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Walmart tenta rever tropeços no Brasil

A saída de Campo Grande é emblemática das questões mais amplas que o Wal-Mart enfrenta no Brasil

Walmart: no fim de dezembro, a varejista norte-americana fechou suas lojas de atacado Maxxi em Campo Grande (Daniel Aguilar/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de fevereiro de 2016 às 14h41.

Campo Grande/Bentonville - Quando o Walmart começou sua expansão na cidade de Campo Grande (MS) sete anos atrás, a economia estava crescendo e executivos se mostravam ansiosos para abrir lojas mesmo em locais tradicionalmente pouco indicados, como vias de mão única que levam para fora da cidade.

A ofensiva acabou não durando. No fim de dezembro, a varejista norte-americana fechou suas lojas de atacado Maxxi em Campo Grande como parte de uma reestruturação em que encerrou 60 unidades no Brasil, incluindo alguns hipermercados. Consumidores disseram que as lojas não podiam competir em termos de sortimento, preço e localização.

"Não estava claro para quem era o Maxxi. Não era barato o suficiente para os pobres. Mas não havia apelo para a classe média", disse Ordecy Gossler, 40 anos, contador que enchia seu carrinho de compras com artigos de limpeza em uma loja Atacadão rede rival controlada pelo francês Carrefour, em Campo Grande.

"Quando anunciaram em dezembro que os dois Maxxi fecharam, ninguém do meu trabalho sabia onde eles ficavam."

Atualmente, o Wal-Mart tem apenas um supermercado na cidade de 850 mil habitantes, cuja demografia marcada por consumidores parcimoniosos pareceu em algum momento adequada à maior varejista do mundo.

A empresa fechou a outra unidade na cidade no fim do ano passado, conforme o tráfego de clientes caiu no shopping center que deveria ser sua âncora.

A saída de Campo Grande é emblemática das questões mais amplas que o Wal-Mart enfrenta no Brasil, que foi por algum tempo destino importante de varejistas estrangeiros e outras companhias, mas que desacelerou. E o desempenho ruim da maior economia da América Latina mostra como as táticas que ajudaram o Wal-Mart a ter sucesso nos Estados Unidos às vezes não funcionam em outros países.

Os resultados internacionais da companhia têm sido anêmicos, apesar do investimento de 22 bilhões de dólares nos últimos cinco anos. No ano passado, o Wal-Mart gerou margem de lucro operacional de 4,5 por cento nos mercados internacionais, bem abaixo do retorno de 7,4 por cento publicado nos Estados Unidos.

Buscando retornos mais altos, o presidente-executivo do Wal-Mart, Doug McMillon, anunciou em outubro uma revisão estratégica para os ativos globais da companhia. Alguns analistas especularam que o Wal-Mart poderia sair do Brasil, assim como de outros países da América Latina, onde já está fechando outras 55 lojas.

O recuo no Brasil também remete a outros problemas sofridos pela empresa fora dos EUA, incluindo Coreia do Sul e Alemanha, dois mercados que o Wal-Mart abandonou em 2006.

Fica no Brasil

No Brasil, em particular, a empresa tem sido afetada pela localização de suas lojas em pontos ruins, operações ineficientes, questões trabalhistas e preços não competitivos. Com alguns dos problemas tendo surgido durante o crescimento agressivo de uma década, de acordo com entrevistas com dezenas de antigos e atuais executivos do Wal-Mart, assim como analistas, consumidores e funcionários.

O Wal-Mart disse que não comentaria seus resultados financeiros no Brasil antes da divulgação do balanço trimestral da companhia em 18 de fevereiro.

Mas pessoas com acesso aos números disseram à Reuters que o Wal-Mart publicou perdas operacionais no Brasil nos últimos sete anos.

Jo Newbould, porta-voz da varejista, disse que o fechamento de lojas é parte dos esforços da empresa de "administrar ativamente" seus ativos globais e que tem trabalhado para reduzir custos no Brasil.

David Cheesewright, chefe das operações internacionais do Wal-Mart, disse em entrevista que a companhia não tem planos de deixar o Brasil.

Ele citou a decisão da companhia de investir na conclusão da transferência de sistemas de informática legados para a plataforma mais ampla do Wal-Mart como evidência do comprometimento da companhia com o mercado brasileiro.

Cheesewright expressou otimismo sobre a retomada. "É um mercado que sempre teve alto potencial, mas teve altos e baixos em termos de desempenho", disse. "Isso acontece em momentos como de desaceleração como este, e tenho certeza de que acontecerá o que sempre acontece, melhora."

