Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), em 2021, apontou que, em uma lista de 11 países, o Brasil é o que tem mais casos de trabalhadores com problemas de saúde mental (Thanakorn Suppamethasawat / EyeEm/Getty Images)
Fundada há pouco mais de dois anos, a healtech brasileira Vigilantes do Sono tem como foco principal auxiliar pacientes e profissionais a melhorar sua relação com o sono, através de uma terapia conhecida como TCC-I (Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia), que combina acompanhamento psicológico, tecnologia e solução sem remédios para ajudar as pessoas a dormir melhor.
Através de um aplicativo, a Vigilantes passa a acompanhar a jornada de descanso e o sono dos pacientes e, por meio da um questionário e inteligência artificial que identifica as maiores problemáticas na relação do paciente com o sono, passa a indicar linhas de cuidado adequadas para cada situação. Isso, é claro, aliado ao trabalho de um psicólogo.
Porém, a companhia passa a oferecer um rol mais completo em relação aos cuidados com a saúde mental. Antes referência no combate à insônia, a Vigilantes do Sono passa, a partir deste mês, a oferecer programas e pacotes de ajuda para aqueles que sofrem de depressão e ansiedade.
Para que as novas ferramentas entrem no ar, o aplicativo será atualizado de forma a comportar múltiplas linhas de cuidado. Em conversa com a EXAME, a empresa destacou os principais pontos de mudança com a novidade e como isso é importante para o mercado de tecnologia e saúde no Brasil de forma geral.
"As novas jornadas serão estruturadas por sessões de interação curta com a Sônia, nossa inteligência artificial, da mesma forma que acontece hoje", explica Lucas Baraças, CEO da companhia.
Segundo a psicóloga e sócia-fundadora da Vigilantes do Sono, Laura Castro, é crescente o número de pessoas que sofrem por questões emocionais e que não têm acesso a intervenções precoces efetivas, com foco em prevenir o surgimento ou o agravamento de transtornos mentais, entre eles a depressão e a ansiedade, que são os mais comuns.
“As dificuldades com o sono costumam ser um dos principais sinais de que alguma coisa não vai bem, tanto física quanto emocionalmente. Com o resultado eficaz da TCC-i digital no tratamento da insônia, que também nos permitiu observar muitos relatos de uma melhora global no humor e na qualidade de vida, estamos confiantes de que a terapia agora adaptada poderá ajudar muito mais gente, em especial pessoas sofrendo com depressão e ansiedade”, aponta a profissional.
O CEO da companhia concorda e reforça o ponto da psicóloga. Dentro da Vigilantes, é consenso a ideia de que o problema com o sono é apenas a "ponta do iceberg" quando analisamos o estado mental de uma pessoa.
Logo, ainda segundo Lucas, passar a oferecer cuidados com depressão e ansiedade foi uma decisão natural, dada a natureza de negócio da Vigilantes do Sono em si: o próximo passo da empresa precisava ser nessa direção, aumentar o rol de serviços e produtos no segmento de cuidado da saúde mental.
A relação entre distúrbios psicológicos e insônia é cientificamente conhecida. Pesquisadores da Universidade de Medicina de Nihon, em Tóquio, descobriram que 70% das pessoas com ansiedade têm problemas para dormir.
"A relação entre sono e outras condições comórbidas (outras condições que acompanham a insônia, sejam elas condições psiquiátricas como as que comentamos, ou de outra natureza, como menopausa, dores crônicas etc.) são bidirecionais. O lado ruim é que as condições tendem a se cronificar. O lado bom é que se você cuida de uma condição você também melhora a outra. Se você melhorar a ansiedade, você melhora o sono, mas se você melhora o sono, você também melhora a ansiedade", complementa o CEO.
A saúde mental, seja dentro das empresas ou da sociedade civil em geral, virou um tema de destaque nos últimos tempos, dada a maior atenção das pessoas com essa problemáticas e a própria pandemia de Covid-19, que pode ter mudado para sempre como o ser humano contemporâneo encara a sua própria vida e trabalho, por exemplo.
