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A indústria pornô se reinventa

“É um orgulho fazer parte dessa indústria, apesar do preconceito, e daquela risadinha que a gente ouve”, disse o gaúcho Anderson Alves, ou Andy Star, como é mais conhecido, ao ser premiado na terceira edição do Prêmio Sexy Hot, realizado semana passada em uma casa de eventos em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A […]

FEIRA ERÓTICA NA EUROPA: exportar conteúdo é um caminho para os produtores brasileiros crescerem  / Sean Gallup/Getty Images

FEIRA ERÓTICA NA EUROPA: exportar conteúdo é um caminho para os produtores brasileiros crescerem / Sean Gallup/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 8 de julho de 2016 às 20h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

“É um orgulho fazer parte dessa indústria, apesar do preconceito, e daquela risadinha que a gente ouve”, disse o gaúcho Anderson Alves, ou Andy Star, como é mais conhecido, ao ser premiado na terceira edição do Prêmio Sexy Hot, realizado semana passada em uma casa de eventos em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A existência de uma indústria brasileira de filmes pornográficos em plena vigência e um prêmio que joga luz em pessoas como Anderson são surpreendentes.

Ele, que já subiu ao palco emocionando, está na periferia de uma indústria que resiste bravamente à devastação da era digital, que transformou boa parte da pornografia em conteúdo gratuito. O prêmio é uma rara chance de saber que gente como ele existe, trabalha, ouve risadinhas e luta contra isso. E é premiado.

“O prêmio é um divisor de águas nesta indústria. Em 2014 ninguém sabia o que ia ser, e a repercussão foi muito boa, este ano estamos confirmando o crescimento de visitantes e de produtoras concorrendo”, diz Mauricio Paletta, diretor da Playboy do Brasil, grupo formado pela Playboy Latin America e pela Globosat que detém, entre outros canais, o Sexy Hot.

O canal tem hoje 410.000 assinantes e um acervo de mais de 700 filmes (70% deles nacionais), com três estreias por semana. Fatura estimados 100 milhões de reais por ano. A premiação é, em sua maior parte, decidida pelo público, que votou pela internet. A intenção do Sexy Hot é fomentar essa indústria e tornar-se um canal exclusivamente de filmes brasileiros em breve. Paletta garante que há um mercado para sustentar isso. “Antigamente havia três ou quatro produtoras que monopolizavam o mercado, hoje está mais pulverizado, e a produção é maior.”

Os modelos de negócio entre o canal e as cerca de dez produtoras que hoje trabalham com ele variam. Geralmente são entregados um determinado número de filmes por ano, que podem ser exclusivos do canal por um período ou não, e cujas licenças de uso costumam durar entre três e quatro anos. “Nossa receita inclui zero de publicidade. É assinatura, pay-per-view e agora o vídeo on-demand. Desde 2007, sempre tivemos lucro”, garante Paletta. “Tanto que a Globosat é majoritária na empresa, tem 60%, e está muito satisfeita com os resultados.”

Exército de um homem só

O entusiasmo de Paletta até faz algum sentido, mas chamar o mercado brasileiro de filmes pornográficos de indústria pode soar como certo exagero. Bom exemplo é o carioca Brad Montana (nome fantasia). Aos 33 anos, ele é o que uma caravana chamaria de one-man band. Até 2010, ele era supervisor de vendas de uma operadora de telecomunicações e conhecido na internet por organizar eventos de swing, quando venceu concurso de uma produtora que revelaria um novo talento do pornô.

Na época, a indústria vivia uma crise, ele desistiu e voltou ao emprego anterior. Mas, desde 2014, produz seus próprios filmes com a produtora que leva seu nome. Montana cuida da burocracia, do transporte, dos pagamentos, dirige, fotografa, cuida das locações, edita, atua e distribui. Enquanto seu site com conteúdo Full HD e modelo de assinatura num valor que deve variar entre 19 e 25 reais por mês não entra no ar, ele ainda vende seus filmes com links por e-mail. Hoje, os filmes são vendidos a 20 reais.

A pornografia é um raro meio no qual as mulheres são mais importantes e ganham mais do que os homens. Duas delas, as principais vencedoras da edição deste ano do prêmio, são exemplos de escolas diferentes. De cabelos coloridos e extremamente falante, Barbara Costa venceu dois prêmios. Natural de Mogi das Cruzes (SP), ela entrou no universo dos filmes adultos há cinco anos, por vingança contra o ex-noivo, fã de pornografia, que resolveu casar com outra.