Crescimento

O Wal-Mart entrou no Brasil em 1995 e cresceu a passos comedidos por quase uma década. Isso mudou em 2004-2005, quando gastou cerca de 1 bilhão de dólares para comprar dois varejistas, o Bompreço Supermercados do Nordeste e Sonae Distribuição Brasil.

Os acordos expandiram as operações do Wal-Mart no Nordeste e Sul do país, e marcaram o início de uma onda de investimentos que tinha como objetivo construir presença nacional da rede.

Com as compras vieram uma série de marcas: o Wal-Mart opera atualmente sob nove diferentes bandeiras no Brasil. No ápice da expansão, segundo ex-executivos do Wal-Mart, a mentalidade de crescimento tomou lugar.

O avanço da economia brasileira naqueles anos convenceu executivos de que o maior risco seria a empresa se mover muito lentamente. Como resposta, aprovaram novas lojas baseando-se em previsões muito otimistas de vendas futuras.

"Muitos executivos não tinham coragem de dizer: 'não abram essa loja; não vamos aprovar mais lojas'", disse um ex-executivo de finanças da empresa. "Por que não? Porque o Brasil era um novo país. Precisávamos investir nele antes que outros fizessem isso." Em um período de seis anos até o ano fiscal encerrado em janeiro de 2013, o Wal-Mart dobrou seus pontos, atingindo aproximadamente 560 no pico. A rápida expansão distorceu a logística do Wal-Mart --tradicionalmente um de seus pontos fortes nos EUA, mas tem de desempenho arrastado no Brasil.

Em alguns casos, caminhões de entrega percorriam dias de estrada para alcançarem lojas distantes de centros de distribuição. Executivos da sede da empresa brigavam com os que dirigiam algumas lojas sobre quem deveria bancar os custos de distribuição, segundo um ex-executivo financeiro da empresa.

Em meio ao foco no crescimento, executivos nunca integraram totalmente os sistemas de informação de Bompreço e Sonae. Problemas na comunicação entre as sedes e os diferentes tipos de lojas causavam ineficiências. Os executivos de compras, por exemplo, usavam três tipos de laptops, cada um para sistemas diferentes e outro para a plataforma Wal-Mart, disseram pessoas próximas ao tema.

Questões tributárias

Cheesewright disse ter estabelecido os sistemas como uma prioridade e que a integração será concluída em meados de 2016. Ele disse que isso permitirá que o Brasil se beneficie integralmente dos processos criados nos EUA, ajudando a reduzir custos.

Ele também disse que o Wal-Mart estava trabalhando para entender o complexo sistema tributário brasileiro e litígios trabalhistas, problemas que tem enfrentado há anos. Em janeiro de 2014, o Wal-Mart informou que encargos tributários não esperados no país e ações trabalhistas relacionadas a iniciativas de cortes de custos comeriam 2 por cento de seu lucro anual global. Os processos trabalhistas no Brasil também prejudicaram resultados no terceiro trimestre do ano fiscal encerrado recentemente.

Cheesewright disse que está implementando um plano, incluindo instalação de equipamentos avançados de controle de tempo nas lojas e treinando funcionários para registrarem corretamente seus horários de trabalho, o que deve reduzir o risco de processos trabalhistas.

"Muitas das coisas no Brasil tratavam-se apenas do básico: as pessoas registravam corretamente a hora de almoço, administramos corretamente hora extra, elas estão fazendo as pausas entre os turnos?", disse o executivo.

O Wal-Mart, cujas vendas mesmas lojas (abertas há mais de 12 meses) no Brasil caíram 0,6 por cento no período de agosto a outubro, não é o único varejista a sofrer no Brasil.

Com a economia em recessão, o líder de mercado Grupo Pão de Açúcar, controlado pelo francês Casino, teve uma queda de 2,3 por cento nas vendas mesmas lojas entre outubro e dezembro e disse que reduzirá investimentos em 2016.

O Carrefour se opôs à tendência, publicando um crescimento de 8,5 por cento nas vendas mesmas lojas, graças a investimentos em hipermercados e no crescimento do Atacadão, maior rede de atacarejo do país.

Cheesewright disse que o Wal-Mart está promvendo uma versão maior de seu formato de descontos Todo Dia como parte de estratégia para atrair famílias de consumidores que agora vão a lojas de atacarejo.

Outros planos incluem renovar supermercados com surtimento levemente menor e foco em comida fresca.

A tarefa para que isso se torne realidade é de Flávio Cotini, que foi promovido este mês de diretor financeiro para chefe das operações no Brasil.

"Quando você constrói um castelo, você tem que construir a base primeiro. O Wal-Mart fez o contrário no Brasil", disse um ex-executivo sênior da área internacional da empresa.

