Negócios

Quem é a Gilead, fabricante do Remdesivir, em teste contra o coronavírus

Companhia é conhecida por seus medicamentos antivirais, como no combate ao HIV e à hepatite. Agora, o Remdesivir vem sendo testado contra a covid-19

Gilead Sciences: ações da empresa subiram mais de 20% neste ano com esperança de que um de seus remédios possa ser eficaz contra o coronavírus (Justin Sullivan/Getty Images/AFP)

Gilead Sciences: ações da empresa subiram mais de 20% neste ano com esperança de que um de seus remédios possa ser eficaz contra o coronavírus (Justin Sullivan/Getty Images/AFP)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 30 de abril de 2020 às 16h48.

Última atualização em 30 de abril de 2020 às 17h33.

Uma empresa até então pouco conhecida fora do mundo médico ganhou as manchetes globais e mexeu com os mercados nos últimos dias. É da farmacêutica americana Gilead Sciences, com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, que vem o antiviral batizado de Remdesivir, um remédio que vem sendo testado contra a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Fundada em 1987 pelo médico Michael L. Riordan, a empresa é uma das maiores fabricantes de medicamentos dos Estados Unidos e faz parte do índice S&P 500, que reúne as companhias mais importantes da bolsa americana. No Brasil, a farmacêutica tem escritórios em São Paulo e em Brasília.

A busca por uma solução de combate ao coronavírus não vem da Gilead por acaso, já que a empresa é conhecida por seus medicamentos antivirais. Antes da explosão da busca pelo Remdesivir, a empresa era buscada, por exemplo, por ter alguns dos principais remédios no mercado para complicações geradas pelo vírus HIV e pela hepatite. A companhia comercializa 25 medicamentos nos EUA e tem 11.000 funcionários, segundo seu site oficial.

A Gilead faturou em 2019 22,5 bilhões de dólares e teve lucro de 5,4 bilhões de dólares. A empresa vale 103,8 bilhões de dólares na Nasdaq, uma das bolsas de Nova York.

Só neste ano, com o otimismo dos investidores pelos testes bem-sucedidos do Remdesivir, as ações da Gilead subiram 26%. O papel foi da casa dos 65 dólares no começo do ano para 82,21 dólares no fechamento do pregão de quarta-feira, 29.

Mesmo antes do Remdesivir, a farmacêutica já vinha em uma década de valorização. Desde o começo dos anos 2010, a ação da companhia valorizou mais de 280%. O índice S&P 500, no mesmo período, subiu 132%.

A alta nos últimos dez anos vem de movimentos importantes da Gilead para consolidar sua posição no mercado de antivirais. Em 2011, a empresa comprou a concorrente Pharmasset, também americana, por 10,4 bilhões de dólares, no que foi seu maior negócio até então.

A Pharmasset também faz remédios contra doenças como HIV e hepatite. Um dos medicamentos da empresa é o Solvadi, um dos mais importantes do mundo no combate a hepatite C -- o sucesso do remédio fez a Forbes descrever a aquisição da Pharmasset pela Gilead como "uma das melhores aquisições na história do setor farmacêutico".

Amostras do Remdesivir: Gilead diz que está ampliando a produção desde o começo do ano (Gilead Sciences Inc/Handout)

Preços polêmicos

A Gilead, assim como outras companhias do setor farmacêutico, entrou ao longo da história recente em algumas polêmicas envolvendo o preço de seus remédios, sendo questionada por vender medicamentos essenciais a valores altos. Desde que o remédio Solvadi, por exemplo, foi aprovado para uso contra hepatite C nos EUA, em 2013, a empresa vem uma batalha judicial de anos com o governo americano em virtude dos preços.

No tratamento de pacientes com HIV, a Gilead também esteve em meio a um imbróglio para vender seus remédios a preços menores em países em desenvolvimento, sendo cobrada por órgãos como a associação Médicos Sem Fronteiras. Novamente nos EUA, a empresa foi processada pelo governo do presidente Donald Trump no ano passado por usar pesquisa do Departamento de Saúde americano na produção de um remédio contra o HIV sem pagar royalties ao Estado, segundo o jornal The New York Times.

