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Vendetta?

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto. "Por que o jovem e nobre Francesco Matarazzo trocou a Itália exatamente pelo enorme e exótico Brasil, lá do outro lado do Atlântico, a milhares de milhas náuticas? Pela permanência das graves dificuldades e reflexos decorrentes da guerra de unificação, que ainda perduravam, empobrecendo […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto.

"Por que o jovem e nobre Francesco Matarazzo trocou a Itália exatamente pelo enorme e exótico Brasil, lá do outro lado do Atlântico, a milhares de milhas náuticas? Pela permanência das graves dificuldades e reflexos decorrentes da guerra de unificação, que ainda perduravam, empobrecendo a família e sufocando a pequena e frágil economia de Castellabate? Atração pelo País? Para atender à mãe, Mariangela? Para não ter de vingar a morte do pai ou de um tio?

Muita lenda, várias hipóteses, algumas implausíveis. Compreensível: muito do imaginário em torno de um mito resulta da mistura de realidade e fantasia, de fato e ficção. Seguem-se as principais hipóteses e versões.

O pai de Francesco, o médico Costabile Matarazzo, teria sido abatido a tiros de espingarda no dia 15 de setembro de 1873, em Castellabate, aos 43 anos, na cama que ocasionalmente estaria compartilhando com a mulher do assassino. Questão de honra, sangue; sangue, questão de honra. Filho mais velho, caberia a Francesco, conforme a tradição, vingar o pai. Como não queria virar criminoso, teria resolvido emigrar. Lembre-se: século dezenove, Castellabate, região de Nápoles, Província de Salerno. Cultura napolitana, código napolitano.

Os que admitem essa hipótese apontam até o local do crime: Strada Sotto Santi. Autor? Sustentam que a profissão de médico, mesmo não exercida rotineiramente, facilitava escapadas do doutor Costabile. Sangue forte, aventuras. Mariangela, mulher dele, de 37 anos, estava grávida do nono filho, também Costabile, que nascerá em fevereiro do ano seguinte. Não há qualquer prova desse picante homicídio. O episódio, passado mais de um século, ainda comove e incomoda. É quase um tabu. Ainda há cochichos de que a família decidiu afundar o assunto em espesso mistério.

O doutor Costabile ganhou duas lápides em mármore. Uma, sem data, do filho Francesco, na qualidade de primogênito, em que a viúva, Mariangela, não é citada. No alto, o busto marcante do morto, barba cerrada, cabeça calva. Outra, de 1910, além de mencioná-la, tem um dos títulos e o nome completo do futuro conde em latim: Commendator Franciscus Antonius Matarazzo.

Castellabate, janeiro de 2002. O pesquisador Domenico Caramico considera o assassinato de Costabile plausível. Diz que ouviu isso várias vezes, que intui indícios de verdade e percebe antiquíssimos sinais de manipulação e distorção dos fatos.

Roma 8 de abril de 2002, diálogo com Virginia Ippolito, bisneta do médico Costabile Matarazzo.

Você conhece o Caramico, de Castellabate, Virginia?

O Caramico é ótimo, um amor de pessoa. E muito sério. Ele teve uma experiência incrível com o meu bisavô!

Com o seu bisavô?!

Sim, com o meu bisavô Costabile, pai do meu avô, senador Andrea Matarazzo.

Como foi?

O Caramico conta que estava dentro de uma casa velha, meio caída, que precisou olhar, quando apareceu para ele o meu bisavô Costabile Matarazzo, morto no século dezenove [1873], e disse: "Sai debaixo, que o telhado vai cair!". E não é que caiu mesmo?! [Risos]. Acho que isso foi só uma impressão do Caramico. Nunca vi ninguém voltar do além. [Risos].

Nem eu. Quem sabe só tem viagem de ida? A visão falante do Caramico foi em Castellabate?

Sim. Sempre que o Caramico me vê, diz: "Fui salvo pelo seu bisavô!". Não sei se é fantasia ou se ele viu mesmo. [Risos].

Outra coisa, Virginia: de que morreu o Costabile, seu bisavô?