"É difícil construir uma rede nacional quando a base não está implantada."

Texto atualizado às 14h39.

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Campo Grande/Bentonville - Quando o Walmart começou sua expansão na cidade de Campo Grande (MS) sete anos atrás, a economia estava crescendo e executivos se mostravam ansiosos para abrir lojas mesmo em locais tradicionalmente pouco indicados, como vias de mão única que levam para fora da cidade.

A ofensiva acabou não durando. No fim de dezembro, a varejista norte-americana fechou suas lojas de atacado Maxxi em Campo Grande como parte de uma reestruturação em que encerrou 60 unidades no Brasil, incluindo alguns hipermercados. Consumidores disseram que as lojas não podiam competir em termos de sortimento, preço e localização.

"Não estava claro para quem era o Maxxi. Não era barato o suficiente para os pobres. Mas não havia apelo para a classe média", disse Ordecy Gossler, 40 anos, contador que enchia seu carrinho de compras com artigos de limpeza em uma loja Atacadão rede rival controlada pelo francês Carrefour, em Campo Grande.

"Quando anunciaram em dezembro que os dois Maxxi fecharam, ninguém do meu trabalho sabia onde eles ficavam."

Atualmente, o Wal-Mart tem apenas um supermercado na cidade de 850 mil habitantes, cuja demografia marcada por consumidores parcimoniosos pareceu em algum momento adequada à maior varejista do mundo.

A empresa fechou a outra unidade na cidade no fim do ano passado, conforme o tráfego de clientes caiu no shopping center que deveria ser sua âncora.

A saída de Campo Grande é emblemática das questões mais amplas que o Wal-Mart enfrenta no Brasil, que foi por algum tempo destino importante de varejistas estrangeiros e outras companhias, mas que desacelerou. E o desempenho ruim da maior economia da América Latina mostra como as táticas que ajudaram o Wal-Mart a ter sucesso nos Estados Unidos às vezes não funcionam em outros países.

Os resultados internacionais da companhia têm sido anêmicos, apesar do investimento de 22 bilhões de dólares nos últimos cinco anos. No ano passado, o Wal-Mart gerou margem de lucro operacional de 4,5 por cento nos mercados internacionais, bem abaixo do retorno de 7,4 por cento publicado nos Estados Unidos.

Buscando retornos mais altos, o presidente-executivo do Wal-Mart, Doug McMillon, anunciou em outubro uma revisão estratégica para os ativos globais da companhia. Alguns analistas especularam que o Wal-Mart poderia sair do Brasil, assim como de outros países da América Latina, onde já está fechando outras 55 lojas.

O recuo no Brasil também remete a outros problemas sofridos pela empresa fora dos EUA, incluindo Coreia do Sul e Alemanha, dois mercados que o Wal-Mart abandonou em 2006.

Fica no Brasil

No Brasil, em particular, a empresa tem sido afetada pela localização de suas lojas em pontos ruins, operações ineficientes, questões trabalhistas e preços não competitivos. Com alguns dos problemas tendo surgido durante o crescimento agressivo de uma década, de acordo com entrevistas com dezenas de antigos e atuais executivos do Wal-Mart, assim como analistas, consumidores e funcionários.

O Wal-Mart disse que não comentaria seus resultados financeiros no Brasil antes da divulgação do balanço trimestral da companhia em 18 de fevereiro.

Mas pessoas com acesso aos números disseram à Reuters que o Wal-Mart publicou perdas operacionais no Brasil nos últimos sete anos.

Jo Newbould, porta-voz da varejista, disse que o fechamento de lojas é parte dos esforços da empresa de "administrar ativamente" seus ativos globais e que tem trabalhado para reduzir custos no Brasil.

David Cheesewright, chefe das operações internacionais do Wal-Mart, disse em entrevista que a companhia não tem planos de deixar o Brasil.

Ele citou a decisão da companhia de investir na conclusão da transferência de sistemas de informática legados para a plataforma mais ampla do Wal-Mart como evidência do comprometimento da companhia com o mercado brasileiro.

Cheesewright expressou otimismo sobre a retomada. "É um mercado que sempre teve alto potencial, mas teve altos e baixos em termos de desempenho", disse. "Isso acontece em momentos como de desaceleração como este, e tenho certeza de que acontecerá o que sempre acontece, melhora."

Crescimento

O Wal-Mart entrou no Brasil em 1995 e cresceu a passos comedidos por quase uma década. Isso mudou em 2004-2005, quando gastou cerca de 1 bilhão de dólares para comprar dois varejistas, o Bompreço Supermercados do Nordeste e Sonae Distribuição Brasil.

