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Redecard e Cielo devem lucrar mais com antecipação de recebíveis

Competição com bancos para emprestar dinheiro aos lojistas ficará mais acirrada, dizem especialistas

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

O fim da exclusividade dos adquirentes para credenciar estabelecimentos comerciais é apenas a parte mais visível das mudanças em curso no mercado de cartões. Outra disputa está em andamento e começa a chamar a atenção dos analistas. Trata-se da briga pela antecipação de recebíveis. Até agora, havia um equilíbrio entre bancos e credenciadores. Os primeiros emprestavam dinheiro aos lojistas com base na expectativa de vendas futuras (as chamadas vendas não-performadas). Já os adquirentes antecipavam o dinheiro com base nas vendas já realizadas (vendas performadas). A reestruturação do setor, porém, deve acirrar a concorrência na concessão de crédito aos comerciantes, segundo relatório do banco britânico Barclays Capital. E, por ora, a vantagem está com a Redecard e a Cielo, que podem elevar o peso das operações com recebíveis em seus resultados.

Para o Barclays, a crescente importância da antecipação de recebíveis para os lucros das credenciadoras pode ser medida em números. Em 2012, por exemplo, o banco estima que esse negócio deva representar 23% dos lucros da Cielo (ex-Visanet). O percentual é praticamente o dobro dos 12% com que a empresa deve encerrar 2010. Já para a Redecard, a contribuição dos recebíveis deve subir de 27% dos lucros para 32% no mesmo período. Esse avanço será outro efeito do fim da exclusividade dos credenciadores na captura por novos lojistas. Com a mudança, segundo o Barclays, "os lojistas acessariam pequenas quantias de crédito nos bancos e compensariam os custos elevados com mais vendas performadas dos credenciadores. O novo cenário gera volumes maiores [de antecipação de recebíveis] para os credenciadores".

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Acesso ao caixa

Para entender como a Redecard e a Cielo podem lucrar com os recebíveis, é preciso lembrar, primeiro, que ter um bom acesso ao fluxo de caixa dos varejistas é a base para uma oferta de crédito com pouco risco. Como em toda operação do tipo, quanto mais informações a instituição possui sobre a média de dinheiro que circula mensalmente na conta de um lojista, melhor será a análise de quanto emprestar, a que taxa e com qual probabilidade de inadimplência. Atualmente, bancos e credenciadores têm um acesso razoável a esses dados, mas a equação vai mudar com o fim da exclusividade. Segundo o Barclays, "como os lojistas ganharão flexibilidade para usar vários sistemas de captura e migrar de um adquirente para outro com mais freqüência, os bancos não terão mais visibilidade do fluxo de caixa".(Continua...)


Isto porque o principal interesse dos bancos em controlar ou ser parceiro de um credenciador é conquistar a conta corrente do lojista - o chamado domicílio bancário, no qual o varejista centraliza o depósito do dinheiro gerado pelas vendas com cartões de débito ou crédito. Com isso, os bancos podem estimar a média de vendas mensais de um lojista. O passo seguinte é oferecer a antecipação de recebíveis, isto é, o banco adianta o dinheiro que o lojista costuma faturar em um determinado período de tempo - que pode chegar a até um ano. É o que os especialistas chamam de antecipar recebíveis com base em vendas não-performadas, isto é, ainda não-realizadas.

Já a Redecard e a Cielo utilizam o acesso ao caixa dos lojistas para oferecer um outro produto - a antecipação de recebíveis com base em vendas performadas, isto é, aquelas que já foram processadas pelo sistema. Como os clientes costumam parcelar suas compras no cartão de crédito, os credenciadores oferecem ao lojista a possibilidade de receber, adiantado, o dinheiro referente a prestações que só cairiam em sua conta nos próximos meses. A diferença para os bancos é que esta é uma operação que envolve uma compra já realizada, e não uma estimativa de vendas futuras. O risco de crédito, nesse caso, é menor.