Doenças mentais, que já eram conhecidas e presentes nas mais diversas pessoas, ganharam um nome oficial e começaram a ser tratadas com seriedade. Desde Síndrome de Burnout a Transtornos de Ansiedade Social, o mercado e a sociedade passaram a enxergar com mais seriedade o estado da saúde mental e a influência que isso possui na vida das pessoas.
O mercado de healtech, principalmente aquele focado em saúde mental, parece ter percebido esse movimento com muita clareza. Em 2022, por exemplo, o segmento de cuidado com a saúde mental foi o setor de saúde que mais recebeu investimentos e, nos últimos anos, os mercados passaram a ver cada vez mais companhias e serviços voltados a esse público. Nos EUA, por exemplo, o setor de healtech com foco em saúde mental já conta com mais de 10 unicórnios, sendo que esse número era zero há menos de uma década atrás - e a Vigilantes enxerga um movimento parecido no Brasil.
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"Quando olhamos para o mercado brasileiro, estamos vendo uma evolução na forma como lidamos com o tema. Num primeiro momento, com a pandemia, a popularização dos tele-atendimentos, vimos muitas empresas assumindo uma posição de amparo. Como posso dar um suporte para meu colaborador? Como posso mostrar que eu como empresa estou preocupado com ele?", conta o CEO da companhia.
Para ele, é fundamental que os pacientes enxerguem o trabalho da Vigilantes com outros olhos: o serviço oferecido precisa sair da posição de amparo imediato para uma posição de resolutividade.
"As empresas já entenderam que cuidar da saúde mental vai muito além de oferecer um psicólogo: exige conscientização, romper estigmas, engajar colaboradores, monitorar casos complexos, etc", complementa Bruno.
O foco da Vigilantes, por enquanto, é se fidelizar entre o mercado B2B, oferecendo seus serviços de acompanhamento e cuidados à empresas, para que essas ofereçam os produtos da Vigilantes aos seus funcionários em forma de benefício. A visão, pelo menos a médio prazo, é que essas companhias podem ser um grande canal de oferecimento dos serviços da Vigilantes em larga escala.
"Até pelas características da nossa solução de base digital, nós acreditamos estar bem posicionados para resolver estes dois desafios de mercado. Oferecer um tratamento que seja mais acessível (nossa tecnologia consegue resolver casos leves e moderados sem precisar do profissional de saúde e prover atendimento ou escalar casos mais graves ou necessários) e mais assertiva", finaliza o CEO.
E se há um país onde o mercado de cuidados com saúde mental é enorme e ainda pouco explorado, esse lugar é o Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo.
O quadro, durante esse período pós-pandemia, parece ter apenas piorado: uma pesquisa da USP, em 2021 mostrou que o Brasil, em uma lista de onze países, lidera com mais casos de ansiedade (63%) e depressão (59%), seguido, respectivamente, da Irlanda e dos Estados Unidos.
Um outro estudo desenvolvido em conjunto pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fez a mesma constatação. De acordo com os pesquisadores, 40,4% dos brasileiros participantes do estudo se sentiam frequentemente tristes ou deprimidos, e 50,6% relataram estar constantemente ansiosos ou nervosos durante a pandemia.
Para boa parte dos pesquisadores e profissionais da saúde mental no Brasil, o país passa por uma séria epidemia silenciosa de ansiedade e depressão e isso pode ter consequências irreversíveis para o estado do país no curto e médio prazo.
"Costumamos dizer que a Vigilantes do Sono era o cavalo de tróia da saúde mental. Quando falamos de sono, não há tabu. Ansiedade e a depressão, por outro lado, ainda têm grandes estigmas ligados a elas. Oferecer psicólogo ou psiquiatra para todos ainda é uma opção muito cara (são poucas as empresas que conseguem oferecer isso para os colaboradores, isso é ainda mais forte nas grandes empresas) e a maioria das empresas têm pouca visibilidade de retorno sobre investimento", finaliza o CEO.