No Brasil, a Gilead esteve nos últimos anos no centro de uma disputa sobre o sofosbuvir, também contra hepatite C. Entidades protocolaram pedido no Cade, órgão de defesa da concorrência, contra o que chamaram de abuso de patente da Gilead na venda do sofosbuvir, com o produto podendo custar mais de 1.000 reais.

A Gilead ganhou o direito de patente do remédio no começo de 2019, e disse em resposta à imprensa no ano passado que a obtenção dos direitos exclusivos foi "irrelevante no estabelecimento de preços de medicamentos para o tratamento da hepatite C". A EXAME tentou contato nesta quinta-feira, 30, com as assessorias de imprensa da Gilead nos Estados Unidos e no Brasil sobre o caso e aguarda resposta.

Remdesivir: remédio da Gilead usado contra o Ebola vem sendo testada para combate ao coronavírus (Ulrich Perrey / POOL)

Remdesivir e o coronavírus

Agora, caso os testes com Remdesivir caminhem, a Gilead pode novamente estar em meio a um imbróglio com preços e patentes de um de seus medicamentos. O remédio é usado no tratamento de complicações causadas por outro vírus, o Ebola. Os testes contra a covid-19 começaram já no começo deste ano, em janeiro e fevereiro, quando a doença ainda estava majoritariamente restrita à China.

Alguns testes preliminares com o Remdesivir vêm tendo sucesso, o que levou não só as ações da Gilead mas todo o mercado de ações global a subir nos últimos dias, em meio ao otimismo com um potencial tratamento para a pandemia que paralisou o mundo.

Um estudo publicado no Journal of Virus Eradication e citado pela agência Bloomberg estimou quanto custaria produzir em massa nove medicamentos que vêm sendo testados contra o coronavírus, incluindo o Remdesivir e a hidroxicloroquina. Se escalado para produção em larga escala, o Remdesivir, estimam os pesquisadores, poderia ser produzido ao custo de cerca de 9 dólares para um tratamento de dez dias.

A projeção leva em conta uma fabricação em massa, o que uma única empresa é incapaz de fazer sozinha, segundo fontes do setor de saúde ouvidas pela EXAME. No caminho para uma produção dessa amplitude, pode haver ainda outros empecilhos como falta de matéria-prima, o que já vem ocorrendo com outra substância testada, a hidroxicloroquina, cuja matéria-prima dos medicamentos vem da Índia.

Em carta aberta à Gilead, mais de 150 organizações sociais e ativistas do mundo todo pedem, desde o fim do mês de março, que a empresa abra mão de reivindicar direitos exclusivos sobre o Remdesivir. 

Na quarta-feira, 29, o presidente da Gilead, Daniel O'Day, publicou um comunicado dizendo que a empresa vem trabalhando nos testes e na ampliação da produção do Remdesivir desde janeiro. Ainda sem maiores detalhes, O'Day disse que a farmacêutica está disposta a colaborar com governos e mesmo com outras empresas para ampliar a oferta.

Segundo o comunicado, a Gilead tem estoque de 1,5 milhão de doses individuais do Remdesivir, o suficiente para 140.000 tratamentos de dez dias de duração -- testes vêm mostrando eficácia contra a covid-19 em períodos ainda mais curtos, o que pode aumentar a disponibilidade do estoque, diz a empresa.

"Na parte de oferta, estamos trabalhando para construir um consórcio global de empresas químicas e farmacêuticas para expandir a capacidade global e produção. Será essencial que os países trabalhem juntos para criar oferta suficiente para as pessoas em todo o mundo e estamos ansiosos para esses esforços colaborativos", escreveu O'Day.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusEbolaEpidemiasIndústria farmacêuticaRemdesivirRemédios

Mais de Negócios

Isak Andic, fundador da Mango, morre em acidente na Espanha

Jumbo Eletro: o que aconteceu com o primeiro hipermercado do Brasil

Esta empresa fatura R$ 150 milhões combatendo a inflação médica no Brasil

Equity: a moeda da Nova Economia e o segredo do sucesso empresarial