Os acordos expandiram as operações do Wal-Mart no Nordeste e Sul do país, e marcaram o início de uma onda de investimentos que tinha como objetivo construir presença nacional da rede.

Com as compras vieram uma série de marcas: o Wal-Mart opera atualmente sob nove diferentes bandeiras no Brasil. No ápice da expansão, segundo ex-executivos do Wal-Mart, a mentalidade de crescimento tomou lugar.

O avanço da economia brasileira naqueles anos convenceu executivos de que o maior risco seria a empresa se mover muito lentamente. Como resposta, aprovaram novas lojas baseando-se em previsões muito otimistas de vendas futuras.

"Muitos executivos não tinham coragem de dizer: 'não abram essa loja; não vamos aprovar mais lojas'", disse um ex-executivo de finanças da empresa. "Por que não? Porque o Brasil era um novo país. Precisávamos investir nele antes que outros fizessem isso." Em um período de seis anos até o ano fiscal encerrado em janeiro de 2013, o Wal-Mart dobrou seus pontos, atingindo aproximadamente 560 no pico. A rápida expansão distorceu a logística do Wal-Mart --tradicionalmente um de seus pontos fortes nos EUA, mas tem de desempenho arrastado no Brasil.

Em alguns casos, caminhões de entrega percorriam dias de estrada para alcançarem lojas distantes de centros de distribuição. Executivos da sede da empresa brigavam com os que dirigiam algumas lojas sobre quem deveria bancar os custos de distribuição, segundo um ex-executivo financeiro da empresa.

Em meio ao foco no crescimento, executivos nunca integraram totalmente os sistemas de informação de Bompreço e Sonae. Problemas na comunicação entre as sedes e os diferentes tipos de lojas causavam ineficiências. Os executivos de compras, por exemplo, usavam três tipos de laptops, cada um para sistemas diferentes e outro para a plataforma Wal-Mart, disseram pessoas próximas ao tema.

Questões tributárias

Cheesewright disse ter estabelecido os sistemas como uma prioridade e que a integração será concluída em meados de 2016. Ele disse que isso permitirá que o Brasil se beneficie integralmente dos processos criados nos EUA, ajudando a reduzir custos.

Ele também disse que o Wal-Mart estava trabalhando para entender o complexo sistema tributário brasileiro e litígios trabalhistas, problemas que tem enfrentado há anos. Em janeiro de 2014, o Wal-Mart informou que encargos tributários não esperados no país e ações trabalhistas relacionadas a iniciativas de cortes de custos comeriam 2 por cento de seu lucro anual global. Os processos trabalhistas no Brasil também prejudicaram resultados no terceiro trimestre do ano fiscal encerrado recentemente.

Cheesewright disse que está implementando um plano, incluindo instalação de equipamentos avançados de controle de tempo nas lojas e treinando funcionários para registrarem corretamente seus horários de trabalho, o que deve reduzir o risco de processos trabalhistas.

"Muitas das coisas no Brasil tratavam-se apenas do básico: as pessoas registravam corretamente a hora de almoço, administramos corretamente hora extra, elas estão fazendo as pausas entre os turnos?", disse o executivo.

O Wal-Mart, cujas vendas mesmas lojas (abertas há mais de 12 meses) no Brasil caíram 0,6 por cento no período de agosto a outubro, não é o único varejista a sofrer no Brasil.

Com a economia em recessão, o líder de mercado Grupo Pão de Açúcar, controlado pelo francês Casino, teve uma queda de 2,3 por cento nas vendas mesmas lojas entre outubro e dezembro e disse que reduzirá investimentos em 2016.

O Carrefour se opôs à tendência, publicando um crescimento de 8,5 por cento nas vendas mesmas lojas, graças a investimentos em hipermercados e no crescimento do Atacadão, maior rede de atacarejo do país.

Cheesewright disse que o Wal-Mart está promvendo uma versão maior de seu formato de descontos Todo Dia como parte de estratégia para atrair famílias de consumidores que agora vão a lojas de atacarejo.

Outros planos incluem renovar supermercados com surtimento levemente menor e foco em comida fresca.

A tarefa para que isso se torne realidade é de Flávio Cotini, que foi promovido este mês de diretor financeiro para chefe das operações no Brasil.

"Quando você constrói um castelo, você tem que construir a base primeiro. O Wal-Mart fez o contrário no Brasil", disse um ex-executivo sênior da área internacional da empresa.

"É difícil construir uma rede nacional quando a base não está implantada."

Texto atualizado às 14h39.

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