Relatório da PF reaquece disputa Abilio vs. Casino
Segundo a PF, o Casino atuou junto com o BNDES para prejudicar o empresário. A polêmica vem justamente num momento de melhora dos resultados do GPA
Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2017 às 12h24.
Última atualização em 23 de outubro de 2017 às 19h29.
O grupo varejista francês Casino está envolvido em nova polêmica no Brasil justamente quando a economia dá sinais de recuperação e o Grupo Pão de Açúcar, controlado pelos franceses, se prepara para uma nova leva de bons resultados.
Em relatório encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça na Operação Acrônimo, a Polícia Federal concluiu que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), atuou com o auxílio do ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luciano Coutinho para favorecer o Grupo Casino ao não liberar empréstimo para viabilizar a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour, em 2011.
Segundo a PF, Pimentel e Coutinho se articularam para impedir a concretização de um empréstimo do BNDES para o empresário Abilio Diniz, que na época buscava apoio do banco público para a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour.
As ações do GPA caíram 1,88% nesta segunda-feira. Analistas avaliam que o impacto para a rede será pequeno, e que dificilmente vai interromper um período de resultados promissores. Na sexta-feira, dia 13, o GPA anunciou aumento de 8% nas vendas do terceiro trimestre, para 10,9 bilhões de reais. O maior responsável é a rede de atacarejo Assaí, que teve aumento de 25,2% nas vendas. A rede de hipermercados Extra, a bandeira mais problemática do grupo nos últimos anos, também teve bom desempenho graças ao foco nas lojas mais rentáveis, depois da conversão de 15 unidades para a marca Assaí desde o início do ano.
No ano, as ações do GPA já subiram 33%, graças a uma melhora nos resultados que deve continuar, segundo relatório recente do banco Brasil Plural. “Acreditamos que a companhia vai continuar se beneficiando de sua estratégia assertiva com melhora na execução”, diz o relatório. A margem líquida da empresa passou de -2,8%, no segundo, trimestre de 2016, para 1,5% no segundo trimestre deste ano. O resultado consolidado do terceiro trimestre será divulgado na quinta-feira 26.
Ainda assim, a companhia ainda está devendo sob o comando do Casino. Em cinco anos, as ações caíram 15%, enquanto o Ibovespa valorizou 30%. A margem líquida ainda está aquém do segundo trimestre de 2012, último sob comando de Abilio Diniz, quando bateu 3,8%. Claro que na época a economia brasileira estava num momento muito melhor, mas de lá pra cá uma série de problemas fez com que a varejista desempenhasse abaixo do esperado sob comando dos franceses.
“Eles não estavam preparados para assumir o negócio e cometeram uma série de erros de execução e de estratégia, com seguidas trocas de executivos”, diz um analista que acompanha a empresa. “Mas conseguiram se recuperar. O relatório da PF não deve impactar a recuperação, mas certamente não ajuda”.
Tensão total
O caso citado no relatório remonta ao período de maior tensão entre os franceses e seu antigo sócio no Brasil. Em 2006, Abilio e os franceses assinaram um acordo de acionistas que previa que, em 2012, o Casino poderia assumir o controle do Pão de Açúcar no Brasil.
Mas o tempo foi passando, a operação da varejista foi melhorando, e Abilio passou a buscar alternativas para o negócio — todas elas pressupunham, evidentemente, que ele permanecesse no controle da varejista fundada por seu pai, pisando no calo do controlador do Casino, seu antagonista Jean-Charles Naouri.
Em fevereiro de 2011, segundo a PF, Diniz apresentou o polêmico projeto de fusão a Coutinho, que teria autorizado a realização de estudos técnicos sobre a operação.
Era o auge da política de campeões nacionais, e ter um varejista com condições de brigar de igual para igual com os maiores do mundo poderia fazer sentido para o Brasil. Certamente fazia sentido para Abilio, mas não para Naouri, que usou o episódio como gota d’água para informar, em julho de 2011, que de fato exerceria a opção para assumir o controle do Grupo Pão de Açúcar.
A PF aponta no relatório que o Casino, contrário à compra, teria efetuado pagamentos para uma empresa que cedeu 40% dos valores à mulher de Pimentel, Carolina de Oliveira.
Para os investigadores, o repasse seria uma contrapartida à inclusão de uma cláusula em desfavor de Diniz. A cláusula tratava da obrigatoriedade de o Pão de Açúcar não possuir qualquer disputa judicial com os franceses para poder ter acesso ao dinheiro do BNDES.
Segundo a PF, em troca da inclusão da cláusula e da manutenção da situação de interesses do grupo, foram pagos 8 milhões de reais pelo Casino à empresa MR Consultoria.
A PF concluiu que a empresa, de propriedade do jornalista Mário Rosa, intermediou o repasse de parte do valor para a atual primeira-dama de Minas Gerais. Pimentel não foi indiciado porque é governador e tem foro privilegiado no STJ. A primeira-dama, Coutinho e Mário Rosa foram indiciados pela PF por corrupção passiva.
Procurada por EXAME, a assessoria do Casino afirmou que é “um absurdo alegar que Pimentel e Coutinho possam ter atuado para beneficiar o Casino contra Abilio Diniz, sabidamente próximo do banco de fomento”. Em nota, o grupo informa que “cooperou plenamente com a investigação e foi surpreendido por suas conclusões equivocadas”. A empresa afirmou ainda que a investigação da Polícia Federal possui erros primários de apuração, inclusivo cronológicos, e que a cláusula de não-litígio que a PF alega ser a prova da suposta corrupção, é nada menos que uma cláusula "perfeitamente normal" e clássica em transações societárias.
Vida nova
Depois de perder o controle do Pão de Açúcar, varejista fundada por seu pai em 1948, Abilio e o Casino voltaram a se desentender em 2013, quando o empresário foi eleito para a presidência do conselho da fabricante de alimentos BRF. O Casino alegou conflito de interesse, já que a BRF e o Pão de Açúcar eram importantes parceiros comerciais.
Abilio deixou definitivamente o Pão de Açúcar em setembro de 2013. E, por conta própria, retomou a relação com o Carrefour, mas desta vez para bater de frente com sua antiga companhia. Atualmente, a empresa de investimentos de Abilio, é o terceiro maior acionista do Carrefour no mundo, com 7,86% das ações totais. Em dezembro de 2014, Diniz também comprou uma participação de 10% na unidade brasileira do Carrefour, elevada a 12% em junho de 2015.
No Brasil, a Península indicou seis executivos para operação, e colocou em marcha um agressivo plano de crescimento batizado de Usain Bolt, que fez a rede deixar o Casino para trás em muitos quesitos.
Foi beneficiado, em partes, pela claudicante estratégia dos franceses, tanto no varejo físico, quanto no e-commerce, com a Via Varejo. O relatório da PF divulgado neste domingo reaviva uma antiga rivalidade, que deve ganhar corpo no dia a dia em 2018. Procurados, GPA e Península não comentaram.