André Maranhão (esq.) e Eduardo Lacet (dir.), sócios-fundadores do estaleiro NHD Boats (Arte/Exame)
Gabriel Aguiar
Publicado em 10 de novembro de 2021 às 07h00.
Última atualização em 10 de novembro de 2021 às 09h54.
Comprar o barco mais caro da NHD Boats custa 1,2 milhão de reais. E, ainda que nunca tenha sido colocado na água – o lançamento está previsto para o ano que vem –, o NHD370 vendeu doze unidades.
Mas quem vê a boa fase da empresa, que prevê faturar 20 milhões de reais em 2021, talvez nem imagine que a história começou com investimento de apenas 500 mil reais.
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“Nos ofereceram o que havia sobrado do estaleiro HD Marine, que fez sucesso nas décadas de 1990 e 2000. Eu trabalhava com varejo e meu sócio com odontologia. Nós compramos, mesmo sem saber o que fazer. Para piorar, o país estava em plana crise política e econômica em 2016. Mas estudamos para fazer o negócio funcionar e não por hobby”, diz André Maranhão, sócio-fundador.
E o próprio empresário admite ter cometido erros até encontrar a fórmula certa: foram feitos dois barcos com desenhos reaproveitados da HD Marine, em 2017, mas os resultados foram “péssimos”. Para piorar, não havia fornecedores no Recife (PE), cidade-natal dos sócios e sede do antigo estaleiro. No fim das contas, os sócios decidiram contratar uma consultoria para ajudar com o plano.
“Do que a gente comprou, não deu para aproveitar quase nada. Não sabíamos que seria um começo praticamente do zero. Levamos mais de um ano no desenvolvimento dos novos modelos e também mudamos a nossa fábrica para Itajaí (SC). Era a única opção para quem decidiu começar pequeno, já que toda cadeia produtiva e fornecedores do setor estão na região”, afirma Maranhão.
Foram dois longos anos – e quase 2 milhões de reais investidos dos próprios bolsos – até o primeiro barco finalmente tocar na água em abril de 2018. Durante a fase de projeto, a NHD Boats funcionou dentro de um escritório de 250 m², que saltou para 800 m² assim que começaram a produção. Para se diferenciar no concorrido mercado náutico, o fabricante desenvolveu o Open Deck.
“Decidimos pensar em algo inovador para conquistar espaço entre os fabricantes já consolidados: a plataforma lateral que pode abrir. Esse recurso não existia em barcos menores, rivais do NHD270, e nós patenteamos o sistema. Tanto que, antes mesmo do lançamento, o nosso modelo já tinha feito sucesso de vendas. Também mudamos todo o desenho em relação à HD Marine”.
No caso da NHD Boats, o segredo do sucesso foi criar áreas realmente dedicadas ao lazer dentro da própria embarcação: não existem degraus separando cabine e plataforma traseira, justamente para integrar todos os espaços, enquanto a grande bancada (com pia e churrasqueira) se tornou o centro das atenções. Tanto que a filosofia se repetiu em todos os barcos feitos pela empresa.
“Nós decidimos criar um modelo totalmente próprio, maior que o NHD 270 [que tem 8,35 metros de comprimento]: o NHD 340 não aproveita nada do estaleiro anterior e foi o primeiro projeto da nossa equipe de engenharia. E não fizemos segredo. Em vez disso, divulgamos a novidade e apresentamos virtualmente. Nós vendemos quatro unidades antes de finalizar o barco”, diz Maranhão.
Mas, no meio do planejamento, chegou a pandemia – e o desespero dos sócios, que não tinham o apoio de investidores externos para suportar uma crise logo nos primeiros meses de operação.
Só que o mercado ficou ainda mais aquecido e, com apenas um mês de atraso (de maio para junho), o novo modelo foi lançado e a empresa sobreviveu sem nenhum impacto.
“Nunca tivemos tanta procura ou repercussão. Foi aí que percebemos algo diferente. Porque aquele era um momento trágico, no qual as pessoas passaram a dar mais valor à vida e ao lazer. Tanto que nós já vendemos mais de 150 unidades desde 2018 e, deste total, cerca de 80 foram neste ano. Nós já estamos com toda a nossa produção comercializada para 2021”, diz o sócio-fundador.
E o sucesso não ficou restrito ao mercado brasileiro: cerca de 20% das unidades serão enviadas para fora do país – com negócios fechados nos Estados Unidos e na Turquia. Nos próximos anos, também há planos para expandir no México e nos países do Mercosul, graças ao recém-criado departamento comercial dedicado às vendas internacionais. Pelos planos, 24 barcos serão exportados.
“Estamos com bons números e, atualmente, nosso carro-chefe é o NHD 340. Só que o novo NHD 370 [que tem a 11,2 metros de comprimento e permite 16 passageiros a bordo] deverá ultrapassar assim que for oficialmente lançado. Tanto que a nossa previsão é dobrar o faturamento para 40 milhões de reais em 2022, quando teremos quatro modelos [entre 400 mil a 1,2 milhão de reais]”.
Levou cinco anos para que o estaleiro abandonado da HD Marine chegasse ao patamar atual, que começou com 3 funcionários e, hoje, emprega mais de 120 pessoas. Também cresceu a fábrica catarinense, que chegou aos 1.800 m² nos últimos meses e será ampliada para 4.000 m² ainda neste ano – que abandonará (em partes) o processo artesanal para se tornar mais industrial.
“Nem eu e nem meu sócio somos milionários. Nós começamos pequenos e sempre crescemos com um passo atrás do outro. Esse é um setor com muitas vaidades, mas não tenho vergonha de falar do nosso início, porque sei como é difícil empreender, começar de baixo e sem apoio. Isso só nos deixa mais orgulhosos, porque fizemos tudo dentro da nossa realidade”, diz André Maranhão.
Com expectativa de fechar este ano com faturamento de 840 milhões de reais, o setor náutico deve crescer mais de 10% em relação a 2020 – que, por sua vez, já tinha aumentado 20%, de acordo com os dados da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e Seus Implementos (Acobar). No ano passado, foram 761 milhões de reais, enquanto 2019 fechou com 610 milhões de reais.
Mesmo durante a pandemia, a cidade de São Paulo (SP) recebeu o Boat Show, maior evento náutico indoor da América Latina, em edição inédita outdoor, na Raia Olímpica da Universidade de São Paulo (USP) – que movimentou mais de 155 milhões de reais com 215 embarcações vendidas. Neste ano, voltou ao formato tradicional, no São Paulo Expo, e deve movimentar 220 milhões de reais.
Fato é que o Brasil é um mercado interessante e praticamente todos os estaleiros expositores neste ano têm produção nacional – com exceção da francesa Beneteau, representados pela Aloha Nautica. Outro indicativo é que, com exceção das italianas Azimut e Sessa Marine, todas os demais 23 fabricantes presentes no evento têm origem nacional.
A mão de obra mais acessível quando comparada a outros países é um atrativo, ainda mais com incentivos fiscais e benefícios concedidos pelos municípios.
Mas o mercado brasileiro é competitivo e tem fácil acesso a alguns dos principais importadores, como é o caso dos Estados Unidos. Por outro lado, os motores são importados na maioria das vezes, o que aumenta os impactos do dólar.
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