Fim do equilíbrio

O equilíbrio pela disputa do mercado de pré-pagamentos é mantido, atualmente, por uma série de acordos entre os bancos e os credenciadores. Um acordo fechado em 2006 pela Redecard, por exemplo, garante que a empresa vai respeitar o direito de exclusividade dos bancos emissores de cartões Mastercard nas operações de antecipação de recebíveis. O documento estabelece que esse direito é garantido para todos os bancos cujo faturamento com Mastercard represente 35% ou mais do total de operações com cartão de crédito. A Redecard se comprometeu a não antecipar recebíveis a lojistas que estejam negociando ou mantenham contratos de antecipação com os bancos. Também garantiu que os recursos gerados pela venda com cartões seriam depositados na conta do lojista no referido banco -  "travando", assim, o domicílio bancário.

Esse sistema funcionou bem enquanto os credenciadores tinham contrato de exclusividade com as bandeiras - a Redecard era a única a processar os cartões da Mastercard, e a Cielo, os da Visa. Com o fim dessa barreira, a partir de 1º de julho, as empresas passarão a processar as duas bandeiras, e começarão a disputar a adesão dos lojistas, oferecendo a possibilidade de reduzirem custos com o aluguel de máquinas e tarifas menores. Ficará mais difícil para os bancos "travarem" o domicílio bancário de um comerciante, já que ele poderá, ao final do contrato, mudar de credenciador sempre que achar que o concorrente está oferecendo um pacote melhor de vantagens. Para apimentar a disputa, é preciso lembrar ainda que o mercado dá como certa a chegada de pelo menos mais um credenciador no mercado - o Santander, que fechou recentemente uma parceria com a GetNet, já informou que vai entrar nesse negócio, mas outros bancos podem segui-lo (Continua...).


A falta de acesso a um longo histórico do fluxo de caixa dos lojistas e a incerteza sobre se eles permanecerão muito tempo no mesmo domicílio bancário devem aumentar os riscos dos bancos na antecipação de recebíveis. "A necessidade de aliviar os riscos de crédito poderia elevar a taxa de juros dos bancos nesses pagamentos, o que intensificaria a competição com os adquirentes", segundo o relatório do Barclays. Se, por um lado, os bancos passariam a cobrar mais caro para compensar os riscos, por outro, os credenciadores poderiam se beneficiar cobrando taxas mais baixas pelo mesmo tipo de operação - atraindo, assim, mais lojistas. Primeiro, porque a antecipação de recebíveis já performados é vista legalmente como uma obrigação financeira e não como uma operação de crédito - e isto significa isenção de IOF. Depois, a própria competição entre a Redecard e a Cielo pode gerar pressão para manter as taxas mais baixas.

Alternativas

O quadro traçado pelo Barclays tem cores sombrias. Em certo ponto, o relatório afirma que o sistema de antecipação de recebíveis pode "entrar em colapso", devido à falta de acesso dos bancos ao fluxo de caixa dos lojistas. Os atuais credenciadores também não parecem animados com o eventual aumento dos lucros com esse negócio. O relatório do Barclays não menciona, mas é preciso lembrar um ponto básico: os credenciadores são controlados por bancos brasileiros que emitem os cartões. É compreensível, portanto, que as empresas estejam empenhadas em encontrar uma solução que contente a todos.

Para Álvaro Musa, ex-presidente da Credicard no Brasil e sócio da consultoria Partner Conhecimento, é um exagero afirmar que o sistema caminha para a hecatombe. "Haverá uma disputa saudável entre os bancos e os adquirentes", diz. Uma alternativa é negociar algum tipo de incentivo para que os varejistas permaneçam com o mesmo domicílio bancário por mais tempo. Mas a melhor opção, segundo Musa, é criar uma câmara independente de compensação das operações, capaz de centralizar as informações sobre o fluxo de caixa dos clientes, por exemplo. "A clearing organizaria rapidamente o setor", diz. A proposta já é estudada desde o ano passado por representantes da indústria de cartões e pelo Banco Central. A candidata à tarefa é a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), uma clearing já criada pela Febraban. Qualquer que seja a solução, uma coisa os especialistas já dão como certa: a competição vai aumentar. "O mercado de cartões era rigidamente organizado e agora vai ficar mais flexível", diz Musa.

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