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Quem faz sua roupa? Nasce o 1º índice de transparência da moda no Brasil

Ninguém quer comprar roupa feita em condição indigna de trabalho e poluidora, porém, não há informação disponível suficiente sobre as roupas que usamos

Transparência: artesã com placa do movimento Fashion Revolution (Fashion Revolution Brasil/Divulgação)

Transparência: artesã com placa do movimento Fashion Revolution (Fashion Revolution Brasil/Divulgação)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 16h07.

Última atualização em 24 de junho de 2020 às 13h34.

São Paulo – Em abril de 2013, um prédio onde funcionava uma fábrica de tecidos em Bangladesh e que produzia roupas e acessórios para um punhado de marcas populares incluindo Walmart, H&M, Zara e Primark foi ao chão, matando mais de mil pessoas e ferindo outras 2500.

A tragédia do Rana Plaza revelou não apenas o descumprimento de normas básicas de segurança, mas também o lado obscuro da indústria da moda, servindo de estopim para o surgimento de um apelo global por mais ética e transparência no setor, movimento capitaneado pela ONG internacional Fashion Revolution.

Com o objetivo de mostrar iniciativas de boas práticas na cadeia de fornecimento da moda e demandar maior responsabilidade socioambiental das empresas do setor, a Fashion Revolution divulga anualmente desde 2016 um índice de transparência (Fashion Transparency Index) que analisa dezenas de varejistas e os classifica em cinco áreas-chave: política e compromissos, governança, rastreabilidade, “know, show e fix” (capacidade de identificar e responder aos problemas da cadeia) e questões emergentes.

O objetivo é esclarecer as políticas e práticas de cada empresa para ver o quão transparentes elas são com seus clientes e stakeholders sobre materiais e mão de obra. E o Brasil não ficou de fora. Nesta quinta-feira (11), foi lançado o primeiro índice de transparência voltado para marcas que atuam por aqui. O objetivo é saber como elas estão comunicando ao público sobre suas práticas nas cadeias produtivas e incentivar uma maior prestação de contas em relação aos impactos socioambientais do setor.

Para esta primeira edição, 20 marcas foram escolhidas para a análise, de acordo com uma amostra baseada em faturamento e representatividade no segmento de atuação: Animale, Farm, Malwee, Osklen, Brooksfield, Marisa, Havaianas, Pernambucanas, C&A, Hering, Cia. Marítima, Melissa, Riachuelo, John John, Moleca, Renner, Ellus, Le Lis Blanc, Olimpikus e Zara.

O “Índice de Transparência da Moda Fashion Revolution” foi desenvolvido pela equipe do Fashion Revolution Brasil, e contou com parceria técnica do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (FGVces), e apoio da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex).

Os dados foram obtidos com base nas informações disponibilizadas em canais como sites e relatórios de responsabilidade social corporativa, ou de sustentabilidade das empresas, além de um questionário com quase 200 perguntas, enviado aos representantes das marcas.

A exemplo do índice internacional, a equipe brasileira compilou e avaliou a disponibilidade de informações oferecidas pelas empresas em cinco categorias: “Políticas e Compromissos”, “Governança”, “Rastreabilidade”, “Conhecer, Comunicar e Resolver” e “Tópicos em Destaque”. Nesta última, são abordados temas atuais, como salários justos para viver, resíduos e empoderamento feminino, com a possibilidade de serem substituídos a cada edição, dependendo da relevância dos temas para o contexto em questão.

Os questionários enviados para as marcas possuíam uma pontuação máxima de 250 pontos, que foram convertidos em porcentagens.

Falta transparência entre principais marcas e varejistas

No índice brasileiro, a pontuação geral média foi 17%, ou 41 de 250 pontos possíveis). Na edição 2018 do índice global, a pontuação média entre 150 grandes marcas e varejistas internacionais analisadas foi de 21%, o que aponta para a enorme quantidade de trabalho que ainda precisa ser feito.

Dentre as 20 grandes marcas e varejistas pesquisadas por aqui, oito (40%) não responderam ao questionário e foram consideradas não transparentes, obtendo pontuação final igual a 0%: Brooksfield; Cia Marítima; Ellus; John John; Le Lis Blanc Deux; Melissa; Moleca e Olympikus.

