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"A Shell não sai do país", diz Aldo Castelli

Boatos podem colocar em risco negócios sólidos. Qualquer companhia, da Ford ao BankBoston, estão sujeitas a eles. A Shell é o caso mais recente. "Não tem sido uma experiência fácil", diz Aldo Castelli, presidente da subsidiária brasileira que precisou montar uma estratégia de comunicação interna e externa para lidar com os boatos sobre a saída da companhia […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Boatos podem colocar em risco negócios sólidos. Qualquer companhia, da Ford ao BankBoston, estão sujeitas a eles. A Shell é o caso mais recente. "Não tem sido uma experiência fácil", diz Aldo Castelli, presidente da subsidiária brasileira que precisou montar uma estratégia de comunicação interna e externa para lidar com os boatos sobre a saída da companhia no Brasil. O assunto parece ter sido enterrado de vez com o anúncio de um investimento de 200 milhões de dólares no país em 2005. A seguir, leia entrevista com Castelli sobre como a Shell lidou com os rumores.

EXAME - A Shell foi alvo de boatos de que estaria colocando sua operação brasileira à venda. Qual tem sido a posição da empresa em relação a isso?

Aldo Castelli - A Shell não sai do país e a área de combustíveis não está à venda, mas é importante ter em mente que avaliação de portfólio sempre existe. Faz parte de qualquer administração séria sempre olhar seu portfólio tanto de segmentos, produtos ou presença nos países. O objetivo do portfólio é buscar uma robustez estratégica vis à vis as mudanças do ambiente de negócio.

EXAME - Quais os planos da companhia para o Brasil?

Castelli - Nós temos um orçamento de 200 milhões de dólares - obviamente sempre dependendo das condições de mercado - para o ano que vem. A área de exploração e produção é a que leva mais de 50% desses recursos. Basicamente em função dos dispêndios de produção.

EXAME - Como foi para a Shell lidar com os boatos?

Castelli - Boatos nunca ajudaram e não foi um período fácil. A Shell tem por natureza fazer reuniões com seus funcionários. Temos a cultura de estimular funcionários a participar de assuntos chaves da companhia e é normal conversarmos. Mas a Shell não comenta boatos e rumores. Nesse caso específico, contudo, foi necessário administrar uma situação que trouxe desconforto tanto do ponto de vista interno, como externo, de mercado. Essa situação podia ser aproveitada por terceiros para tentar desestabilizar a companhia. Por isso, nós intensificamos a comunicação dos executivos da Shell com seus funcionários.

EXAME - Qual foi impacto na companhia?

Castelli - Essa fase foi complicada e não adianta tentar minimizar isso. Nós optamos pela transparência. Procuramos manter os funcionários sempre atualizados. Os boatos incomodam. Os funcionários ficam com grandes incertezas. E os clientes podem ter a impressão errada, que estamos saindo de todas as nossas operações. Isso pode levar o cliente a mudar.

EXAME - Isso chegou a ocorrer?

Castelli - Todos os diretores trabalharam muito para tirar as dúvidas dos clientes. Para isso era importante também manter os funcionários informados. Para que todos pudessem esclarecer quaisquer questionamentos que fossem feitos. No momento certo,  resolvemos esclarecer tudo por razões estratégicas. Não é uma coisa que se costuma fazer. É um padrão da Shell no mundo não discutir boatos e rumores. Tenho que dar um crédito aos nossos funcionários e agradecer os nossos clientes que acreditaram no que nós dissemos. Apesar do desconforto que essa situação gerou, esse processo foi tratado com transparência. Houve uma comunicação aberta onde estive pessoalmente envolvido com todos os meus colegas da diretoria.

EXAME - Como foi esse envolvimento?

Castelli - Por meio de reuniões. Eu percorri os andares conversando com todos os funcionários. Eu desci andar por andar. É uma comunicação um pouco diferente, mas eu me senti muito confortável. Isso deu a oportunidade para que pequenos grupos de funcionários, em cada andar, fizessem perguntas. E eu tive a chance de responder perguntas de acordo com cada área. Às vezes a pergunta era a mesma, e a resposta, 90% a mesma. O contexto de negócio de cada área é diferente e, portanto, as dúvidas são específicas. Uns trabalham em finanças, outros em varejo, outros com empresas. Isso nos deu oportunidade de elaborar todas as preocupações. Eu vejo isso como investimento, como um processo normal. A Shell sempre teve essa postura. Qualquer evento da companhia, os funcionários sempre serão os primeiros a saber. E eu insisti muito nesse ponto com eles. Eu dizia que eram rumores e que era difícil discutir em cima de especulações. O fato de estar havendo algumas ações de portfólio em outros lugares não implicava em dizer que aconteceriam também no Brasil. Agora, visões estratégicas desse nível de portfólio existem o tempo inteiro e continuarão existindo. A legitimidade de todo e qualquer negócio é sua performance de resultados. No setor de petróleo os resultados nunca foram de curto prazo. Nós investimos agora para colher daqui a cinco anos. Mas é muito importante continuar operando nos nossos padrões. Eu tenho que confessar que existia incerteza, existiam muitas preocupações. Mas eu fico muito feliz que o pessoal acreditou. Porque como toda empresa, a Shell tem que se ajustar às mudanças. Transições organizacionais também trazem muita insegurança. A única coisa que eu posso dizer que sempre será uma constante de as empresas se ajustarem para enfrentar melhor a competição, melhorar seus serviços e produtos e atender o consumidor que começa a exigir coisas diferentes.

