Reforma Trabalhista: o que pode mudar para as empresas em 2023 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Lidar com a legislação trabalhista brasileira não é, absolutamente, uma tarefa fácil.
Por razões evidentes, não podemos nos tornar insensíveis à necessidade de um eficiente conjunto normativo que ofereça garantias, proteções e boas condições sociais aos trabalhadores, nas diversas faces e evoluções das relações de trabalho.
De toda forma, para quem atua na área é fácil perceber que, em linhas gerais, as normas trabalhistas são altamente detalhistas, casuísticas e, muitas vezes, sofrem interpretações um tanto quanto enviesadas, entrelaçando-se em um emaranhado de regras e consequências de difícil previsibilidade e ponderação.
Tudo, vale destacar, em um ambiente regulatório imperativo, coercitivo e cujas normas em grande parte são tidas de antemão como indisponíveis a uma negociação privada.
Sem esquecer da necessidade de evitar generalizações, posicionamentos binários e soluções utópicas, é de se ponderar que um cenário regulatório como este tem um grande potencial para gerar falta de confiança entre os atores e entes das relações de trabalho e uma crônica insegurança jurídica, inclusive por conta de uma jurisprudência muitas vezes inusitada em relação ao texto da lei.
Tentar estabelecer prognósticos para novos textos de lei trabalhistas, quase sempre, é um desafio e tanto.
E isto, especialmente para as micro e pequenas empresas, que são justamente as que mais geram empregos no país, é algo um tanto quanto maléfico e contraproducente.
Oportunista e/ou oportuna, a depender do ponto de vista, a inicialmente “minirreforma” trabalhista de 2017 transformou-se rapidamente em uma “maxirreforma”. Mais de 100 dispositivos legais trabalhistas foram modificados, em inúmeras matérias e esferas distintas, atingindo direitos individuais, coletivos, sindicais e normas aplicáveis de processos judiciais trabalhistas.
De regras contratuais básicas, como a possibilidade de fracionamento de férias e o estabelecimento de novas diretrizes acerca do que deve ser computado como jornada de trabalho, a questões mais sistêmicas como:
Fato é que a amplitude da reforma trabalhista e a diversidade de suas matérias e regulações torna praticamente impossível julgá-la de maneira generalizada, tratando-a como um ato uno e indivisível.
Isso, por si só, e sem considerar aspectos políticos e ideológicos, já sugere ser pouco sustentável, ao menos sob o ponto de vista lógico e sistêmico, que uma integral “revogação” da reforma trabalhista pelo novo governo Lula, inicialmente ventilada na campanha eleitoral, venha, de fato, acontecer.
De acordo com a cobertura midiática do tema, o que antes era chamado de “revogação” passou a ser denominado “revisão”, “ajuste” e até mesmo de “adequação” da reforma trabalhista.
As últimas notícias apontam que um dos focos está na necessidade de se estabelecer uma regulação e algum nível de proteção para os trabalhadores de aplicativos.
O tema, realmente, é muito sensível. Se de um lado este novo modelo de trabalho não se amolda ao formato tradicional da relação de emprego, de outro, deixa o trabalhador à margem de qualquer sistema mínimo de proteção social, o que não pode ser ignorado.
Outro ponto tido como focal está na revisão do contrato de trabalho intermitente.
Defendido na época sob a perspectiva de trazer para formalidade o trabalho de “freelancers” e de outras atividades intermitentes, como, por exemplo, os serviços em áreas de eventos, esta nova modalidade de contratação criada pela reforma trabalhista contrariou o modelo clássico até então concebido pelo direito do trabalho, baseado em uma jornada de trabalho previamente definida, trabalhada ou à disposição do empregador, mediante o pagamento de um salário previamente ajustado.
No contrato intermitente, o trabalho se dá mediante convocações, alternando períodos de inatividade, sem garantia mínima de volumes e demandas. O trabalhador recebe somente pelos dias trabalhados, se, e na medida em que, trabalhar.
Segundo noticiado, a pretensão é a de restringir esta modalidade a alguns setores da economia. No entanto, seria mesmo o caso de a lei estabelecer, forçadamente, quais atividades econômicas demandam trabalhos intermitentes? De toda forma, vale lembrar que a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente foi questionada e está pendente de julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, as notícias apontam uma possível intervenção em questões de direito coletivo e sindical, no sentido de fortalecer a atuação dos sindicatos, na reversão de temas para os quais a reforma trabalhista de 2017 facultou a negociação individual — banco de horas, por exemplo.
O retorno da contribuição sindical compulsória, a princípio, não está sendo ventilado, mas se fala na necessidade de se fortalecer a fixação de contribuições ao sindicato, aprovadas em assembleias no âmbito da edição de normas coletivas (convenções ou acordos coletivos de trabalho), a cargo de todos os trabalhadores representados na negociação.
A reforma trabalhista, a princípio, vetou a edição de normas coletivas que retirem dos trabalhadores o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
A almejada reforma sindical, com implementação da liberdade sindical, continua sem previsão, vigorando entre nós o regime da unicidade sindical (um único sindicato por categoria e base territorial, sem possibilidade de livre escolha pelos trabalhadores).
De toda forma, a negociação coletiva segue sendo um instrumento essencial de prevenção e de pacificação de conflitos trabalhistas, o que há de ser sempre privilegiado.
Inúmeros temas e matérias, enfim, podem entrar na pauta de alterações na legislação trabalhista.
No entanto, vale ponderar que leis excessivas, intervencionistas e minuciosas, além de não conseguirem acompanhar a evolução e a dinâmica das relações de trabalho e de não contemplarem as peculiaridades de cada setor econômico e profissional, não garantem, por si só, a proteção ao trabalhador.
Ao par de interesses políticos e ideológicos, há espaços e demandas para modernizações, sobretudo para simplificações regulatórias, sem prejuízo da manutenção das garantias sociais essenciais e necessárias, com aprimoramento dos ambientes de negócio e fortalecimento da segurança jurídica, elementos básicos para facilitar a geração de emprego e renda.
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