O estudo ressalta que isso não significa, necessariamente, que elas não tenham boas práticas e iniciativas, mas que, no momento da pesquisa, não compartilhavam publicamente nenhuma informação sobre os temas investigados. As empresas tiveram um mês para responder ao questionário.

Na sequência, entre as 12 marcas que retornaram o questionário respondido (que representam 60% da mostra total), aparecem em ordem crescente de pontuação a Pernambucanas (10%), Marisa (13%), Farm (15%), Animale (15%), Hering (17%), Riachuelo (23%), Renner (26%), Osklen (34%), Havaianas (36%) e Zara (40%).

A C&A e a Malwee lideram o Índice pontuando 53% e 51%, respectivamente, no resultado geral, sendo as únicas na faixa de 51 a 60%.

O que esses resultados indicam, segundo análise da ONG, é que os consumidores podem até não querem comprar roupas feitas por pessoas que trabalhem em perigo, sendo exploradas e mal remuneradas em ambientes poluídos, porém, simplesmente não há informação disponível e suficiente sobre as roupas que compramos.

Muita teoria, pouca prática

Embora as marcas estejam começando a publicar informações, ainda existem muitas questões pouco conhecidas, como o impacto sobre os trabalhadores e o ambiente. Elas até pontuam bem no quesito de divulgação de metas para melhorar práticas nesses quesitos, mas muitas deixam a desejar na hora de detalhar o passo a passo para atingi-las no longo prazo.

Em geral, elas tendem a dar maior visibilidade a seus valores e crença, em detrimento de ações e resultados concretos: apenas 35% das marcas brasileiras publicam metas mensuráveis com datas definidas para atingir melhorias na cadeia, e somente 20% divulgam o progresso obtido.

Um exemplo disso é que as 12 respondentes pontuaram em políticas relativas aos direitos humanos, o combate à discriminação e ao trabalho forçado ou análogo a escravo e infantil, mas apenas sete pontuaram na seção de rastreabilidade na cadeia de fornecimento, que permite coibir condutas inapropriadas.

“Há um longo caminho ainda para garantir que as pessoas que produzem nossas roupas possam viver e trabalhar em condições dignas, saudáveis e sem medo de perder sua vida. Ainda tem muita coisa escondidade na cadeia da moda, em grande medida pela complexidade e escala, se não conseguirmos enxergar esses aspectos, não conseguiremos consertá-los”, disse Carry Somers, cofundadora do Fashio Revolution Global, em evento de divulgação do índice brasileiro realizado hoje em evento na sede da FGV em São Paulo.

“Acreditamos que maior transparência leva a maior responsabilização, o que provoca mudanças nos negócios. A forma como nós produzimos e consumimos moda precisa mudar. Transparência sozinha não representa o tipo de mudança estrutural e sistêmica que queremos ver na moda, mas ela nos ajuda a revelar as estruturas que precisam ser mudadas.T Transparência é um meio, não um fim”, acrescentou.

Eloisa Artuso, coordenadora nacional do projeto do Índice, destaca que a publicação de informações sobre condutas e práticas socioambientais das empresas de moda ajuda a construir a imagem da marca e, com isso, a confiança dos consumidores e investidores. Segundo ela, a ideia é que essa ferramenta ajude a promover melhorias para toda a indústria e trazer mais informação para o consumidor.

“Quem tiver clareza sobre suas praticas e conseguir transferir essa clareza para seus stakeholders vai sair na frente. Transparência ajuda a criar um campo de atuação mais nivelado entre marcas, constrói a imagem da marca e confiança com consumidor, traz luz às responsabilidades de todos ao longo da cadeia de fornecimento, facilita o acesso a dados e ajuda a indústria como um todo a melhorar. A partir do momento que disponibilizamos dados sobre a cadeia, começamos a prestar contas das nossas condutas e políticas, o que acaba gerando mudanças na prática”, disse.

Aron Belinky, coordenador do Programa de Produção e Consumo Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (GVces), parceiro técnico do índice brasileiro ressaltou o potencial do relatório como catalisador de mudanças.

“Não é parte da cultura das empresas ter um processo tão aberto, de mostrar o que acontece na cadeia de valor. Mas isso está mudando. A ideia de que transparência gera mudanças de práticas é uma teoria consagrada. Acreditamos que essa ferramenta vai ajudar a transformar não só a indústria da moda, mas também inspirar outros setores a terem iniciativas semelhantes”, afirmou.

Confira o estudo completo abaixo:

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