EXAME - Quais eram as angústias maiores?

Castelli - A incerteza quanto ao futuro. Todo mundo sabe que não tem emprego garantido em lugar nenhum. É a sua performance que dá legitimidade a sua permanência. Mas, em função de uma situação dessas, a preocupação fica mais latente. Não foi a primeira vez que fomos alvo de boatos. Quando vendemos alguns de nossos postos, há cinco anos, para a Agip também chegou-se a ventilar que venderíamos nossa operação. Esse assunto também foi tratado com transparência.

EXAME - E por que esses boatos?

Castelli - É preciso entender que as empresas de petróleo não são aquelas companhias gigantes que estão confortavelmente sentadas sobre suas operações. Elas têm hoje um portfólio de negócios extremamente ativo, tanto de compra, quanto de venda. Nos últimos três anos nós compramos muito. Compramos a Pens Oil nos Estados Unidos, aumentamos nossa participação no varejo no país, compramos a Interprise. Mas também vendemos outras coisas em outros lugares do mundo. Saímos este ano da Espanha e de Portugal. É um processo normal, mas a Shell terá sempre o cuidado de respeitar seus funcionários.

EXAME - A Shell ficou temerosa de que os boatos acabassem desestimulando seus funcionários, o que poderia afetar os negócios da empresa?

Castelli - Eu tenho que reconhecer que é impossível isso não existir numa situação dessas. Mas não senti com maior intensidade por causa da nossa ação imediata. O fato de eu ter descido e ter feito uma comunicação nos andares teve um retorno muito bom. Eles sentiram que havia um compromisso da empresa em mantê-los informados.

EXAME - Nesse caso vocês montaram uma operação especial de comunicação.

Castelli - Sem dúvida. O primeiro passo foi fazer comunicação pela intranet. Cada vice-presidente teve reuniões com seus times. Eu tive reuniões gerais com o grupo como um todo e continuamos fazendo isso em momentos críticas e importantes. Não quero dizer que foi fácil. Não foi um mar de rosas. Mas nada substitui a transparência. Isso ajudou a controlar a ansiedade e a insegurança. Até que nós, no momento certo, acabamos, de forma pragmática, com toda a boataria ao anunciarmos os nossos investimentos para 2005.

EXAME - E por que o anúncio não foi feito antes?

Castelli - Somos uma empresa global. Dependemos de planejamento. Tudo tem que ser aprovado.

EXAME - E como foi a comunicação com os clientes?

Castelli - A competição foi extremamente ativa. Foram atrás de nossos clientes se aproveitando da insegurança deles. Eu estive pessoalmente com vários clientes, assim como meus colegas da diretoria. Era nossa obrigação fazer isso. Nós conseguimos segurá-los, mas isso não significa que o trabalho acabou. Você não pode estar com os clientes só em um momento desses. Tem que estar todo o tempo com eles. Considero que ainda temos muito trabalho pela frente, porque não há coisas que se esquece da noite para o dia. Mas nós avançamos muito deixando de forma clara e cabal o que pretendemos fazer em 2005. Temos 91 anos de Brasil e temos um compromisso muito grande com o país, com os nossos acionistas e funcionários. E vamos contribuir no que for necessário para desenvolver produtos e serviços.

EXAME - A Shell fez vários alertas de que estava insatisfeita com a situação do mercado de distribuição, que vinha sofrendo a concorrência de distribuidoras que sonegavam e adulteravam combustível. Como está esse mercado agora?

Castelli - Eu diria que cinco anos atrás o mercado esteve muito complicado em razão da sonegação, desrespeito a contratos, adulteração. Isso desestimula qualquer investidor a se manter no mercado. Nesses últimos três anos, porém, foi feito um grande trabalho pela indústria, governo, agência, sindicatos de classe na busca de maior fiscalização e moralização do negócio. Isso tem permitido a melhoria dos negócios. Mas ainda há um trabalho a ser feito na área de adulteração. Mas tenho que reconhecer que a Agência Nacional do Petróleo tem aumentado significativamente a fiscalização.

EXAME - A Shell perdeu muita participação no mercado nesses anos...

Castelli - A Shell se reposicionou no mercado. Vendemos algumas áreas para nos fortalecer em outras, visando uma posição estratégica mais robusta. Obviamente isso reduz um pouco nossa participação, mas nos fortalece para poder competir. A Shell nunca vai procurar quantidade, mas qualidade. Ainda temos 2 700 postos e mais todas nossas operações nas áreas de aviação, lubrificantes e serviços. Não podemos esquecer nossa posição pioneira na área de exploração e também na área de gás.

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