Presidente da Anfavea sobre carros mais caros: "Essa é a consequência"
Para Luiz Carlos Moraes, envelhecimento da frota é problema passageiro, mas preços de 0 km devem aumentar cada vez mais
Gabriel Aguiar
Publicado em 7 de dezembro de 2021 às 15h20.
Última atualização em 8 de dezembro de 2021 às 10h26.
Não é apenas impressão: os carros estão cada vez mais caros e até mesmo opções populares passam dos 100.000 reais — como o Hyundai HB20, por exemplo. “Já não existem modelos sem retrovisores e com bancos de plástico. Nosso regulatório obriga que todos os veículos tenham determinados itens, além de adequar às normas de emissões. Também há exigências do consumidor para conectividade. Então, o produto está mudando porque o regulatório e a sociedade exigem”, diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Do outro lado do balcão, as empresas terão de investir cerca de 10 bilhões de reais para adequar os modelos vendidos no mercado brasileiro às novas regras de poluentes L7 e P8 do Proconve — que valerão para veículos leves e pesados, respectivamente —, além de até 3 bilhões de reais para incluir novos recursos de segurança. Para piorar a situação, a pandemia trouxe problemas de logística, falta de semicondutores e teve reflexos na desvalorização do real. “Os impactos foram relevantes e essa é a consequência [ ao explicar os constantes aumentos dos preços ]”, afirma o executivo.
É o fim do carro popular?
Talvez seja o fim dos carros populares como conhecemos atualmente. Mas existem projetos de SUVs para as categorias de entrada — inclusive o sucessor do Volkswagen Gol — de olho na preferência dos consumidores. Afinal, os utilitários representaram 45% das vendas de automóveis no Brasil em 2021. Para Moraes, esse processo é natural do mercado, ainda que a solução definitiva para os problemas dos fabricantes venha por meio do aumento de exportações, que hoje representa menos de 20% do que é feito no país (considerado um nível baixo quando comparado a outros mercados).
“Temos um desafio adicional, porque a indústria deixou de produzir quase 100 milhões de veículos em todo o mundo. Existe ociosidade em outras plantas das mesmas empresas e estamos competindo com as matrizes. Temos ‘custo Brasil’ e alta carga tributária, o que dificulta nossa situação: boa parte dos 100.000 reais cobrados pelos carros de entrada nem fica com o fabricante, porque quase metade é de impostos como PIS, Cofins, ICMS e IPI. Na Europa, o IVA [ imposto único sobre serviços, produtos e transações ] varia em torno de 20%. Menor carga tributária compensa em volume”, diz.
Envelhecimento da frota
Durante a pandemia, o mercado sofreu com a combinação de diferentes fatores para chegar à frota mais envelhecida dos últimos 25 anos — como falta de componentes para produção de carros 0 km e consecutivos aumentos de preços dos modelos mais novos. E não é surpresa que o aumento da frota de usados compromete as metas de descarbonização e o desenvolvimento da indústria. Mas, para a Anfavea, esse processo é temporário e se deve principalmente aos gargalos na produção dos últimos meses, que reduziu a participação de veículos novos na composição da média ponderada.
“Esse processo aconteceu no Brasil e no mundo porque houve restrição da oferta. É o caso daquele cliente que postergou a compra de um carro novo ou acabou escolhendo um seminovo por conta da fila de espera. Com aumento do volume circulante de usados, é normal que a média de idade suba, porque a migração dos clientes puxa toda a cadeia para trás. Antes da pandemia, nossa previsão era vender 3 milhões de unidades, sendo que ficamos em 2 milhões no ano passado e, neste ano, deverá chegar a 2,1 milhões. No mundo, faltaram cerca de 12 milhões de caros novos no mercado”.
Por enquanto, não existe nenhum programa que estimule a renovação da frota de automóveis, mas a Anfavea trabalha há mais de um ano no projeto que prevê atualização dos caminhões — que segue sob análise do governo. Não há previsão de quando o programa será colocado em prática, ainda que seja tratado como prioridade pela entidade que representa os fabricantes (principalmente porque os caminhões e ônibus rodam cerca de 30.000 a 40.000 quilômetros por mês, enquanto a média para carros de passeio é de 12.000 quilômetros por ano). “É uma questão ambiental grave”, diz Moraes.
“É necessário ter preocupação genuína e verdadeira para investir parte do que é gasto com doenças respiratórias, saúde pública e acidentes de trânsito e recomprar os veículos que não têm condições de circular. Temos de garantir a destruição adequada e criar condições para que as pessoas possam comprar outro veículo mais novo, ainda que usado, já adequado às normas de emissões P6 [ de 2009 a 2012 ]. Nosso IPVA fica mais barato à medida que o veículo envelhece até isentar totalmente após 15 anos. Esse é um exemplo de como a política pública inventiva o envelhecimento”, afirma.
Falta de semicondutores
Os automóveis têm cerca de 1.000 semicondutores para gerenciar motor, câmbio, emissões, itens de segurança e conectividade — que podem passar de 2.000 no caso de elétricos. Essa é a prova de como a indústria atual depende do componente, que teve produção global afetada por diferentes fatores: nevascas no Texas; seca em Taiwan; incêndio na China; e aumento dos casos de covid-19 na Malásia. Todos esses contratempos provocaram a verdadeira crise na cadeia automotiva, com paralisação de fábricas e congelamento do setor. Pelas estimativas, o Brasil deixou de fazer 300.000 veículos.
“Não temos muito o que fazer. Na verdade, os fabricantes estão acionando os produtores junto com fornecedores. Porque a gente não compra diretamente os semicondutores, que acabam vindo junto a outros componentes. Nós tentamos agilizar a logística, antecipar as encomendas, trazer com avião e até aceitar lotes menores. Tentamos antecipar o máximo possível para atender a produção local e a demanda que temos. Nossa estimativa é que esse problema continuará ano que vem, talvez menor que em 2021, mas só deverá ser resolvido totalmente em 2023”, diz o presidente da Anfavea.
Já existem debates com o governo para incentivar a criação da indústria de semicondutores no país — atualmente, são produzidos apenas os componentes utilizados em celulares e computadores, que não servem para o setor automotivo. Essa é considerada uma questão estratégia pela entidade, pois elimina a dependência da Ásia e atende futuras demandas (como 5G e “Internet das Coisas”). Só que esse processo demanda aproximadamente uma década até ser concluído e grandes investimentos: a Bosch inaugurou recente uma fábrica na Alemanha que recebeu aporte de 1 bilhão de euros.