Ele teve um furúnculo no pescoço, bem debaixo do cérebro. Aqui na Itália falam de um tumor benigno. Mas, pelo meu ponto de vista, era maligno, porque ele morreu logo.

Mesmo que o doutor Costabile tivesse emigrado deste mundo de morte matada os fatos teimam em mostrar o contrário , seria improvável um vínculo direto de tal tragédia com a saída do filho Francesco, que só acontecerá cerca de oito anos depois, no final de 1881. Parece tempo demais para um jovem saudável e valente viver envergonhado de não lavar a honra familiar em sangue, como exigido pelos antigos costumes daquele lugar tão resumido, onde todos sabiam de tudo. Principalmente no caso dele, um rapaz muito forte e grande, de temperamento guerreiro, que queria a carreira das armas e adorava caçadas.

Crime e mistério? Pode ser tudo muito diferente. Maria Angélica Matarazzo de Benavides ouviu do pai, Attilio Matarazzo, que o médico Costabile morreu devido a complicações de um carbúnculo no pescoço. É uma infecção necrosante da pele e tecido subcutâneo que, em raros casos, pode evoluir para pústula maligna e grave septicemia. Ela lembra que para a medicina chinesa o carbúnculo é produto "de energia mal dirigida em pessoas que ficam muito zangadas". E mais: o assassinado não teria sido o doutor Costabile, mas sim um irmão dele, Alfonso Matarazzo, de 49 anos, que deixou em dificuldades econômicas a viúva e as filhas: Carmela, de 1860, Maria Giovina, de 1862, e Vincenza, de 1865.

Observe-se que Costabile partiu em 1873 e seu irmão Alfonso cinco anos depois, em 23 de novembro de 1878, data registrada em ensaio do venerável monsenhor Alfonso Maria Farina, de Castellabate, publicado em 1978. Título: Una gemma del sacerdozio: Don Nicola Matarazzo, Apostolo del Cilento. A vendetta [vingança] de Dom Nicola, o irmão mais velho de Costabile e Alfonso, teria sido o perdão. Sacerdote, não aceitava o antigo mandamento local de sangue por sangue, vida por vida, morte por morte. Mais: teria convencido os parentes a desistirem da forra.

Palavras dele: "O heroísmo não consiste em suprimir um adversário, mas em reprimir a própria cólera". Coisa de Cristo, coisa de santo. Naquele mundo napolitano de então, um milagre.

Em texto inédito de 2003, Maria Angélica conta que Nicola, irmão mais velho do seu bisavô paterno, entrou no sacerdócio ainda criança. Por isso, foi o médico Costabile, pai do conde Francesco Matarazzo, quem depois chefiou a família até morrer, em 1873. Assim, quando o terceiro dos irmãos, Alfonso, que não tinha filho homem, foi assassinado, em 1878, aos 49 anos, caberia realmente a Francesco, o sobrinho mais velho, vingá-lo. Mas o arcipreste Dom Nicola Matarazzo, irmão do morto, portanto tio do futuro conde Francesco Matarazzo, conseguiu deste e da família que desistissem dessa vingança. Garantiu-lhes que o nome do assassino acabaria vindo a público, o que de fato aconteceu vinte anos depois.

Quanto ao motivo do crime, a curiosidade dela garimpou duas versões: motivação política e caso amoroso, esta confidenciada pelo primo Ferdinando Matarazzo, também bisneto do médico Costabile. De Lima, Peru, em 6 de junho de 2001, ela explica que Alfonso teria sido empurrado pelo assassino num precipício. Alguns dizem que foi por caso de amor dele com mulher casada.

Ela lembra que nas pequenas cidades da Itália havia famílias com grande rivalidade. E confirma que realmente cabia a Francesco a vingança, por ser o sobrinho mais velho da vítima, que não tinha filho homem. O sacerdote Dom Nicola teria convencido o sobrinho Francesco a emigrar para não ter de matar. Mas a conclusão da historiadora é a inevitável: não existe prova de que esse episódio tenha ligação com a emigração do seu avô."

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