recebeu recentemente mais um investimento, no valor de 82 milhões de dólares, de dois dos seus principais investidores, a Naspers Ventures e a Innova Capital – fundo de investimento em startups de Jorge Paulo Lemann.
A Netshoes já é uma referência para os empreendedores brasileiros. O negócio, que começou como uma sapataria em São Paulo, estreou na Bolsa de Nova York em abril deste ano, com um IPO (oferta inicial pública de ações).
Mesmo que a jornada não seja tão simples e a empresa enfrente a volatilidade de suas ações, a decisão de abrir capital pode inspirar diversas startups nacionais.
“Para o mercado brasileiro, saber que uma startup chegou ao ponto de um IPO em uma bolsa americana é um marco muito relevante”, afirma Spina, da Anjos do Brasil.
O Nubank, empresa do cartão de crédito roxinho e dos serviços bancários 100% online, começou o ano com muita visibilidade. Mas, segundo Pripas, o negócio em si ainda era relativamente pequeno – o que mudou em 2017.
“A startup cresceu muito neste ano, contratando muita gente, tornando-se ainda mais o desejo de consumo de muitas pessoas”, afirma o diretor do Cubo Itaú.
O negócio lançou um programa de recompensas, chamou executivos de peso e foi considerado uma das fintechs mais inovadoras do mundo. Além disso, faturou no primeiro semestre de 2017 a mesma quantia faturada em todo o ano de 2016.
Para Waengertner, da ACE, completa o raciocínio e diz que o grande destaque do Nubank neste ano foi sua passagem de apenas cartão para também conta corrente. “Esse anúncio colocou a startup em um novo patamar de competição.”
A Resultados Digitais é uma startup que acumulou um crescimento sólido desde sua fundação, em 2011. O negócio também apareceu em nossa lista de startups que impactaram 2016, com captação de investimentos e gestão elogiadas.
Neste ano, Pripas destaca a grande projeção do evento RD Summit. “Em quatro anos, ele se consolidou como o maior evento de marketing digital na América Latina. Colocar oito mil pessoas para falar sobre o tema ao longo de três dias não é um feito comum”, afirma o diretor do Cubo Itaú.
“O RD Summit é uma grande estratégia de consolidação da marca Resultados Digitais, e a startup está construindo um grande caminho para o futuro.”
A Warren é mais uma fintech que apostou na onda dos robôs de investimento: a plataforma online faz a gestão do seu dinheiro de forma automatizada, de acordo com o objetivo e perfil de cada usuário.
Benvenutti, sócio da StartSe, explica que o negócio começou no ano passado, com uma equipe enxuta em Porto Alegre (Rio Grande do Sul). “No início de 2017, com seus sistemas já prontos e lançando o aplicativo para os primeiros clientes, a Warren explodiu. A equipe cresceu junto com a demanda e, dentro do setor financeiro, talvez seja uma das startups com mais buzz hoje.”
A empresa de espaços de coworking WeWork chegou ao Brasil em julho de 2017. Em seis meses de operação brasileira, viu-se uma expansão extremamente acelerada. Hoje, o negócio já possui cinco unidades em São Paulo, uma delas em plena Avenida Paulista, e três unidades no Rio de Janeiro.
“São prédios inteiros rapidamente construídos e lotados. O WeWork varreu o globo e, ao mesmo tempo, segurou sua operação. É um trabalho incrível de gestão, além de muita criatividade em seus espaços de coworking”, afirma Waengertner, da ACE.