Um produtor que pediu para permanecer anônimo afirmou que paga cachês considerados generosos para os padrões do meio: 1.400 reais para as mulheres e entre 300 e 500 reais para os homens, sempre por cena. Mas os filmes não são sua única fonte de receita. “Sou CamGirl, faço presença em eventos e shows de strip-tease”, diz. Além disso, ela é considerada uma atriz pornô geek, que fala ao público fã de séries e filmes de fantasia. Barbara estava com a mãe na premiação, sinal que a relação das famílias com quem trabalha neste meio pode estar, como o mundo, mudando.

A única mulher que saiu do Prêmio Sexy Hot com mais estatuetas que Barbara foi Patrícia Kimberly. Aos 32 anos, a simpática paulistana da zona leste levou para casa quatro láureas. Patrícia está há uma década no mercado e tem mais de trezentos filmes no currículo, com as principais produtoras brasileiras e estrangeiras. “Com 19 anos eu dava aulas de inglês, entrei na faculdade mas não conclui um semestre”, conta. “Meu sonho era ser capa de revista adulta, aí surgiu uma proposta para para fazer filme pornô. Pensei: por que não ser conhecida fazendo o que mais gosto?”

Sociedade alternativa

Nos filmes pornográficos, a forma e o conteúdo envelheceram de maneira semelhante. O filme como produto físico expirou, e a maneira de se falar ao espectador também passou do prazo de validade. Imagine uma cena clássica dos anos 80: a mulher está na cozinha em roupas provocantes, descobre um vazamento na pia e chama o encanador. Ou está com fome e chama o entregador de pizza. Ou precisa terminar um trabalho da faculdade e chama um colega para ajudar. Mesmo que sem ter visto um filme pornô na vida, é possível saber exatamente o que vai acontecer na sequência.

O alt-porn, corruptela para pornô alternativo, é uma ramificação consolidada neste século que, além de procurar novos padrões de beleza, mais próximos da vida real, tem na origem a intenção de atrelar a libido à expectativa de quem assiste. Acontece, por exemplo, uma guerra de travesseiros entre quatro mulheres em trajes mínimos em cima de uma cama. A cena pode virar uma orgia, uma cena de amor ou simplesmente perpetuar a inocente guerra de travesseiros — o fato de não saber o que esperar é o principal combustível para a libido, neste caso.

Barbara Costa, além de atriz premiada, é também símbolo de um novo tempo. Ela é a atriz principal de Fight for Fuck, vencedor na categoria melhor filme hétero, prêmio recebido pelo diretor Marco Cidade, que já havia sido eleito melhor diretor na primeira edição do prêmio por Insônia. Ambos os filmes são da principal produtora do gênero alt-porn no Brasil, a XPlastic.

Cidade não é funcionário da produtora, mas seu trabalho está intrinsecamente relacionado ao estilo alternativo. “Sou diretor freelancer da XPlastic, eles me liberam um orçamento e entrego o material pronto”, diz o diretor. Ele não vive só dos filmes adultos, mas vem se tornando um especialista no ramo. “Tenho um workshop de cinema pornô que está na terceira edição e que dá a oportunidade das pessoas sentirem o que é estar num set de filmagens e como realmente funciona a indústria”, conta.

A Xplastic foi criada em 1998 por três amigos que tinham uma banda, uma câmera vinda do Japão na mão e uma ideia, digamos, controversa. “Resolvemos fazer um vídeo pornô, mas como não conhecíamos nenhuma atriz, nem tínhamos grana, compramos Barbies falsificadas, misturamos com outros brinquedos, fizemos uma masmorra de papelão e produzimos uma animação vagabunda, que chamamos de ‘plastic lesbian’”, conta Roy, um dos fundadores. “Nosso filme passou numa mostra no Mix Brasil e consideramos esta exibição como o nascimento da Xplastic.”

Nesses 18 anos, a empresa vendeu vídeos, fanzines, filmes com orçamento zero, ganhou trilha sonora do músico gaúcho Wander Wildner e entrou na internet. “A espinha dorsal dos nossos modelos de negócios sempre foi o que se chama hoje de ‘Bootstrap’: fazer tudo com o próprio dinheiro, sem investidores”, define Roy. “Este é e sempre será nosso mantra financeiro: não temos pressa para crescer porque estamos nos divertindo no caminho.”

Com autodeclarados “números pequenos” e “um público apaixonado”, Roy não entra em detalhes sobre o faturamento. Prefere falar sobre o novo projeto da empresa. “Nossa ambição é ser o Netflix pornô. Gostamos de pensar grande, e apostamos num modelo que acreditamos ser mais justo, um modelo de divisão de receita mais agressivo. Com poucos meses de operação, tratamos o projeto como nossa startup. Já temos grandes atrizes e marcas fazendo parte”, conta. Repleto de meninas tatuadas, questionando padrões de beleza e opções sexuais muito definidas, mas sem perder a ternura jamais, o alt-porn vai mostrando o caminho para os filmes adultos sobreviverem.

(Jardel Sebba)

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